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(Millôr Fernandes)

sábado, 15 de outubro de 2022

Pedro Augusto Pinho: Golpe de 1964, eleições de 2022 e narrativas da pedagogia colonial

Sábado, 15 de 2022
Ilustração: Carlos Lopes Política
Pedro Augusto Pinho: Golpe de 1964, eleições de 2022 e narrativas da pedagogia colonial

Da Redação do VIOMUNDO

“A independência do Brasil ainda é um evento inconcluso em nossa História. O País não tem autonomia decisória”, afirma o administrador Pedro Augusto Pinho, que começa hoje no Viomundo uma série especial de três artigos intitulada Contribuições para a defesa da Pátria.

Pedro Augusto é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet).

Ele mesmo explica, em linhas gerais, o que tratará nos três artigos:

— O Brasil, até bem pouco tempo, seguia decisões estadunidenses.

— Anteriormente, como demonstra Miguel Bodea (“A Greve de 1917 – As origens do trabalhismo gaúcho”, L&PM, Porto Alegre, s/data), o Rio Grande do Sul “possuía a mais alta porcentagem nacional de firmas industriais de propriedade individual, o maior número de bancos controlados por capitais nacionais e o maior índice de investimentos norte-americanos (no resto do país ainda predominava o capital britânico)”.

— Hoje, passados 200 anos da “independência” de 7 de setembro, nem mesmo estamos sob o controle externo de Estados Soberanos. Somos controlados por capitais apátridas, de administradores desconhecidos, sob a designação de “gestores de ativos”: BlackRock, Vanguard, State Street, Wellington, Fidelity.

— O nosso objetivo com esses três artigos é levantar temas e fatos que ajudem o Brasil um dia a passar de Estado Servil a Estado Soberano.

Abaixo, o primeiro artigo da série.

GOLPE DE 1964, ELEIÇÕES DE 2022 E NARRATIVAS DA PEDAGOGIA COLONIAL

*Pedro Augusto Pinho*, especial para o Viomundo

Getúlio Vargas, o Estadista, não resistiu ao segundo golpe que as forças estrangeiras lhe aplicaram. Preferiu sair da vida e, efetivamente, escreveu uma das mais edificantes páginas da História do Brasil.

Mas a narrativa da pedagogia colonial, naquela época a serviço do industrialismo estadunidense, tentou aplicar-lhe os rótulos usuais dados aos estadistas latino-americanos: corrupto e ditador.

Mas nenhum coube em Getúlio, como ficou demonstrado pela tristeza e pela ira popular quando souberam de seu suicídio, fazendo fugir seus algozes, para manterem-se vivos.


Vargas nos legou uma ideologia brasileira: o nacional trabalhismo. Do discurso de 11/03/1940:

“Não é demais acentuar, neste momento, que o Brasil atravessa uma etapa decisiva da sua história. No campo econômico, como na vida social, atingimos a fase crítica em que se pronunciarão, definitivamente, as qualidades dominantes de nossa formação. Incumbe aos homens que governam, aos transitórios mandatários da vontade nacional, velar e lutar, constantemente, pela conservação das características fundamentais da nossa civilização. Educando, provendo as necessidades culturais do povo, incutindo-lhe no ânimo a ideia de solidariedade indestrutível em torno dos princípios que lhe norteiam a vida mental e moral, teremos feito o melhor possível pelo progresso da nacionalidade, porque, assim, fortaleceremos a sua estrutura e a sua unidade de sentimento e ação” (in Getúlio Vargas, As Diretrizes da Nova Política do Brasil, organizado por Severino Sombra, Livraria José Olympio Editora, RJ, 1942).

Neste parágrafo estão consolidadas a solidariedade, a unidade e a cultura nacional, um robusto não às ideologias e práticas do estrangeiro, sempre invejosas das riquezas, do povo miscigenado e das dimensões do Estado Nacional.

Francisco Campos, de quem nunca se soube tendências marxistas, ao criticar a constituição dos Estados Unidos da América (EUA), salientava a sua rigidez engessadora, que não permitia governo que não tivesse a bênção dos magnatas.

E escrevia no Estado Nacional em 10/05/1938, “um Estado em que o povo identifica a sua soberania, que não é simples mecânica do poder, mas a alma, espírito, atmosfera, ambiência, clima”. Enfim, como no discurso de Vargas, a cultura de uma nação.

A este nacionalismo, Getúlio colocou o trabalho como a forma de realização do homem. Não apenas o modo de ganhar o sustento, de se manter e aos seus, mas também o modo de se valorizar o ser humano como criador, intérprete, doador.

O nacional trabalhismo era e é um incômodo para os entreguistas, para as mentes colonizadas, que repetem a pedagogia colonizadora dos interesses estrangeiros.

E foram estes estrangeiros, com milhares de dólares estadunidenses, que regaram os governos antinacionais de Magalhães Pinto (MG), Ildo Meneghetti (RS), Carlos Lacerda (RJ) e Adhemar de Barros (SP), para o golpe de 1964. E tiveram ajuda nada religiosa do Padre Peyton (Marcha da Família com Deus pela Liberdade), em procissões políticas.

Também chegaram dólares para os marqueteiros do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), fundado em 29/11/1961 por Augusto Trajano de Azevedo Antunes (Caemi Mineração) e Antônio Gallotti (Light S.A), e para o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), organização (think tank) anticomunista, fundada, em maio de 1959, por Ivan Hasslocher, com Gilbert Huber Jr., Glycon de Paiva e Paulo Ayres Filho.

Nem faltaram recursos para as “dondocas” da CAMDE (Campanha da Mulher pela Democracia), de Amélia Molina Bastos, irmã de Antônio Mendonça Bastos, membro do Serviço Secreto do Exército, e de Dona Lalá Fernandes, posteriormente processada por estelionato.

Todos recebiam algum tipo de benefício, ou promessa de ganhos, para pedir a deposição do ex-ministro de Vargas, à época Presidente do Brasil, João Goulart, e que os livrassem da liderança nacionalista de Leonel Brizola, construtor de 6 mil escolas públicas no Rio Grande do Sul e da encampação das empresas Amforp e Light, sonegadoras do erário e de péssimos serviços ao povo gaúcho (ver, entre outros, João Carlos Guaragna, Brizola a revoada do exílio, e Miguel Bodea, Trabalhismo e Populismo no Rio Grande do Sul, ambos de1992; Osvaldo Maneschy, coordenador, Leonel Brizola, a legalidade e outros pensamentos conclusivos, 2011; e José Augusto Ribeiro, O Brizola desconhecido, 2022).

No entanto, o golpe de 1964 desencadeou outro golpe.

Em 1967, Arthur da Costa e Silva inicia um período de três governantes gaúchos que, autoritariamente, exerceram governos nacionalistas.

Os generais Costa e Silva, Médici e Geisel, mesmo exorcizando Vargas, prosseguiram na construção do Brasil Soberano. E as forças estrangeiras, não as mesmas de 1954, nem as 1964, demoliram estes governos com ideais sem sustentação como a democracia limitada ao ritual periódico de eleições, sem que o povo participasse das decisões.

A pedagogia colonial que se formava, então, provinha dos capitais financeiros. A princípio das posses fundiárias, depois financiando o comércio e a gestão das dívidas, e, ao fim, com a inclusão de capitais marginais (aqueles que acordos internacionais e legislações nacionais classificam como crime): tráfico de drogas, contrabando de pessoas, armas, corrupção, lavagem de dinheiro, etc.

O golpe de 1964 terminou melancolicamente com o general Figueiredo se negando a transmitir o cargo a José Sarney, que o militar considerava um traidor.

As finanças se empoderam e assumem o governo com a eleição de Fernando Collor. O Estado Nacional, construído por Getúlio Vargas, que sobreviveu a golpes e ditadores, começa a ruir com eleições diretas. É o triunfo do rentismo, do suborno, das chantagens e da corrupção.

Chegamos às eleições de 2022.

As Américas Central e do Sul foram colonizadas pelos mais retrógrados Impérios europeus: os Ibéricos.

A característica dos Impérios Ibéricos era a religiosidade, a ponto de implantarem a Inquisição, que lhes levou empreendedores e finanças, para os Impérios mais acolhedores, ao norte (Werner Sombart, Os judeus e a vida econômica, tradução de “Die Juden und das Wirtschaftsleben” (1911), por Nélio Schneider, para Editora UNESP. SP, 2014).

Neste clima de sujeição ao catolicismo, contrário às manifestações espiritualistas de matriz africana e somado ao misticismo da população, quase totalmente analfabeta, o Brasil se tornou campo fértil para a pregação supersticiosa, muito mais do que religiosa.

“Nada deriva do acaso, mas tudo de uma razão e sob a necessidade”, atribui-se ao filósofo grego Leucipo (século V a.C.), explicando a necessidade da religião para manter a dominação abstrata, sem atender necessidades reais da existência física e psicológica.

“Cogito ergo sum”, cartesiano, coloca a razão acima de fantasia transcendente. Voltaire, satírico iluminista, dizia que para a certeza da luz descida do alto (ideias religiosas) haveria a pluralidade de luzes que se difundiriam de pessoa para pessoa.

Assim fomos sendo formados para aceitar mais a magia do que a ciência. Na ausência de bases cognitivas, o brasileiro adota o pensamento mágico.

Em 1963, Padre Peyton (“o padre de Hollywood”) não veio ao Brasil para solucionar qualquer problema objetivo, da seca do nordeste, das enchentes, da fome. Veio expurgar o demônio do comunismo.

O comunismo do mundo bipolar interessava tanto aos EUA e sua Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), quanto à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e justificava ditaduras, assassinatos, guerras, invasões por todo mundo.

No Brasil, colônia estadunidense, antes de ser colônia das finanças apátridas, o nome de Deus foi água benta a exorcizar o comunismo. Mesmo sendo os comunistas, na imensa maioria, pessoas simples, idealistas, que tinham naquela ideologia a mesma fé cega dos cristãos nos milagres.

Bolsonaro, em São Paulo, no comício de 7 de setembro pregou:

“Deus nunca disse para Israel ‘fica em casa que eu luto por você’. Ele sempre disse ‘vai a luta que estou com você’. Agradeço a Deus pela minha vida e também a ele que pelas mãos de 60 milhões de pessoas me colocaram nessa missão de conduzir o destino da nossa nação. Hoje nós temos um presidente da República que acredita em Deus, que respeita os seus militares, que defende a família, e deve lealdade ao seu povo”.

“Dizer a vocês que o conforte não me atrai. Eu sempre estarei onde o povo estiver. Passamos ainda momentos difíceis. Lá atrás usei uma passagem bíblica por ocasião das eleições ‘e conhecerei a verdade e a verdade vos libertará’. Quando assumi presidência lembrei de outra passagem: ‘por falta de conhecimento meu povo pereceu’. Passei meses difíceis recebendo cobranças cada vez maiores para tomar decisões importantíssimas. Tinha que esperar um pouco mais de modo que a população aos poucos ou cada vez mais fosse se conscientizando do que é um regime ditatorial….”.

“Não temos qualquer críticas a instituições, respeitamos todas as instituições. Quando alguém do Poder Executivo começa a falhar eu converso com ele. Se ele não se enquadra, eu demito. No Legislativo, não é diferente. Quando um deputado ou senador começa a fazer algo que incomoda a todos nós, que está fora das quatro linhas, geralmente ele é submetido ao Conselho de Ética e pode perder o seu mandato”.

“Já no nosso Supremo Tribunal Federal infelizmente isso não acontece. Temos um ministro do Supremo que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos. Logo um ministro que deveria zelar pela nossa liberdade, pela democracia, pela Constituição faz exatamente o contrário. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Não podemos admitir que uma pessoa, um homem apenas turve a nossa democracia e ameace a nossa liberdade. Dizer a esse indivíduo que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos” (transcritos do site: poder360.com.br).

Bolsonaro é orientado pelos centros de pesquisa de manipulação da opinião pública que as finanças mantêm para corromper e governar o mundo globalizado, isso é, sem fronteiras identificadoras dos Estados Nacionais.

A sociedade do “mercado”, onde tudo, rigorosamente tudo, a moral, a humanidade, a consciência, pessoas e bens têm preço. Embora nem todos se vendam.

Com o domínio do sistema financeiro, a Questão Nacional saiu da pauta política. Afinal a ideologia que se pretende globalizante, não poderia conviver com ideologias nacionais. E o Dicionário da Pedagogia Colonial denomina ditador ou terrorista, pessoa ou Estado que não segue o decálogo neoliberal denominado “Consenso de Washington” (1989). Pouco importa o que se passe nestes países, eles sempre serão acusados de crimes contra o “mercado” (sic).

Leonel Brizola teve a sua vida várias vezes vasculhada, pelos militares e policiais durante o período do golpe de 1964; pelos comunistas e financistas após a “redemocratização” de 1988, após os governos populares no Estado do Rio de Janeiro, e nenhuma mácula, nem uma só irregularidade foi encontrada.

O que fazer então? Apontá-lo como comunista. Logo ele que sempre teve na oposição a seus governos, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, os comunistas. Os mesmos comunistas que tentaram um golpe contra Getúlio Vargas em 1935, e pediram a sua renúncia em agosto de 1954.

Vejam, caros leitores, como são as narrativas da pedagogia colonial.

E vamos mais uma vez para eleições onde o tema mais importante para vida de um País, para o futuro da Nação, não é objeto de discussão, de debates, nem de discursos: a Questão Nacional.

O que vamos eleger?

Pastores das igrejas da caixinha, que lavam dinheiro de drogas, que compram suntuosas mansões no exterior?

Membros do Poder Executivo que nem se cobrem de vergonha ao confessar que possuem contas em paraísos fiscais; contas que, na melhor hipótese, representam fuga à tributação?

São compras de imóveis com dinheiro em espécie, pois seus salários não seriam suficientes para adquiri-los. Tudo é consequência da submissão às finanças apátridas que dirigem hoje o Brasil.

E todo esforço das gerações que nos precederam, que construíram a Petrobrás, a Eletrobrás, a Vale do Rio Doce, a Embratel, a Embraer, a previdência rural e dos empregados domésticos, estradas, portos, aeroportos, são suprimidos ou alienados, como restos de feiras, por valores ridículos para aumentar a receita dos gestores de ativos, financeiras cujos recursos alimentam os paraísos fiscais.

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado





Pedro Augusto Pinho: Nacional trabalhismo e o desenvolvimento do Brasil

Da Redação


Em 8 de outubro, publicamos o primeiro artigo da série Contribuições para a defesa da Pátria, do administrador Pedro Augusto para Viomundo.


Em 10 de outubro, postamos o segundo artigo: “Mercado” ou a ignorância ao alcance de todos

Hoje, 14 de outubro, publicamos o terceiro e último artigo (leia-o abaixo) da série Contribuições para a defesa da Pátria, de Pedro Augusto Pinho, que preside a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet).

Segue o texto.

SÉRIE “CONTRIBUIÇÕES PARA A DEFESA DA PÁTRIA”

NACIONAL TRABALHISMO E O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Por Pedro Augusto Pinho*, especial para o Viomundo

“Jamais se presenciou no Rio de Janeiro um cortejo fúnebre idêntico ao do presidente Getúlio Vargas”. “O porto-alegrense … mal havia tomado conhecimento dos fatos da violenta madrugada, quando eram anunciadas pelo rádio as edições “extra” da imprensa local e de cima dum automóvel, na Rua dos Andradas, alguém gritava a plenos pulmões: “Getúlio morreu, Getúlio foi assassinado! …”(José Augusto Ribeiro, “A Era Vargas” 3º volume, Casa Jorge Editorial, RJ, 2001).

Por todo o Brasil, as pessoas sentiam a perda de um parente próximo e querido, as sedes dos partidos políticos opositores de Vargas, de representação diplomática e empresas estadunidenses, até brasileiras que tinham o nome “Americana”, jornais e estações de rádio que combatiam Vargas, como relata, na magnífica “A Era Vargas”, José Augusto Ribeiro, eram alvo da vingança popular, do quebra-quebra, dos incêndios que se seguiram ao suicídio.

Havia a sensação de perda da identidade nacional, da soberania popular, que, como registra o historiador José Augusto Ribeiro, impediu que se confirmasse a primeira página do jornal carioca Diário de Notícias (28/08/1954), reproduzindo a notícia do autorizado porta-voz do capital estrangeiro, Wall Street Journal, publicada na véspera: “Funcionários americanos predizem que Café Filho pode eventualmente abrir a possibilidade de investimentos de interesse estrangeiro nas indústrias do petróleo e da energia elétrica no Brasil”.

Getúlio Vargas teve a seu lado a intelectualidade da época, das mais variadas tendências – autoritárias e democráticas, liberais e nacionalistas, conservadores e progressistas. E foi forjando, com sua inteligência política e preparo teórico, uma doutrina inteiramente brasileira, o nacional trabalhismo.

Naquela passagem do século 19 para o século 20 da infância, adolescência e juventude de Getúlio (19/04/1882), muitos pensamentos políticos, muitas ideologias conflitantes, constituíam associações e partidos na Europa, que repercutiam nas Américas.

Cresciam a industrialização e a classe operária, o imperialismo monárquico tomava o rumo econômico, as ideias libertárias, sufragistas, empolgavam a juventude e intimidavam a burguesia bem estabelecida, o nacionalismo, o socialismo, e os filhos do iluminismo francês, se espalhavam nas teorias do Estado, do direito e nas novas ciências do comportamento.


O Rio Grande do Sul fora palco de movimentos que mobilizaram todo Estado e obrigaram definições, como a Revolução Farroupilha. Destes, saíram lideranças que fizeram daquele Estado um laboratório político.

As consequências econômicas dos embates militares e políticos foram benéficas para os gaúchos, no sentido que não houve a concentração de renda que se observou no nordeste e no leste do Brasil. Muito contribuiu para essa situação o fluxo migratório e o fim da escravidão, antes mesmo da libertação de 13 de maio de 1888.

Existe copiosa literatura, nacional e estrangeira, sobre as “guerras do sul”, pelo que nos eximimos de ampliar este tópico, fazendo unicamente referência ao positivismo que impressionou a oficialidade militar republicana brasileira e chegou à divisa de nossa bandeira.

Guerreiro Ramos, na “Apresentação” da obra de Inácio Rangel, “Dualidade Básica da Economia Brasileira” (ISEB, RJ, 1957), escreve: “A dualidade não é apenas uma lei de nossa economia, mas da sociedade brasileira em geral. É fácil compreender como a categoria de dualidade tornou obsoleta a teoria sociológica da transplantação, vigente no Brasil até bem pouco tempo”.

Adiciona o sociólogo e teórico da administração brasileiro, “organizada para complementar a economia exterior, a economia brasileira, no tocante às suas relações externas, está sempre em nível superior ao das suas relações internas. Atualmente (década de 1950), a dualidade básica de nossa economia consiste em que, dentro dela, predomina o capitalismo liberal e, nas relações com o mundo de fora, prevalece o capitalismo de Estado”.

O então capitão Severino Sombra, em “As duas linhas de nossa evolução política” (Zelio Valverde Livreiro-Editor, RJ, 1941), opõe, na política brasileira, a liberdade à nacionalidade, sendo a primeira “revolucionária” e a segunda a “reação orgânica”.

O liberalismo revolucionário, primo irmão do federalismo, se contrapõe ao centralismo do poder moderador.

Seus recursos seriam o Rei, os Presidentes das Províncias, o Chefe de Polícia e a Magistratura, aos quais Sombra adiciona o “Recrutamento”, que “permite ao poder central atuar sobre os elementos locais de dissolvência, sobre a turbulência das zonas rurais, sobre o banditismo das regiões sertanejas, sobre as tropelias da caudilhagem territorial”, e a Guarda Nacional.

Nossa história, analisada por dois colaboradores de Vargas — o civil Inácio Rangel e o militar Severino Sombra, com percepções distintas — tem a mesma conclusão bipolar de nossa economia, de nossa política e de nossa sociedade.

E, o mais curioso, é o nacionalismo, que impulsionou as gestões de Getúlio Vargas, do governo provisório, em 1930, ao eleito pelo povo, em 1951, ser visto como conservador e autoritário, enquanto o poder colonial, estrangeiro, se apresenta como liberal e revolucionário.

Sem dúvida, a história do Brasil é uma enciclopédia da pedagogia colonial, que muito tem facilitado a ação dos entreguistas e dificultado a dos poucos governos nacionalistas.

A bipolaridade da guerra fria, que tomou metade do século 20, prejudicou muito a compreensão das sutilezas políticas e as opções regionais e nacionais.

A Conferência de Bandung, reunião de 29 países asiáticos e africanos, na Indonésia, entre 18 e 24 de abril de 1955, objetivando a criação de terceiro movimento internacional, fora da dualidade capitalismo x socialismo, ou, ainda menos ampla, das disputas entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), teve estas duas superpotências na oposição. E acabou fracassando.

O Brasil, como todo mundo pós Consenso de Washington, vive a crise do financismo estéril, da concentração de renda e da demografia.

The Lancet, das mais antigas e conhecidas revistas médicas do mundo, publicada semanalmente pela Elsevier, no Reino Unido, apresenta o prognóstico das Nações Unidas que haverá 11 bilhões de pessoas em 2100.

Esse encolhimento se dará pela drástica redução da taxa de fertilidade na África Subsaariana e das populações na Ásia, Europa Central e Oriental. Especificamente, os demógrafos calculam que as populações minguarão pela metade em 23 países, incluindo Espanha, Japão, Tailândia, Itália, Portugal e Coreia do Sul.

Além disso, outros 34 países terão grande redução de habitantes, incluída a China, que passaria de 1,4 bilhão para 732 milhões de habitantes.

O Brasil, hoje com aproximadamente 210 milhões de habitantes, chegaria ao pico de 235 milhões, em 2043, para cair a 164,75 milhões, no final deste século.

A África, segundo o artigo, freará seu crescimento mais rapidamente do que a ONU previa, mas, ainda assim, triplicará sua população. Isso provocará, entre outras coisas, que a Nigéria se transformará numa potência global, em 2100, com quase 800 milhões de habitantes, atrás apenas da Índia (um bilhão) e à frente da China no pódio da população mundial.

Entre os 10 países mais populosos do mundo no final do século haverá cinco africanos (Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, Egito e Tanzânia), enquanto Brasil, Bangladesh, Rússia e Japão deixariam essa lista.

Permanecem Indonésia e EUA, embora o caso estadunidense dependa muito de resgatar a sua política imigratória do último século, e não a da gestão Trump.

“As políticas liberais de imigração nos Estados Unidos sofreram um revés político nos últimos anos, o que ameaça seu potencial para manter o crescimento econômico e populacional”, afirma a matéria.

Essa é a chave e a principal moral da história: os países que apostarem de forma decidida na imigração como política de longo prazo sairão fortalecidos. França, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia mantêm e reforçam sua população, sua influência e seu posto na economia global nas próximas décadas, graças, em grande medida, a esse investimento em população de origem estrangeira.

“Alguns países manterão suas populações através de políticas de imigração liberais e políticas sociais que amparem mais as mulheres que trabalham e alcançam o tamanho de família desejado. É provável que estes países tenham um PIB maior do que outros países, com os diversos benefícios econômicos, sociais e geopolíticos de uma população ativa estável”.

O Brasil vem aprofundando a política neoliberal, com predomínio do “mercado financeiro”, encolhimento do Estado, com privatizações, alienações e encerramento de atividades, descuidando do futuro.

Como se lê na revista médica do Reino Unido, esta onda neoliberal promoverá novas hegemonias e geopolíticas.

O Brasil, ao trocar o nacional trabalhismo pelo globalismo financista, vem perdendo posição no mundo multipolar euroasiático, que parece se transformar em afro-asiático.

Temos dimensão territorial, fontes de energia primária, terras férteis, água doce e insolação que nos dariam posição de destaque no mundo.

Só que isso não ocorre devido à política de conteúdo colonial, criticada por Inácio Rangel, Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Cibilis da Rocha Viana, entre outros estudiosos da nossa realidade econômica e social.

Nestas eleições de 2022 não comparece a Questão Nacional. O debate, verdadeiramente alienado quanto a nossas necessidades de soberania, desenvolvimento tecnológico e cidadania, se contentou com questões identitárias, religiosas e éticas.

Faltaram partido político e liderança que impulsionasse a defesa nacional, para ocupar o espaço que nossa condição territorial e populacional permite e exige, no mundo multipolar. O que esperar?

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.





Pedro Pinho


 
Ilustração: Carlos Lopes
Pedro Augusto Pinho: “Mercado” ou a ignorância ao alcance de todos 10/10/2022 - 22h44

SÉRIE “CONTRIBUIÇÕES PARA A DEFESA DA PÁTRIA”

“Mercado” ou a ignorância ao alcance de todos

Por Pedro Augusto Pinho*, especial para o Viomundo

Todo processo administrativo passa por três etapas: o planejamento, a execução e a avaliação. Podem ser mais detalhadas, implícitas ou explícitas, mas elas sempre existem. Sem elas o fracasso é certo, o prejuízo, garantido.

O mundo ocidental, para este artigo, será definido como a Europa Ocidental e os Estados Unidos da América (EUA), que se forma na concepção capitalista a partir do século XV.

Ela se desenvolve com as crises do feudalismo, onde se inserem pestes e as cruzadas católicas, e ganha força com a descoberta da América – pela apropriação das riquezas minerais (ouro e prata, principalmente) e vegetais (batata, baunilha, quinina, cacau, milho e outros) – e com a escravidão dos africanos.

Portanto é absolutamente falsa a “lição” de Ludwig von Mises (As seis lições, tradução de Maria Luíza X. de A. Borges, do original inglês “Economy Policy: thoughts for today and tomorrow”, para o Instituto Liberal, RJ, 1993), de que o capitalismo surge da demanda, que “existe em todos os países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido”.

Como igualmente errônea é a pressuposição de Mises, difundida como verdade, de que “as classes governantes”, “os estadistas” não sabiam o que fazer diante de adversidades, e foi “um grupo de pessoas capaz de produzir, de inovar”, para “satisfazer a necessidade de todos” que trouxe a solução.

Apenas esses novos dirigentes e seus prepostos promoveram a apropriação, com extermínio das populações originárias das Américas (o maior genocídio na História do Mundo) e a escravidão (trazida com lucro dos habitantes da África subsaariana), promovendo o que o capitalismo faz com perfeição: a acumulação de capital.

Saiamos da fantasia para a realidade.

Examinando a realidade latino-americana, Theotonio dos Santos (Socialismo ou fascismo, Editora Insular, Florianópolis, 2018) esclarece que “o caráter expansivo e as dimensões das empresas entram progressivamente em choque com as limitações dos mercados internos, com as estruturas exportadoras e o autoconsumo”.

Por que o mercado da América Latina é limitado? Porque foi onde a escravidão perdurou por mais tempo.

No Brasil, ela ainda existe nas formas de trabalho sem qualquer garantia dos “microempreendedores individuais” (MEI), dos empregos “uberizados” e das revogações das leis trabalhistas e previdenciárias, que ocorrem desde 1990 até este 2022, com maior ou menor frequência e intensidade.

Pode-se afirmar, sem receio de incorreção, que o Brasil inicia sua trajetória de Nação Independente, a partir de 1930.

E o 7 de setembro de 1822, perguntará, motivado pelos festejos do bicentenário, o atilado leitor?


Devemos distinguir as independências e as soberanias.

Um país pode obter sua liberdade política, ou seja, passa a escolher seus governantes, pelo voto ou pela sucessão dinástica.

Mas ele tem a restrição de decisão, imposta pelo exterior, quer pela força militar, que garante a manutenção da liberdade política, quer pela econômica, que afiança os recursos para existência do país e seus dirigentes, quer pelo psicossocial, que dá a segurança espiritual, o sentimento de autonomia, pelo credo ideológico que a sociedade está imersa.

Porém, em todas estas condições não existe a Nação Soberana, mas o Estado Servil (apud José Walter Bautista Vidal).

O que ocorreu em 24 de outubro de 1930 foi a Revolução Brasileira. Políticos, militares, intelectuais, profissionais liberais, operários, estudantes, homens e mulheres em todo País se revoltaram com a submissão do Brasil a interesses estrangeiros, com a estagnação econômica, tecnológica, com a falta de autonomia decisória dos dirigentes e se levantaram com armas e coragem para constituir o novo País: a Nação Soberana.

Em 3 de novembro do mesmo ano, Getúlio Dornelles Vargas assume interinamente a presidência do País.

Duas decisões demonstram a vontade e a capacidade soberana: a criação, em 14 de novembro de 1930, do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública e, em 26 de novembro de 1930, do Ministério do Trabalho, Indústria e do Comércio.

Pela primeira vez, o trabalho ganha a proteção do Estado. É o fim da escravidão.

O trabalho passa a ter a garantia legal, o que se concretiza, em 1º de maio de 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), iniciativa de brasileiros humanistas e progressistas e da organização dos trabalhadores, que o Ministério impulsionava e abonava.

Muitos anos depois, no período denominado da redemocratização, sindicalistas brasileiros, fazendo coro a “intelectuais uspianos” que combatiam o Estado Nacional, dirão que a CLT era o Ato Institucional (Instrumento dos Dirigentes nos Governos Militares, 1964-1985) dos trabalhadores.

Ou demonstravam ignorância ou má-fé, como muito em breve, com o “mercado” assumindo o governo brasileiro, todos constatariam.

A legislação previdenciária embora mais antiga, beneficiando os funcionários dos correios, da imprensa nacional, das estradas de ferro, da marinha, da casa da moeda e da alfândega, teve, em 1923, a Lei Eloy Chaves criando o sistema das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP), com extensão a várias categorias profissionais até 1934.

Com a nova Constituição, as CAPs foram substituídas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), com o custeio tríplice, dividido entre o empregador, o empregado e a União.

Entre 19 de abril de 1890 e 30 de outubro de 1891, para atender ao positivista, republicano e militar Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o governo do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca (15 de novembro de 1889 a 23 de novembro de 1891) criou o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Fora a primeira vez, e por muito breve período, dezoito meses, que o Estado Brasileiro assumia a gestão da educação.

Educação, saúde e trabalho significam parte importante da cidadania. A cidadania é dever do Estado, para que possa ser universal e independer da condição do habitante do País.

Em todos os países que prezam o valor da vida e a condição de existência profícua de seus filhos, as questões da cidadania – trabalho, saúde, educação, habitação e mobilidade urbana – são responsabilidade do Estado Nacional. O “mercado”, quando atua, é de modo complementar, subordinado às diretrizes do Estado.

No início deste artigo, afirmamos que planejamento, execução e avaliação estão presentes em toda ação administrativa. O Estado sempre assumirá o planejamento e a avaliação das ações da cidadania, e de maneira a não se deixar conduzir pelas questões do lucro financeiro. O lucro é o bem estar da população; não existe maior para o País.

A cidadania é garantia do amanhã, da segurança do presente e no futuro, da pessoa e seus haveres.

Um povo sem cidadania é sujeito aos mais extremos comportamentos, à intranquilidade e incerteza que transforma irmãos em inimigos.

Por isso, para encobrir as falácias do “mercado”, da ideologia neoliberal, que se elogia a competitividade, mesmo sabendo pela teoria administrativa que a solidariedade produz maiores e mais duradouros resultados.

Outro “papa” neoliberal, além de Mises, é Friedrich A. Hayek (O Caminho da Servidão, tradução de “The Road to Serfdom” por Leonel Vallandro, para o Instituto Liberal, RJ, 1984) que confunde código ético com estrutura administrativa.

Lê-se nesse livro:

“que se deve permitir ao indivíduo, dentro de certos limites, seguir seus próprios valores e preferências em vez dos de outrem; e que, neste contexto, o sistema de objetivos do indivíduo deve ser soberano, não estando sujeito aos ditames alheios. É esse reconhecimento do indivíduo como juiz supremo dos próprios objetivos, é a convicção de que suas ideias deveriam governar-lhe tanto quanto possível a conduta, que constitui a essência da visão individualista”.

Excluídas as imprecisões conceituais, que surpreendem num doutor em direito e em ciências políticas, professor na Universidade de Chicago e na Escola de Economia de Londres, o que propõe Hayek é a guerra permanentemente entre os indivíduos.

A liberdade absoluta dos autoproclamados liberais é uma patologia.

Nenhum homem pode agir em desacordo com a sociedade. O convívio é próprio da natureza gregária, da união indispensável para superar problemas causados pelas condições geológicas e geográficas que modificam a própria vida.

Também a ausência de planejamento, do caminho a trilhar, é um convite à corrupção, ao suborno, à chantagem que atinge seus pontos mais elevados no Brasil sob os governos do “mercado”.

O brasileiro Alberto Guerreiro Ramos foi dos mais profundos analistas da organização e da administração da sociedade humana.

Observou as características que davam respostas diversas a problemas que, apenas aparentemente, eram idênticos, pois variavam conforme as condições físicas e culturais onde surgiam.

Sua obra constitui sólido referencial para análise do Estado Nacional Brasileiro (ver: A Redução Sociológica, 1958; Mito e Verdade da Revolução Brasileira, 1963; Administração e Contexto Brasileiro, 1966; e A Nova Ciência das Organizações, 1981). Dela destacamos:

a) o desejo de poder inspirou estruturas organizacionais. Por conseguinte, não existe um modelo universal e geral, existem modelos mais adequados para determinados poderes.

O “mercado” exige um sistema frouxo de controle e mutável de avaliação, pois não tem compromisso com a situação das pessoas, apenas com o lucro financeiro dos seus dirigentes, muitas vezes residentes fora dos limites do Estado Nacional. Também tem planejamento pouco eficiente, pois os objetivos explícitos não correspondem aos interesses do poder;

b) a isonomia é um conceito que se impõe nas organizações. Já era descrito por Aristóteles (“A Política”, Livro I). Esta prática associativista permite a constante atualização, a mais ampla participação nos processos decisórios, aumentando a sua adequação à realidade, reduzindo o tempo de implementação e produzindo a autogratificação entre os envolvidos;

c) a dimensão das estruturas diz mais respeito à intensidade das relações diretas do que ao porte, limites máximos e mínimos de participantes. Daí o corolário da intensidade em função dos objetivos, os empreendimentos corporativos, as propriedades coletivas, os recursos utilizados;

d) por fim a questão da cognição. Os modelos sistêmicos exigem grande diversidade de tecnologias integradas, sendo a compreensão abrangente uma imposição de eficácia.

Porém as pessoas têm percepções conforme seus desenvolvimentos, formações, e não se devem promover exclusões pelas diferenças.

Assim fortalece a habilidade administrativa para colocar estas integrações de diversos universos cognitivos numa possibilidade efetiva, onde os aspectos psicológicos ganham especial relevância.

Ou seja, o super-homem neoliberal é um coletivo integrado de ações solidárias e não competitivas!

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.