Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Censura irritou grevistas

Quarta, 23 de maio de 2012 
Por Ivan de Carvalho
A manhã de ontem na área externa da Assembléia Legislativa – principalmente no amplo pátio destinado a estacionamento de veículos e áreas adjacentes – foi agitada. Centenas de professores e professoras da rede estadual de ensino há muito tempo em greve sem solução sublevaram-se contra uma “censura” imposta pela direção do PC do B ao principal líder do movimento grevista, Rui Falcão, que não por mera coincidência é filiado a esse partido.

            Vamos por as coisas em seu contexto. O PC do B, que talvez por mera coincidência esteja disposto ou decidido a apresentar candidata a prefeita de Salvador, a deputada federal Alice Portugal, controla as entidades que conduzem o movimento grevista dos professores estaduais dos cursos fundamental e médio.

           O movimento vem se prolongando de modo surpreendente e deixando muito irritado o governo do Estado e, pode-se supor, o governador Jaques Wagner. Afinal, o magistério “exige” que o governo cumpra um alegado acordo pelo qual daria um aumento de 22,22 por cento (eu nunca entendo porque nesses percentuais elas, as partes em litígio, vão até os centésimos, ostentando um detalhismo que me parece inexplicável, mas que para elas deve parecer essencial).

            O governo já disse que não pode cumprir e as coisas estavam no seguinte estágio: cumpra; não cumpro porque não posso; pode sim, acordo é pra ser cumprido e enquanto não for não daremos aulas; enquanto não derem aulas não negociamos e vamos descontar dos salários os dias não trabalhados; vamos negociar e depois, a depender do resultado, voltaremos às salas de aula; nem pensar, primeiro voltem às salas, façamos um plano para recuperação do ano letivo, então pagaremos os dias parados e retomaremos as negociações.

            Esse cri-cri interminável estava estragando o sono das pessoas nas área altas do bairro de Ondina, enquanto as oposições voltavam a dar-se ao luxo de sonhar, o magistério julgava-se com “a força” e o candidato do PT a prefeito, Nelson Pelegrino, fazia piruetas em um admirável esforço verbal e de bastidores visando à redução de danos à sua candidatura.

            Então, como a sinalizar forte impaciência do governo com o PC do B, ao qual o governo parece atribuir – além da candidatura de Alice Portugal – a responsabilidade pela greve dos professores estaduais (quem seriam os responsáveis, então, pela greve dos rodoviários, que a partir de hoje param os ônibus e, com eles, em grande medida, a capital), falou o secretário da Secretaria Estadual para Assuntos da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014, vulgo Secopa, Ney Campello.

            Campello, indicado para a Secopa pelo PC do B, do qual é um quadro de destaque na Bahia, deu o alerta: a hora é de voltar às salas de aula e ao diálogo. Dito por um secretário que representa o PC do B no governo, o alerta era significativo. Tanto que logo seguiu-se outro, mais explícito e com pontaria mais seletiva, disparado pelo presidente estadual do PC do B, deputado federal Daniel Almeida, que, mera coincidência, vinha tranquilamente articulando sua escolha para a coordenação da bancada federal baiana e tomou um susto com restrições políticas surgidas de repente e notícias sobre elas.

Por intermédio de Daniel Almeida, a direção do PC do B anunciou uma “censura” contra o correligionário Rui Falcão (não é o presidente nacional do PT, que se preocupa muito mais em controle da imprensa do que em conduzir o magistério), por ter dado à greve dos professores um “caráter político agressivo, não reivindicatório”. O resultado da “censura” foi a ira dos mestres e mestras, que na assembleia da manhã de ontem decidiram por aclamação continuar a greve e marcar nova assembleia para daí a uma semana.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.