Sábado, 11 maio de 2013
Por Mauro Santayana
(JB)-Em
1973, quando o muro de Berlim ainda dividia o mundo em dois blocos
econômicos e políticos, o então presidente do Banco Mundial, Robert
McNamara, disse que todas as nações deviam esforçar-se para acabar com a
pobreza absoluta – que só existia nos países subdesenvolvidos – antes
do novo milênio. Naquele momento os países ocidentais ainda davam alguma
importância à política de bem-estar social, não só como um alento à
esperança de paz dos povos, mas também como uma espécie de dique de
contenção contra o avanço do socialismo nos países do Terceiro Mundo. A
Guerra do Vietnã com seu resultado desastroso para os Estados Unidos,
levou Washington a simular sua boa vontade para com os povos pobres. Daí
o pronunciamento de McNamara.
O novo milênio não trouxe o
fim da miséria absoluta, embora tivesse havido sensível redução - mais
em conseqüência do desenvolvimento tecnológico - com o aumento da
produtividade de alimentos e bens de consumo primário, do que pela
vontade política dos governos.
Na passagem do século, marcada
pelo desabamento das Torres Gêmeas, o FMI, o Banco Mundial – e a
própria ONU - reduziram suas expectativas, prevendo, para 2015, a
redução da pobreza absoluta à metade dos índices registrados em 1990.
Em termos gerais, essa meta foi atingida cinco anos antes, em 2010. A
extrema pobreza, que atingia 41.7% da população mundial em 90, caiu para
22% em 2008 – graças à fantástica contribuição da China e da Índia,
conforme adverte Francine Mestrum, socióloga belga, em recente estudo
sobre o tema.
Por outro lado, o número
absoluto de pobres na África Negra dobrou no mesmo período. A China que,
pelo número dos beneficiados, puxou o trem contra a desigualdade, já
chegou a um ponto de saturação. Com o seu crescimento reduzido, como se
espera, a China levará muitos decênios para baixar o número de seus
pobres absolutos à metade.
Considera-se alguém
absolutamente pobre quando tem a renda per-capita inferior a US$ 1,25
centavos por dia: mais ou menos R$ 2,50, ou seja, 75 reais ao mês. Esse
critério é, no mínimo, cínico. É possível viver com esse dinheiro? Há
quem possa: os trabalhadores das multinacionais nas tecelagens e
confecções de Bangladesh e de outros países da Ásia do Sul não chegam a
ganhar cinco reais ao dia.
O governo de Bangladesh, em seu
portal, declara ser o país “de portas abertas“ (open-door), com todas as
garantias e vantagens legais aos investidores, principalmente nas zonas
especiais de produção para a exportação (Export Processing Zones). Em
Bangladesh a privatização de empresas públicas chegou à perfeição, e a
miséria dos trabalhadores, também – conforme a meta do neoliberalismo.
A insuspeita Fundação Gates
divulgou interessante estudo sobre o controle dos preços dos alimentos
pelos bancos, por intermédio dos fundos especulativos (hedge). Da mesma
forma que os bancos atuam no mercado derivativo com as primes do mercado
imobiliário, fazem-no com os estoques de alimentos, o que aumenta
espantosamente os preços da comida, sem que os produtores se beneficiem.
Um exemplo, citado pelo estudo, que tem o título sugestivo de “People
die from hunger while banks make a killing on food” – as pessoas morrem
de fome, enquanto os bancos se enriquecem de repente, especulando com os
alimentos.
Como exemplo, o estudo cita o Fundo
Armajaro, da Grã Bretanha, que comprou 240.000 toneladas de cacau (7% da
produção mundial) e as reteve, até que obter o maior preço da
mercadoria nos últimos 33 anos.
“Os preços do trigo, do milho e do
arroz têm subido significativamente, mas isso nada tem a ver com os
níveis de estoque ou das colheitas, mas, sim, com os traders, que
controlam as informações e especulam no mercado” – conforme Olivier de
Schutter, relator das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação.
Os neoliberais sempre usam o
argumento canalha de que o único caminho rumo ao enriquecimento geral e à
igualdade é a do mercado sem nenhum controle do Estado, dentro da
fórmula de Mme. Thatcher: o pobre que quiser viver melhor, que se vire.
A Sra. Francine Mestrum, em seu estudo, contradiz a falácia:
“Em primeiro lugar, a transferência
direta de recursos, que Lula iniciou no Brasil, provou ser efetiva ajuda
direta aos extremamente pobres para ir adiante, em busca de empregos;
ou para criar seu próprio emprego; para melhorar os padrões de saúde e
reduzir o trabalho infantil. Este é o principal argumento para o
desenvolvimento desses sistemas, e o próprio Banco Mundial os endossa”.
Como sabemos, são vários os países em desenvolvimento que adotaram
iniciativas semelhantes.
Enquanto a Alemanha obriga os países
europeus a cortar até o osso seus orçamentos sociais - deixando como
saldo o aumento espantoso do número de suicídios ou das pessoas mortas
por falta da assistência médica do Estado e, a cada dia mais
trabalhadores obrigados a buscar, na lata de lixo, o que comer - os
bancos continuam acumulando, e de forma criminosa, dinheiro e poder como
nunca.
O HSBC mundial, que ganhou do governo
FHC o Banco Bamerindus, e que tem no Brasil o seu terceiro mercado mais
lucrativo do mundo, teve que pagar quase dois bilhões de dólares de
multa, em acordo feito com o governo norte-americano, por ter,
comprovadamente, lavado dinheiro do tráfico de drogas. Como se sabe,
mesmo depois de ter pedido desculpas públicas pelo crime, o HSBC foi
acusado, em março deste ano, de lavagem de dinheiro, evasão fiscal e
remessa ilegal de recursos ao Exterior pelas autoridades do governo
argentino.
Enquanto menos de um por cento dos
seres humanos controlarem, mediante sua riqueza, toda a população do
mundo, a igualdade irá sendo empurrada cada vez mais para o futuro, e
serão considerados nutridos os que ganharem cinco reais ao dia.
Só há uma saída para o impasse: a
mobilização política dos cidadãos de cada país do mundo, em uma
organização partidária e ideológica nítida em seus princípios e
objetivos e em sua ação coerente, a fim de colocar coleiras nos
banqueiros. E será sempre salutar ver um banqueiro na cadeia, como está
ocorrendo, menos do que é necessário, nos Estados Unidos.