Terça, 25 de outubro de 2011
Por
Ivan de Carvalho

A vitória foi obtida pelas
multidões desorganizadas ou no máximo organizadas por meio de redes sociais da
Internet somadas a grupos melhor organizados, embora muito menos numerosos. O
golpe de misericórdia, sem o qual talvez o resultado não fosse aquele a que se
chegou, mas uma difícil e cruel vitória da ditadura liderada por Gaddafi, foi
dado pelas operações da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan.
Essas operações, como se recorda, foram iniciadas
por dois dias de intensos bombardeios americanos com uso de alta tecnologia,
após o que os EUA se retraíram, por cautelas políticas e a França e Inglaterra
passaram à linha de frente, na qual se mantiveram até a derrota final do
regime.
Uma derrota tão completa que a Otan já deve nos
próximos dias encerrar suas atividades no país, não o tendo feito ainda sob o
argumento que ainda é necessário alguma vigilância para que se respeitem os
direitos humanos – o que não é despropositado.
A grande questão, no entanto, é que ninguém sabe
para onde vai a Líbia. A intenção atual é a Assembléia Nacional Constituinte
produzir um Estado democrático e uma sociedade livre, mas a Líbia nunca teve
antes um estado democrático e a sociedade local jamais conheceu a liberdade. A
tradição, nessas duas vertentes, está absolutamente ausente. A Líbia é um
ajuntamento de grupos e tribos e há um grande temor de que, em não muito tempo,
eles estejam se engalfinhando pelo poder, pelo controle do país. Um possível,
mas vago indício do futuro: 97 por cento da população Líbia é muçulmana sunita
(como, aliás, Gaddafi também era).
A bola da vez no mundo árabe, se não for o Iemen,
onde as coisas parecem estar sendo encaminhadas mediante um complexo acordo que
inclui a abdicação do rei, será – ou já é – a Síria. O fim de Gaddafi e seu
regime vai deslocar (já está ostensivamente deslocando) o foco para a Síria, há
quatro décadas dominada pela ditadura hereditária alauíta de Hafez al-Assad e
seu sucessor e filho Bashar a-Assad. Os muçulmanos alauítas representam cerca
de 10 por cento da população Síria. Os cristãos, outros dez por cento e outro
tanto é de muçulmanos xiitas. O restante, cerca de 70 por cento, é de
muçulmanos sunitas.
Internacionalmente – política e diplomaticamente
– a Síria está cada vez mais isolada, embora ainda receba proteção relevante da
Rússia e da China. Mas esses dois países estão ficando cada vez mais discretos
e cautelosos nessa proteção à medida que a violência da repressão às
manifestações contra o governo, que espantosamente não cessam ante o aparelho
repressivo posto em movimento, vai ganhando amplitude. Como o Egito, a Síria é
fundamental – também tem fronteiras com Israel e, pior que o Egito, não tem,
como o país do Nilo, um tratado de paz com o Estado judeu, mas uma política
belicista.
Em tempo: os Estados Unidos chamaram seu
embaixador, que estava há semanas recebendo ameaças de morte na Síria. O
governo sírio, claro, reagiu, chamando a Damasco, ontem, o seu embaixador.
Tensões que só aumentam.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.