Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Herança maldita

Quarta, 26 de outubro de 2011 
Por Ivan de Carvalho
O Senado Federal rejeitou ontem, por 43 votos a nove, um substitutivo apresentado pelo senador e ex-presidente da República, Fernando Collor, que abriria a possibilidade de manter eternamente em sigilo documentos oficiais, quando isso fosse considerado “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Em outros casos, o sigilo não poderia ser definitivo.

            O Executivo enviara ao Congresso um projeto de lei em que regulava o sigilo de seus documentos, dispondo que poderia ser estabelecido pelo período de 25 anos, período que poderia ser prorrogado sucessiva e indefinidamente, com o que se poderia chegar ao “sigilo eterno”. A Câmara dos Deputados derrubou a proposta, estabelecendo a possibilidade de sigilo por 25 anos, prorrogáveis por igual período, mas somente uma vez. Assim, o período máximo de sigilo seria de 50 anos.

            O substitutivo de Collor mantinha a fórmula aprovada na Câmara, dos 25 anos prorrogáveis por mais 25 apenas uma vez, mas abria exceção quando o estiramento indefinido do sigilo fosse considerado “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Mas considerado por quem? Seria a sociedade como um todo a decidir isso em um plebiscito ou, gracinha, uma pessoa ou um grupinho na cúpula do governo? Quando é que um documento oficial da Presidência da República ou do Estado Maior das Forças Armadas, certificando a presença freqüente ou permanente de discos voadores alienígenas na Terra, deixaria de ter sigilo considerado “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”?

            O Senado brasileiro, segundo já ficou acertado, vai restabelecer o texto já aprovado na Câmara, com sigilo de 25 anos prorrogável por mais 25 apenas uma vez, o que não é pouco, mesmo deixando descontentes o Executivo e o senador e ex-presidente Collor.

Enquanto essa pequena vitória da transparência e da liberdade acontece no Brasil, no primeiro mundo o governo americano e grandes empresas financeiras conseguem sufocar financeiramente, para levá-lo à extinção, o site WikiLeaks, especializado em divulgar documentos que seus possuidores e outros interessados desejam manter sob sigilo, mas que são de interesse público.

A pedido do governo dos Estados Unidos, extremamente incomodado com a divulgação de milhares de documentos seus, reservados ou secretos, grande número da área diplomática – e sem dispor de instrumentos jurídicos para impedir a continuidade das publicações – várias grandes empresas partiram para asfixiar financeiramente o site WikiLeaks, criado por Julian Assange. Os principais algozes têm sido – desde dezembro de 2010 – o Bank of América, o Visa, o Master Card, o Pay-Pal e a Western Union. Por esses meios, o Wikileaks, que se mantinha exclusivamente com doações de pessoas físicas e empresas, arrecadava cerca de US$ 100 mil por mês. Com o bloqueio – as empresas citadas se recusam a fazer transferências financeiras para o WikiLeaks – a receita caiu em 95 por cento. O site decidiu interromper suas publicações (com o que reduz custos) e se concentrar em arrecadar doações pelo correio (por meio de cheques, por exemplo) e outros meios que forem possíveis. Se isso falhar, o site informa que fecha no fim do ano.

A liberdade e a transparência ganham uma pequena batalha no Congresso brasileiro, mas estão a ponto de perder uma grande batalha, de âmbito global, para o complexo financeiro-estatal, o novo monstro que a humanidade vê crescer há décadas, mas que se consolidou a partir da última década do milênio anterior. A herança maldita que o velho deixou para o novo milênio.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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