Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A mudança na Líbia

Sexta, 21 de outubro de 2011
 Por Ivan de Carvalho
O líder Líbio Muammar Gaddafi, ferido e aprisionado pelos rebeldes, morreu, segundo confirmação do primeiro-ministro do governo de fato (reconhecido por muitas dezenas de países) da Líbia. O noticiário, no começo da noite de ontem, dizia que ele foi posto ainda vivo em um veículo que o levaria a um hospital. Ele teria se entregado sem resistência, mas seguidores seus e os inimigos que fazem a revolução iniciaram um tiroteio imediatamente.

Talvez em algum dia distante, talvez muito em breve fique claro se o mataram após o ferirem e prenderem, se o deixaram morrer como polícias brasileiras o fazem com muitas pessoas feridas em longos passeios a caminho de um hospital – passeios a que não conseguem resistir, no jargão policial-jornalístico – ou se realmente tentaram evitar que os ferimentos provocassem sua morte e fracassaram. A versão de que, ferido na cabeça, não resistiu e morreu a caminho do hospital era até ontem a oficial.

Mas vamos combinar. A maldade humana, especialmente quando há situações de guerra ou revolução – e as duas estavam presentes na Líbia – costuma predominar sobre outros sentimentos e produzir comportamentos correspondentes. Acrescentem-se a isto razões políticas. Não interessava ao movimento rebelde manter vivo Muammar Gaddafi, o “líder amado” do povo líbio durante décadas, embora não ocupasse oficialmente qualquer cargo no seu país.

Os americanos, quando alcançaram e mataram Osama bin Laden, apressaram-se em anunciar que o sepultaram, respeitando os ritos islâmicos, em algum lugar do Mar da Arábia – sua pátria de origem era a Arábia Saudita. Para isso deram uma explicação lógica: não queriam que houvesse um túmulo de Osama bin Laden que viesse a se tornar um ponto de peregrinação de seguidores e admiradores.

      Não se pretende, pelo que ontem se anunciou, entregar o corpo de Muammar Gaddafi ao cuidados de Netuno. A idéia é menos radical, pretendem sepultá-lo em um local secreto. Não é exatamente a mesma coisa. Isso permitirá aos mais entusiastas admiradores do líder de uma das mais longevas ditaduras contemporâneas (algumas das quais caíram, estão caindo ou se enfileiram para cair em não muito tempo) organizarem expedições de busca e essas coisas. Talvez o “local secreto” do túmulo nunca venha a ser conhecido, talvez seja descoberto, até sem muita demora.
 
      A grande questão, no entanto, não é o destino do corpo sem vida de Gaddafi, mas como vão se entender e conviver as diversas tendências e forças envolvidas na extinção de seu regime. Há um discurso mais ou menos generalizado de que a Líbia caminha para a liberdade e a democracia e este pode ser, realmente, o propósito da maioria dos jovens que foram às ruas protestar contra o regime e, ante a reação violenta do “líder”, transformaram-se em rebeldes armados, aos quais logo se juntaram outros, mais armados e não tão jovens e desorganizados.

            O tempo – pouco tempo – deverá ser suficiente para dividir os rebeldes vitoriosos em tendências, facções em luta política e muito provavelmente armada pelo poder. Se este cenário, principalmente em suas características mais fortes de facções armadas em disputa, se concretizar, a Líbia não rumará para a liberdade e a democracia, duas coisas nas quais não tem nenhuma tradição. Um regime ditatorial pode substituir outro, como já aconteceu em países como o Irã (muçulmano não-árabe) e pode acontecer em alguns países que estão envolvidos com a chamada Primavera Árabe.

            Rezar para que não aconteça é uma coisa que se pode fazer. De outras coisas, duvido muito.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.