Quinta, 27 de outubro de 2011
A bola caiu, ou melhor: a ficha caiu
Por Chico Sant’Anna, publicado originalmente na revista Brasília 247
A receita da Copa de 2014 não cobrirá os investimentos federais. Para repor apenas os gastos da construção do novo Mané Garrincha, ingressos de cada um dos sete jogos teriam que custar R$ 2 mil. Para as despesas das 12 subsedes, os turistas estrangeiros precisariam permanecer no Brasil mais de cinco meses.
O anúncio pela FIFA da tabela dos jogos da Copa do Mudo de 2014
materializou, de certa forma, o que vai representar o evento em terras
brasileiras, principalmente nas doze cidades sedes. Esta materialização
provoca no cidadão comum uma inquietude: o Brasil está investindo tanto
dinheiro assim, só pra isso? Perguntam muitos.
De fato, esta é uma conta que deve ser feita pelo contribuinte.
Quanto vai custar cada jogo? Considerando apenas os investimentos
federais nas grandes obras, serão R$23,5 bilhões. Note-se que haverá
grandes inversões por parte de prefeituras municipais, muitas que nem
receberão jogos, mas que querem atrair as equipes como sede da
concentração ou simplesmente seduzir os turistas. Despesas de
urbanização, sinalização, dentre outras.
Mas pegando apenas a fatia da viúva e dividindo-a pelos 64 jogos
previstos, temos que cada jogo vai custar ao Brasil R$ 367 milhões. Isso
mesmo!
Fica evidente que o evento não cobrirá os investimentos realizados
pelo Brasil, mesmo porque, grande parte das receitas com ingressos,
publicidades, direitos de transmissão não se destinarão ao país ou aos
Estados anfitriões. Nem mesmo na forma de impostos, pois como se sabe, o
Brasil está concedendo regalias à troupe da FIFA em melhores condições
do que é feito a diplomatas de outras nações. Nem empresas estrangeiras
que vem pra ficar definitivamente no país conseguem tantas benesses.
Esta conta poderia ser feita por outro olhar: o da entrada de
turistas estrangeiros. A FIFA estima em 600 mil o volume de aficionados
pela bola que virão de fora ao Brasil. Se pegarmos os mesmos R$23,5
bilhões e dividirmos por esta tropa, teríamos que cada estrangeiro
precisaria deixar no Brasil durante os jogos algo em torno de R$
39.166,00. Como o nosso ministério do Turismo aponta que o gasto médio
diário dos gringos por aqui é de apenas R$ 240,00 (cotando o dólar a R$
2,00) eles teriam que ficar 166 dias no país para apenas repor os
investimentos.
Muita gente dirá que forço a barra nos cálculos e que não considero
os benefícios permanentes para o país. De fato! Não estou considerando
muito estes tais benefícios permanentes, pois tenho dúvidas se eles se
concretizarão. As obras de mobilidade, como o Trem Bala Rio-São Paulo, o
VLT de Brasília, o monotrilho do aeroporto de Congonhas, só para citar
alguns, não ficarão prontas a tempo dos jogos nem é certo que elas
venham a ser efetivamente executadas em sua totalidade. Os aeroportos
parecem ter optado pela famosa técnica do puxadinho.
O que é certo mesmo é que teremos uma imensidão de novos estádios de
futebol, alguns de tamanho monstruoso que estão fadados a se
transformarem em elefantes brancos. São os casos dos de Brasília e de
Manaus. Não há futebol nesta localidade para demandar estruturas capazes
de abrigar 72 mil espectadores, como o de Brasília. Curioso é que antes
de tomar posse, o governador do DF chegou a afirmar que caso não
houvesse segurança para que Brasília abrisse os jogos, o estádio deveria
ser reduzido para 42 mil lugares. Agnelo Queiroz deve ter sido
acometido de algum problema de amnésia.
Mas ele deveria saber que na África do Sul, já se cogitam em demolir
uns dois ou três estádios e vender o espaço para a indústria
imobiliária, pois resulta em mais economicidade ao erário do que
mantê-los vazios.
Além de montar estruturas gigantescas, não há uma previsão de
utilização futura de grandes eventos desportivos. A Copa América a ser
realizada após 2014 deve acontecer no Brasil, mas não nos estádios das
12 subsedes da Copa do Mundo. No lugar de aproveitar ainda mais a
estrutura implantada, vão criar outras, levando para Goiânia e outras
cidades não contempladas com a Copa do Mundo. É jogar dinheiro fora em
nome do proselitismo político.
Brasília – capital do desperdício
O curioso é que mesmo com o anúncio do roteiro da Copa – que
abandonou a idéia de regionalizar os jogos o que poderia forçar uma
maior permanência dos turistas em cada subsede e até reduzir as pressões
sobre os aeroportos – a fleuma de nossos governantes não mudou. Durante
meses gastaram rios de dinheiro em viagens e em propaganda para plantar
no imaginário popular um sonho que todos já sabiam não se concretizar.
Diante de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, só mesmo a
ingenuidade do cidadão comum (e a esperteza daqueles que desejam
explorar esta ingenuidade) poderia pensar que Brasília abriria a Copa de
2014. Não que eu não desejasse que os jogos projetassem mundialmente
nossa Capital, mas me rendo à realidade do peso econômico, à tradição
futebolística e ao potencial turístico das demais cidades, em especial
do Rio de Janeiro.
Ergueu-se um mastodonte de 72 mil lugares a valores que vão chegar a
R$ 1 bilhão. Em nome desta loucura, afrontam-se o patrimônio histórico
que é Brasília, com o objetivo de, atendendo aos interesses dos
especuladores imobiliários, permitir a construção de edifícios de 15
andares onde o projeto de Lúcio Costa só autoriza pequenos hotéis de
dois ou três pavimentos. Mais: um espaço verde inteiro, a quadra 901
Norte, que poderia ser um espaço de confraternização e convivência dos
brasilienses, corre o risco de virar um maciço de concreto.
Em nome do que acontece tudo isso?
A desculpa são os sete jogos do torneio mundial. Entretanto, eles
precisariam render, cada um, R$ 143 milhões de reais apenas para pagar o
dinheiro enterrado pela Terracap, GDF e BNDES. Voltando a nossa
calculadora, cada ingresso teria que valer R$ 2 mil apenas para pagar o
investimento do estádio. Será que a FIFA, a quem cabe definir o preço
dos bilhetes vai chegar a um absurdo desta monta? Mesmo que chegue, o
grosso da receita será dela, não do GDF.
Enquanto isso, nossos hospitais padecem, nossas escolas são
interditadas pelo Ministério Público, nosso transporte coletivo ainda
está entregue a uma máfia e nossa insegurança pública é total.
novo estádio enterra também a memória de Brasília. No meio desta
enxurrada de dinheiro, o “Mané Garrincha” vai desaparecer. No lugar
dele, surge o “Estádio Nacional de Brasília”. Garrincha, que jogou por
estas bandas no saudoso Ceub, desaparecerá sem deixar vestígios. Dizem
que a mudança de nome se deve ao medo da FIFA ter que pagar algum
direito autoral aos herdeiros do craque das pernas tortas. Pode até ser,
mas no lugar de ocultar a memória dos astros do nosso futebol, deveria
ocorrer sim é uma homenagem a ele.
Autonomia e soberania
Todas estas linhas acima são para introduzir um novo questionamento.
Vale à pena gastar tanto dinheiro, ter sua soberania nacional
vilipendiada por uma organização privada, que visa lucro e que está nas
manchetes de escândalos em toda a parte do mundo. A Colômbia no passado
refletiu e abdicou de ser sede em nome de uma gestão mais correta dos
recursos públicos.
A FIFA se gaba por afirmar que possui mais associados do que a ONU.
Talvez por isso mesmo se sinta no direito de entrar num país, mudar suas
regras internas – inclusive aquelas que visam à segurança e à saúde
públicas, como a venda de bebidas alcoólicas nos estádios – põe abaixo
uma política de inclusão social de idosos e de jovens e sequer pagar um
centavo de impostos.
Quando a Copa acabar, os jatinhos da FIFA vão decolar superlotados de
dólares e euros. O Brasil ficará com uma dívida, que segundo
economistas seria semelhante a grega após as Olimpíadas de Atenas e que,
ainda segundo estas vozes, seria uma das causas da falência que o país
enfrenta no momento.
Esta soberba fifaniana ainda coloca a presidente da nação brasileira
negociando com profissionais do segundo escalão da Federação
Internacional de Futebol. Está na hora de dar um basta. Um chega-pra-lá.
Está nas mãos do Congresso Nacional esta oportunidade.
Um país que deseja ser integrante do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, ser um player-internacional, tem que se autovalorizar. Tem que
zelar pelo seu marco jurídico pré-existente, tem que zelar pela a
autonomia nacional, tem que saber valorizar a soberania nacional. Caso
contrário, seremos sempre a república das bananas.