Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 29 de outubro de 2011

O ministro e a xenofobia

Sábado, 29 de outubro de 2011
 Por Ivan de Carvalho
O deputado Aldo Rebelo, escolhido para representar o PC do B no cargo de ministro do Esporte, em substituição a Orlando Silva é considerado um político sério e, dizem, competente.

            A favor de sua competência há o fato de haver conseguido, além de ser eleito deputado federal (o que não é para nenhum bobo), ser presidente da Câmara dos Deputados, onde – excetuado Severino Cavalcanti, João Paulo Cunha e alguns outros poucos como eles – só chega quem tem farinha no saco, começando por considerável capacidade de articulação.

            A reputação de competência política foi ligeiramente atingida nos últimos meses pelo fracasso de Rebelo em alcançar alguns objetivos, o mais recente dos quais, o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União, que acabou perdendo para a deputada Ana Arraes, mãe do governador de Pernambuco. Mas sumir quando começaram a especular nomes que poderiam substituir o exorcizado, perdão, exonerado Orlando Silva, foi sinal inequívoco de competência.

            Até o momento o conceito social do comunista Aldo Rebelo é o de um homem sério. Sua história política não desmente isto. Recentemente, como relator do projeto do Código Florestal, sofreu de muitos, especialmente dos ambientalistas, enérgicas críticas, mas de outros, especialmente dos ruralistas, enfáticos elogios. Empate lógico ante o caráter polêmico do tema e as posições inconciliáveis dos dois lobbies.

            No entanto, parece que a principal característica do ministro Aldo Rebelo, que toma posse hoje, é a criatividade. O que é animador se vai ele cuidar do esporte, no qual o atleta criativo costuma se dar bem, desde que não exagere ao ponto de fazer gol contra de borboleta.

A criatividade de Aldo Rebelo é reconhecida por todos. Tramita no Senado, já aprovado na Câmara, um projeto de lei de sua autoria que pretende promover, proteger e defender a língua portuguesa. Uma das regras é que todos os documentos oficiais do Brasil serão escritos em português. Se mandarem algum deles para o governo do Nepal, talvez não haja ninguém lá capaz de traduzi-lo – mas o idioma português estará protegido, de qualquer forma.

A proposta combate o uso excessivo de expressões em língua estrangeira. Pretende que toda comunicação dirigida ao público (mesmo por particulares), caso use palavra ou expressão em língua estrangeira, acrescente a tradução. Se um jornal escrever, sobre esse movimento em curso nos Estados Unidos, “Ocupar Wall Street”, deverá explicar que isso é o mesmo que “Ocupar a Rua do Muro”. E se alguma loja anunciar um computador com “Windows 7 instalado”, deverá explicar que o PC (computador pessoal) tem o “Janelas 7 instalado”. A regra vale para relações comerciais, peças publicitárias, meios de comunicação de massa e informações afixadas em estabelecimentos comerciais.

Outro projeto de Aldo Rebelo, que foi arquivado, mas precisa ser ressuscitado por algum deputado. Condena a comemoração do Halloween (Dia das Bruxas), instituindo em troca, oficialmente e na mesma data, 31 de outubro, o Dia do Saci Pererê. Esse símbolo do folclore, o Saci, explica Aldo no projeto, é uma “força da resistência cultural à invasão dos x-men, dos pokemons, os raloins e os jogos de guerra”. O texto do projeto diz que a lei “apoiará” iniciativas de entidades públicas que contribuam para a “celebração do folclore brasileiro, através do Saci e de seus amigos (Iara, Curupira, Boitatá e outros)”.

Outros? Claro. O Caipora, a Mula-Sem-Cabeça, Matinta Pereira, a Cuca do Sítio do Pica-pau Amarelo, o Negrinho do Pastoreio (talvez rebatizado de Pequenino Afrodescendente do Pastoreio), Beto Carneiro, o Vampiro Brasileiro. Mas os internacionais e os clássicos estão excluídos: Drácula, os outros vampiros, o lobisomen, os zumbis, o Chupa-cabras, o Abominável Homem das Neves, as Górgonas lideradas pela terrível Medusa, os centauros, as sereias, os tritões, o Minotauro e um sem número de criações da natureza, da manipulação genética e/ou da excitada mente humana. 

      Xenofobia é isso aí.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.