Sexta,
18 de janeiro de 2013
Por
Ivan de Carvalho

Não
se pode garantir o mesmo dos cavalos do Dois de Julho e dos jegues da Lavagem
do Bonfim. Os últimos transportam cargas no lombo ou puxam carroças e os
primeiros, levam cavaleiros comuns. Não se pode contar que esses cavalos e
jegues fiquem livres do estresse pelo sossego e a paz que o jumentinho de
Jerusalém certamente desfrutava, por contágio, d’Aquele que o montava.
Mas
também o sacrifício imposto a jegues e cavalos na Lavagem do Bonfim e no Dois
de Julho não é tão grande como sugere a luta – por intermédio, inclusive, de
ações judiciais – para impedir a participação deles nessas duas festas. Não
estou dizendo que a utilização de cavalos e jumentos nessas duas festas seja
elogiável, mas penso que também não deve ser considerada como crueldade ou
“maus tratos”.
Afinal, desde que foram domesticados, a milhares
de anos, cavalos transportam cavaleiros e puxam carros e os jumentos, além
dessas coisas, mais costumeiramente levam pesadas cargas nos lombos. Os camelos
carregam preferencialmente os árabes e os elefantes, os hindus, enquanto as
renas (Papai Noel que o diga) e cachorros são especializados em puxar trenós. Mais
triste é quando cavalos são usados por humanos para ajudá-los a matar ou espancar
e reprimir outros humanos. Gatos e cachorros vadios (aqueles que não
encontraram alguém da espécie humana que cuide deles) são simplesmente
exterminados pelo poder público ou, no caso dos gatos, em certos lugares como o
Rio de Janeiro, para fazer tamborins.
As entidades e pessoas que se preocupam com o
estresse e o esforço possivelmente exagerado de cavalos e jegues no Dois de
Julho e na Lavagem do Bonfim deviam focar muito mais sua atenção nos badalados
rodeios, onde os animais muitas vezes são torturados para que aumente seu
desempenho. As tradicionais touradas estão em processo de extinção na península
ibérica, mas os rodeios, que incluem requintes de crueldade, vão muito bem no
Brasil.
O pleno do Tribunal de Justiça da Bahia decidiu
em agosto que, “por questões de ordem cultural”, a participação de cavalos e
jegues em eventos como o Dois de Julho e a Lavagem do Bonfim não sofre
proibição legal. Mas deu um novo e bom passo ao determinar que haja uma
fiscalização para que os animais não sofram maus tratos.
Aliás, nessa questão de maus tratos, ressalvando
o enredo da tocante música Assum Preto e o absurdo de prender passarinho em
gaiolas (já que eles nascem com asas e nada fazem que devam ficar presos),
parece que a questão dos maus tratos só é considerada em relação aos mamíferos
e desde que não sejam eles parte da indústria da carne. É hora de ampliar o
conceito. Segundo reporta o site da Folha
de S. Paulo, uma experiência científica com 90 caranguejos-verdes, muito
comuns nas praias europeias, demonstrou que eles sentem dor. Eles não podem
reclamar nem gritar. Foram postos em um aquário em que havia um abrigo escuro.
Eles amam abrigos escuros. Mas a alguns dos que entraram lá foi aplicado um
choque elétrico. Repetiram a experiência mais duas vezes. Depois do terceiro
choque, os caranguejos “chocados” – e só eles – não entravam no abrigo escuro. Para
eles, o abrigo escuro era a fonte presumida da dor. “Do ponto de vista
filosófico é impossível demonstrar de forma absoluta que um animal sente dor”,
disse Bob Elwood. No entanto, todos os critérios coerentes com a chamada dor
foram reunidos nas experiências, acrescentou.
Você ainda vai jogar caranguejos vivos na água
fervente?
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Este artigo foi publicado na
Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.