Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Jornalista Hieros Vasconcelos fala sobre o dia de cão que viveu nas mãos da banda podre da policia e do jornalismo de esgoto na Bahia

Terça, 8 de janeiro de 2013
Do Blog Bahia em Pauta
 
Publicado por Hieros Vasconcelos em seu endereço no Facebook. Bahia em Pauta reproduz o texto pela qualidade informativa, pelo interesse e relevância jornalistica, além da firme e corajosa defesa da liberdade individual e dos direitos humanas.

A Hieros e sua família, nossa solidariedade. Aos maus agentes policiais e aos jornalistas de esgoto, a indignação e reafirmação do protesto do BP

(Vitor Hugo Soares)

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Um dia de cão

Peço desculpas à minha família, aos amigos e aos colegas pelos constrangimentos e preocupações que os fiz passar neste final de ano. Vacilei levado pelo excesso de bebida misturado a medicamentos contra ansiedade. Na realidade, não sei se o que disseram que eu fiz foi verdade. Mas me sinto vítima da armação de um programa que já critiquei muitas vezes, assim como a outros similares, pela exposição desnecessário e desumana de pessoas que, na maioria das vezes, não tem acesso à imprensa séria ou a alguém que as proteja. Desta vez, o alvo fui eu, desprotegido.

No sábado, dia 29, sai de uma boate chamada Amsterdan, no antigo Bahia Café Hall, no Largo dos Aflitos. Uma boate com djs renomados no cenário nacional internacional de música eletrônica, que tem os mesmos donos da San Sebastian, uma outra no Rio Vermelho, voltada para um público gay elitizado, alguns ainda enrustidos.

Depois da boate Amsterdan, no Largo Dos Aflitos, peguei carona de táxi com dois amigos e saltei em um hotel próximo ao IBR, no final de Ondina, início do Rio Vermelho. Estava alcoolizado e achei que melhoraria ao caminhar pela orla, naquela hora da manha.

Na Pedra da Sereia tomei uma cerveja. Conversei com um ambulante que disse conhecer um figurão do jornalismo baiano. E acabei tomando mais duas cervejas..

Sentei no ponto de ônibus. Tinha um cara lá. Posso ter paquerado ele. Às vezes, faço isso quando estou alcoolizado, como qualquer hetero também faz quando está bêbado. Estou sujeito a fazer bobagens. Quanto a me masturbar em frente a ele, em plena luz do dia com milhares de carros passando, é difícil acreditar. Não me lembro e não acredito ter feito isso. Eu estava bêbado, estava tomando medicamentos controlados, mas não estava drogado com ectasy ou qualquer outra dessas drogas modernas. O cara me mandou vazar. E eu vazei.

Desisti do ônibus e resolvi voltar para casa andando. Foi quando a viatura da policia me parou e me prendeu sob a acusação de ato obsceno. Meu erro foi falar a verdade e me identificar com: nome, profissão, local de trabalho. Foi neste momento, certamente, que me tornei alvo da armação que se desenrolou.

Fui levado para a primeira delegacia e jogado numa cela. Depois que o repórter da Record chegou, a testemunha foi providenciada. Apareceu depois de mim trazida por policiais para prestar depoimento e “oportunamente” dar entrevista ao programa cujo nome me recuso a dizer.

Fui deixado numa cela onde geralmente ficam os presos para averiguação. Éramos quatro. Um dormiu durante as quase sete horas que passei lá dentro. Devia estar entupido de crack, de vez em quando sussurrava um Ô vei”. Outro, sem chinelo, de óculos e bermuda meio surfista era acusado pela policia de ter invadido um hotel. Conversamos e ele estava preocupado pois tinham levado seu celular e ele não pode avisar a família. Ele era a única pessoa capaz de formular frases e conversamos por várias horas naquele local infecto, cheirando à urina e à sujeira dos outros detidos.

Outro preso da cela parecia ter fugido de algum Centro de Atenção ao Psicossocial. Já era conhecido dos policiais. Ele parecia esta controlado,mas depois de um certo tempo começou a bater com a cabeça na parede sem parar.. Outro, sentado no chão com as pernas cruzadas, troncudo,baixinho, negro, dizia que os caras iam matar ele. Era a única coisa que conseguia falar durante quase sete horas.

Aparece, então, o repórter com um microfone na mão e entra na delegacia já gritando quem é o jornalista? Veio até a cela onde eu estava, dentro da própria recepção e perguntou. Me identifiquei. E ele começou a fazer perguntas. E eu apenas perguntei: como é seu nome? Ele insistiu em uma entrevista e eu perguntei novamente: Marcelo de que? Nem lembro o sobrenome dele, na verdade. Eu o ignorei, não iria falar com alguém cujo trabalho consiste em caçar as desgraças alheias e transformá-las em motivo de diversão para pessoas sem instrução. Naquele momento, me senti um preso, de fato.

Um animal numa cela sendo analisado por um pseudo jornalista que se baseava em uma “testemunha” buscada pela policia, que após depor, segundo outras pessoas presentes na delegacia, foi levada de volta para o”trabalho” gentilmente pelos policiais.

Fui repórter policial por anos, sei o submundo de quem precisa conviver diariamente com a marginalidade.

Quando Marcelo, com um microfone ligado, provavelmente tentando capturar o áudio do nosso rápido diálogo, percebeu que não ia rolar entrevista e que eu começava a recuperar minha clareza, ele se retirou.

Fiquei por sete horas sem beber água em uma cela mijada e cheirando a amônia. Um dos meus companheiros de cela, o de bermuda surfista, virou em tom baixo, no meu ouvido, se aproximando, Pô cara, as vezes vc parece viado. E eu respondi: Eu sou gay.

Depois, apareceu na cela um garoto, uns 18 anos ou menos, completamente ensanguentado. Aquele que dormia há tanto tempo, que eu nem imaginava ouvir a voz, disse: “pô velho, tá sangrando. Se afaste aí,véi”.

O circo estava armado e noticia do repórter preso já tinha sido publicada na internet, com fotos para ser republicada por outros sites.

Depois deste episódio que de uma forma ou de outra visava atingir minha moral, minha sexualidade , minha profissão, e a empresa em que trabalho, só me resta buscar a Justiça e pedir desculpas a quem se sentiu ofendido com o fato que nem sei se ocorreu.

O que transforma um jornalista em um bom profissional é o trabalho que ele faz . Os erros que ele comete na vida pessoal podem ser corrigidos. Beber é uma certamente uma tolice principalmente para quem, como eu, tem pouca resistência. Espero que este episódio sirva pelo menos para me tornar uma pessoa melhor.

Hieros Vasconcelos é jornalista
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