Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 20 de março de 2013

Programa para quem?

Quarta, 20 de março de 2013
Por Ivan de Carvalho

O governo reincidirá no programa “Viaja mais melhor idade”, focado no público de terceira idade – que antigamente era composto pelos velhos. A informação foi prestada pelo ministro do Turismo, Gastão Vieira, interessado em que, como sugere o próprio nome da autoridade, esse grupo a que ela se refere gaste mais.

            Que o governo lance essa nova “edição” do programa não me indigna, pois muitos velhos e velhas gostam mesmo de viajar e há deles e delas numerosos que, por estado de ânimo ou, nos piores casos, de desânimo, quase não têm o que fazer, a não ser ir ao médico e cuidar dos netos enquanto os filhos se esbaldam de trabalhar ou de se divertirem.

            Então, nada haveria de errado se o governo, por intermédio de seu ministro do Turismo, sugerisse a essas pessoas que descolassem os quadris de suas poltronas e os olhos das aparvalhantes telenovelas, remexessem país afora os tais quadris, saindo do mais profundo sedentarismo, enquanto usariam os olhos para fins mais nobres que os oferecidos pela tela cheia de uma incrível variedade de crimes, desvios de todo tipo, maldades a granel e no varejo, medo, ira, inveja, intriga, fictícia eficiência policial, desamores e, em lugar de amores, sexo (grande parte do público masculino alvo do programa do governo provavelmente precisaria de ajuda química para praticá-lo).

            Sair tanto quanto possível desse mundo de ficção criado para parvos e ao qual se sujeitam outros – que nem se enquadram na espécie – por suposta falta de opção que leva ao vício e por verdadeira falta de espaço nos exíguos apartamentos de uma só pequena sala e nos barracos não é, decididamente, um mau conselho. Minha Casa, Minha Vida não é um dogma, é apenas cômodo ou acomodação, mas não uma imposição e sim uma escolha.

Que viagem, portanto. Mas o que me indigna nesse programa do governo federal é, em primeiro lugar, o nome. “Viaja mais melhor idade”. O que?! Melhor idade? Politicamente correto, dizem, mas perguntem aos velhos a opinião deles. Muitos, dos mais sinceros, dirão que é troça.

Claro que isso varia de pessoa a pessoa, pode haver alguém muito feliz aos 105 (minha homenagem à alma de Dona Canô). Noé, segundo a Wikipédia, viveu 950 anos e não muito antes de completá-los era, em sua Arca, o chefe da única família viajante na face da Terra, já que outras famílias já não existiam. Devia estar, pois, muito feliz, mais que uma criança ou um jovem, por saber que era o instrumento que Deus escolhera para dar continuidade à espécie humana. Taí: Noé poderia ser a mascote do programa “Viaja mais melhor idade”.

Bem, além dessa ridícula pataquada politicamente correta de “melhor idade” – porque a hipocrisia ao invés da verdade carinhosa? – no nome do programa, o que também me indigna é que o programa não é para o suposto bem dos velhos e velhas, mas, segundo informou o ministro do Turismo, visa a estimular o mercado aéreo doméstico, contribuindo para o aumento da ocupação de assentos e redução dos preços das passagens aéreas. Para ele, o preço elevado das passagens aéreas é um dos motivos que explicam “a baixa competitividade da indústria brasileira de turismo”. O ministério está acertando “com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e instituições privadas a parte do financiamento para a retomada do programa em 30 dias”.

Ah, meu Deus, eu sabia. O programa não é para os velhinhos, para a melhor ou pior idade, para pessoa nenhuma. É para as companhias de transporte aéreo e a competitividade do turismo, que não são gente. Os velhinhos serão incentivados inclusive a terem trombose nos apertados espaços entre as filas de poltronas da classe econômica (se vão precisar de financiamento para viajar, não irão de primeira classe nem de classe executiva), a atmosfera vai ser mais poluída com a queima de querosene de aviação e mais petróleo terá de ser extraído em algum lugar do planeta (por muito tempo ainda, não no pré-sal) para satisfazer eventual demanda extra.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.