Quinta, 7 de março de 2013
Era
janeiro de 2003. Estava completando meu segundo mandato de deputada
estadual e tinha sido eleita deputada federal pela primeira vez.
Articulamos na
direção do MES, ainda no PT, uma proposta de convidar Hugo Chavez para
vir ao
Brasil. Estávamos articulando com a embaixada da Venezuela, eu e Roberto
Robaina, tratando de mostrar que no Brasil havia um setor da esquerda
organizada que queria saudar e seguir o caminho da revolução
bolivariana. A
direção do Forum Social Mundial, influenciada pela cúpula do PT, não
queria convidar Chavez para vir a Porto Alegre. Mas apesar disso ele
decidiu vir e atendeu nosso convite. Fizemos
um grande ato na Assembléia Legislativa. Um ato militante, emocionante,
com milhares
de ativistas dizendo Presente! O discurso de Chavez nao poderia ter sido
melhor: indicou o caminho da luta, da libertação, da revolução. Fazia
alguns
meses que o povo da Venezuela havia derrotado um golpe de estado
patrocinado
pela burguesia da Venezuela, incentivado pelo governo dos EUA e apoiado
pela
mídia brasileira, em especial para Rede Globo e pela Veja. Esta
atividade que
logramos realizar é um dos nossos maiores orgulhos. Estivemos lado a
lado com
Hugo Chavez, o herdeiro de Simon Bolívar, o libertador. Seguiremos
lutando para
honrar esta herança.
Agora a morte de
Chávez provoca tristeza e apreensão em todos os socialistas. A importância da
Venezuela e de Chávez para nossa luta é
enorme. Sua figura marcou todo o
continente nas últimas décadas. A Venezuela tornou-se um país independente, seu
projeto nacionalista e bolivariano foi
de enfrentamento com o imperialismo e com os velhos partidos e a direita venezuelana. Seu exemplo foi uma
inspiração para todos os lutadores.
Ao saber da
morte de Chávez o filósofo esloveno Slavoj Zizek, em Porto Alegre para uma
conferência promovida pela Fundação Lauro Campos e pela Boitempo Editora,
disse: “Todos amam as favelas e os marginalizados, mas poucos querem vê-los
mobilizados politicamente. Hugo Chávez entendia isso, agiu nesse sentido desde
o começo e, por este motivo, deve ser lembrado.”
Sem dúvida, o
protagonismo político do povo pobre da Venezuela nunca foi tão grande como nos
anos Chávez. Aliás, o próprio surgimento de Chávez já foi resultado deste
protagonismo, que explodiu no famoso Caracazo em 1989. Chávez só manteve-se no
poder por tanto tempo graças a esta mobilização popular, que inclusive derrotou
um golpe das elites empresariais em12 de abril de 2002. Acusado de ditador,
nenhum país teve mais processo eleitorais
do que a Venezuela de Chávez. Sob permanente cerco da burguesia local e
internacional, ao contrário de Cuba que fechou o regime para sobreviver, na
Venezuela a oposição sempre teve todos
os seus direitos políticos preservados. Esta sim, golpista, tentou derrotar
Chávez no tapetão com o golpe e com lock outs, mas não levou, graças a
mobilização popular.
Eu mesma estive
na Venezuela como observadora
internacional das eleições, e ao subir os morros de Caracas pude ver com meus
próprios olhos a força de um povo ainda muito pobre mas consciente, politizado,
atento aos seus direitos, pronto para lutar por eles e defender suas
conquistas com unhas e dentes.
Uma das
grandes diferenças entre Chávez e Lula é essa: embora ambos sejam líderes
carismáticos, o primeiro usou seu carisma para mobilizar o povo, incitou-o a
organizar-se, a lutar , a enfrentar o imperialismo, a protagonizar a Revolução
Bolivariana. Já Lula usou seu carisma para aquietar o seu povo, para
convencê-lo a aceitar a lógica burguesa da política, a corrupção e até a
retirada de direitos sociais, como
ocorreu na reforma da previdência comprada com o mensalão.
Este mérito de
Chávez é extraordinário. É claro que existem problemas. Os burocratas e pró
burgueses estão infiltrados em todos os lados, inclusive na Revolução Bolivariana.
Com a morte de Chávez eles tendem a se fortalecer. A corrente política venezuelana
Marea Socialista, integrante do PSUV e com a qual mantemos uma estreita
relação, tem sido uma importante voz em defesa do processo, sempre apresentando
propostas para aprofundá-lo.
Com certeza agora se abre uma nova
etapa, muito mais difícil, para garantir que se avance no rumo socialista e se
construa uma Venezuela definitivamente independente. Tenho a certeza que
o povo venezuelano está apto a ser protagonista desta luta.
Para
isso, como disseram os companheiros de Marea Socialista em um recente comunicado:
“Estão equivocados os que crêem que os rumores, a especulação ,o desabastecimento
e a carestia se resolve deixando quieto aos que tem que se mover. Para cumprir
o Golpe de Timão que pediu Chávez, é preciso ativar de maneira urgente ao povo bolivariano para
que como em abril de 2002 e na luta contra a sabotagem, se faça sentir a fúria da Revolução”.
Luciana Genro, advogada, membro da
Direção Nacional e presidente do PSOL em Porto Alegre.