Segunda, 20 de maio de 2013
Há casos de famílias sendo
despejadas sem prévia intimação, sem prazo razoável para deixar o imóvel
e até sem o pagamento de indenização
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão
(PRDC), órgão do Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG),
recomendou à Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PMBH) que não
remova as famílias da Rua Lótus, na capital mineira, sem prévia
intimação e pagamento de indenização. As intimações deverão ser
entregues no prazo mínimo de 30 dias antes do cumprimento do mandado de
imissão da posse.
Aos moradores que já foram removidos
compulsoriamente, foi recomendado o pagamento imediato da indenização
que lhes é devida, como também a compensação dos gastos que as famílias
tiveram com moradia alternativa temporária.
A Rua Lótus, situada
no Bairro Betânia, Região Oeste de Belo Horizonte (MG), deixará de
existir para que seja construída a Via 210, que ligará a Avenida Teresa
Cristina à Via do Minério. A obra insere-se no pacote de melhoria da
infraestrutura urbana para a Copa do Mundo de 2014.
Com isso,
mais de 200 moradores tiveram seus imóveis desapropriados pela PMBH. O
valor inicial das desapropriações foi tão baixo que o Judiciário teve de
arbitrar novo valor, mais elevado. Em seguida, deferiu a imissão na
posse dos terrenos em favor da Prefeitura, sem intimar seus ocupantes e
atuais proprietários.
Os moradores contaram ao MPF/MG que, da
noite para o dia, sem prévio aviso e intimação judicial, muito menos
recebimento de qualquer indenização foram despejados de sua casa, sem
ter para onde ir. Há casos em que o prazo para que as famílias deixassem
suas casas foi de apenas cinco horas. Há moradores que foram removidos
há seis meses e até hoje não receberam a indenização que lhes é devida.
O
MPF/MG apurou que a intimação judicial não teria sido entregue, porque
os imóveis não estavam registrados nos nomes dos moradores. Segundo
eles, isso ocorre porque, há 50 anos, compraram os terrenos onde
construíram suas casas, mas a transferência formal do domínio nunca foi
feita pelo antigo proprietário.
“Uma sensação de pânico coletivo
passou a dominar a vida dos moradores da Rua Lótus. A verdade é que se
trata de pessoas sem condições financeiras que lhes permita buscar uma
alternativa de moradia quando se vêem, da noite para o dia, sem a casa
que construíram com tanto esforço. Para piorar, entre os atingidos,
encontra-se grande número de crianças e idosos”, afirma o procurador
regional dos Direitos do Cidadão substituto, Helder Magno da Silva.
Outra
irregularidade constatada pelo Ministério Público Federal é que as
notificações sobre as remoções têm sido feitas de forma oral, por pessoa
que não se identifica à população, e sem a entrega de qualquer
documento ou aviso escrito sobre a data em que deverá ocorrer o despejo.
Helder
Magno conta ainda que “enquanto as indenizações não chegam aos
afetados, as obras continuam sem que todos as famílias tenham sido
removidas do local. Dessa forma, as pessoas que ainda permanecem na Rua
Lótus estão sendo obrigadas a conviver com a demolição das casas
vizinhas e com seus efeitos: barulho, poeira, entulhos e animais”.
Violação de direitos -
Para o MPF/MG, o que está sendo feito às famílias da Rua Lótus é
semelhante a vários outros deslocamentos forçados provocados pela
realização de megaeventos esportivos: falta de respeito a direitos
fundamentais como o direito à moradia e à justa indenização, conforme
assegura a própria Constituição da República, mas principalmente ao
princípio da dignidade humana, que é um direito universal.
“Estima-se
que pelo menos 170 mil pessoas, no Brasil, estejam passando por
remoções relacionadas aos megaeventos esportivos, o que corresponde a
quase um em cada mil brasileiros”, lembra o procurador da República.
A
Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada destacou,
em comunicado de abril de 2011, que “parece haver em todas as cidades um
padrão de falta de transparência, consulta, diálogo, negociação justa e
participação das comunidades atingidas em processos relativos a
remoções já realizadas ou planejadas no âmbito da preparação para a Copa
do Mundo e os Jogos Olímpicos”.
De acordo com o MPF/MG, o
contexto é o de “criação de uma nova imagem internacional das
cidades-sede dos eventos, com a supressão das manifestações de pobreza e
subdesenvolvimento, às custas justamente das famílias que já vivem em
situação mais vulnerável”.
“Para entender o que essas pessoas
estão passando, precisamos nos colocar no lugar delas: imagine o que é
você viver em locais já desprovidos de infraestrutura e, de um dia para o
outro, perder inclusive o que pouco que se tem, sem que outra
alternativa lhe seja apresentada. E o que é pior: sem que a maioria da
população se dê conta do drama pelo qual você está passando. É o que se
chama de invisibilidade social, com a qual os órgãos públicos de forma
alguma podem compactuar, muito menos provocar”, afirma Helder Magno.
Por
essa razão, o MPF/MG também recomendou à Caixa Econômica Federal que se
abstenha de liberar o restante dos recursos para financiamento das
obras da VIA 210, cujo contrato prevê o repasse de R$ 72 milhões, até
que seja regularizada a situação das 200 famílias atingidas pelo
empreendimento.