Terça, 7 de maio de 2013
Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Pará divulgaram
hoje (7) uma nota conjunta repudiando a decisão judicial que, na
prática, impede que assessores, repórteres e correspondentes
internacionais entrem em um dos canteiros de obras da Usina Hidrelétrica
de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, para acompanhar de perto a
ocupação do local, que entrou hoje no sexto dia.
Para as entidades, a decisão da juíza estadual Cristina Sandoval
Collyer, da comarca de Altamira (PA), “condena quem se dispõe a prestar o
serviço da denúncia de diversos problemas vividos pela população
daquela região à sociedade paraense e brasileira”.
Na última sexta-feira (3), a juíza acatou parcialmente o pedido de
reintegração de posse do Canteiro Belo Monte, feito pelo Consórcio
Construtor Belo Monte (Ccbm), responsável pela construção da usina.
Localizado a cerca de 75 quilômetros de Altamira, o canteiro está
ocupado desde quinta-feira (2) por manifestantes que exigem a
regulamentação do processo de consulta aos povos tradicionais, sobre
empreendimentos que afetem seus interesses e a paralisação de todos os
projetos hidrelétricos em curso, até que a regulamentação seja concluída
e as comunidades ouvidas.
Como a maior parte do grupo é formada por índios, principalmente da
etnia Munduruku, a juíza estadual disse não ter competência para
determinar a desocupação total da área, pedido que o consórcio devia
apresentar à Justiça Federal. A magistrada, no entanto, concedeu a
reintegração de posse contra os não índios que estivessem ocupando o
local. Com isso, o fotógrafo da Reuters Lunaé Parracho; o correspondente
da Rádio França Internacional (RFI) no Brasil, François Cardona e o
jornalista e assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Ruy
Sposati, foram retirados do canteiro de obras por um oficial de Justiça
auxiliado por policiais. Único não-índio a ser citado nominalmente na
decisão, Sposati ainda foi multado em R$ 1 mil. Segundo a juíza, ele
contrariou uma sentença judicial de outubro de 2011, que o proibia de,
junto com outras pessoas, voltarem a ingressar no empreendimento.
Para a Fenaj e o sindicato paraense, o episódio é uma “brutal
agressão ao exercício profissional”. “Atitudes como essa extrapolam o
respeito e atingem a liberdade de expressão e de imprensa em nosso
estado, tendência desgraçadamente verificada em vários outros estados,
vitimando outros jornalistas e jornais”, acrescentam as entidades na
nota conjunta. Procurado pela Agência Brasil, o
presidente da Fenaj, Celso Scrhöder, afirmou que o fato de um jornalista
trabalhar para uma organização não jornalística, não interfere no
exercício da profissão e de suas funções como jornalista.
Principal reivindicação dos manifestantes, o processo de consulta
aos povos tradicionais, como índios e quilombolas, está previsto na Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil é signatário
da norma internacional, que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 20
de junho de 2002, na forma do Decreto nº 143, e promulgado pela
Presidência da República em 19 de abril de 2004. Entre outras coisas, a
convenção estabelece que os povos indígenas e os que são regidos, total
ou parcialmente, por seus próprios costumes e tradições ou por
legislação especial, devem ser consultados sempre que medidas
legislativas ou administrativas afetarem seus interesses. A convenção
determina que a consulta deve ser feita “mediante procedimentos
apropriados” e por meio de suas instituições representativas, “com o
objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das
medidas propostas”.
Ontem (6), a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou
nota afirmando que a reivindicação dos manifestantes causa estranheza,
já que o governo federal está regulamentando o direito à consulta, com a
participação direta de representantes indígenas, realizando reuniões às
quais as “autodenominadas lideranças”, sobretudo da etnia Munduruku,
não têm comparecido.
“O governo federal mantém sua disposição de dialogar com os
mundurukus para a pactuação de um procedimento adequado de consulta a
esse povo. Mas queremos dialogar com lideranças legítimas”, menciona a
nota. “Na região do Tapajós está em curso uma experiência prática de
participação planejada e conjunta, que será uma espécie de laboratório
para a regulamentação da Convenção 169 no Brasil. O diálogo com os
indígenas servirá de modelo para a regulamentação da consulta prévia,
conduzida de forma participativa e transparente pela Secretaria-Geral”.
Por razões de segurança, o Consórcio Construtor Belo Monte mantém os
trabalhos paralisados desde a quinta-feira. O prejuízo com a
interrupção da jornada de milhares de trabalhadores (segundo a Norte
Energia, só o número de funcionários permanentemente alojados no local
chega a 4 mil) ainda não foi calculado. Nenhum ato de violência contra
funcionários ou de depredação do patrimônio foi registrado. A Norte
Energia voltou a recorrer à Justiça Federal, ontem, para obter a
reintegração de posse da área.