Sexta, 16 de agosto de 2013
Ivan Pinheiro*
Secretário Geral do PCB
Em 2002, quando surgiu a possibilidade de vitória eleitoral do que
ainda parecia ser uma frente de esquerda e, portanto, de iniciarmos um
processo de mudanças progressivas no Brasil, às vésperas do primeiro
turno Lula assinou a “Carta aos Brasileiros”, em verdade
dirigida aos banqueiros, comprometendo-se a manter intacta a política
econômica neoliberal dos tempos de FHC, incluindo a “autonomia” do Banco
Central e o superávit primário, desvio de recursos públicos para
pagamento dos rentistas. Nesse caso, não se pode acusar Lula de não
cumprir promessas.
Com a vitória dele no segundo turno, a então coordenação da frente
que o apoiava criou uma comissão dos cinco partidos (PCB, PT, PDT, PSB e
PcdoB) para elaborar um PROGRAMA DOS 100 DIAS, de forma que, logo no
início do mandato, o novo Presidente mostrasse que veio para cumprir as
promessas de mudanças feitas na campanha e que encheram de esperança a
grande maioria do povo brasileiro e a esquerda mundial.
A principal proposta da comissão, apresentada pelo PCB, era a
convocação, logo após a posse, de um plebiscito para consultar o povo
sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte soberana, que
não se confundisse com a composição do Congresso Nacional e que
revisasse toda a Constituição Brasileira, que já sofrera forte
retrocesso político em função de emendas aprovadas no famigerado governo
FHC.
Partia-se do pressuposto de que, para mudar o Brasil, era
indispensável primeiro mudar leis que perpetuam a hegemonia burguesa.
Exatamente como fizeram Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, antes
de deflagrarem os processos de mudanças em seus países.
Mas no Brasil, o medo venceu a esperança!
Antes mesmo da posse, já eleito no segundo turno, a primeira viagem
internacional de Lula, de surpresa (pelo menos para o PCB), foi aos
Estados Unidos para encontrar-se com Bush na Casa Branca, ao lado de
Henrique Meireles, então presidente do Banco de Boston, para
apresentá-lo como o novo presidente do Banco Central do Brasil,
assegurando-lhe autonomia para gerir a política monetária. Nesse
momento, começou a se dissolver a coordenação política da campanha, que
deveria se transformar, após a posse, numa coordenação política do
governo.
Ao tomar posse, Lula jogou no lixo, ao mesmo tempo, o programa da
campanha, a coordenação política e o Programa dos 100 Dias, fazendo a
opção pela governabilidade institucional da ordem, ao invés da
governabilidade popular pelas mudanças. Formou uma base de apoio
parlamentar com o centro e a centro-direita, com mais de 300 dos que
chamara de picaretas, transformando-se em refém e cúmplice dos caciques
da política burguesa, sob o comando do PMDB e do companheiro
Sarney, rendendo-se ao grande capital. O Vice-Presidente, José de
Alencar, havia sido criteriosamente escolhido para sinalizar uma aliança
com setores da burguesia, com vistas a um projeto
neodesenvolvimentista, que Lula anunciava, já na posse, como o “espetáculo do crescimento”, que iria “destravar” o capitalismo no Brasil. Essa promessa Lula também cumpriu à risca.
Constatando a traição ao programa que elegeu Lula, o PCB, em março de
2005 (antes, portanto do episódio conhecido como “mensalão”), rompe com
o governo, por absoluta incompatibilidade política com o transformismo
do novo presidente e dos demais partidos que haviam composto a frente,
que continuaram se degenerando e se fartando de cargos e verbas, sem
qualquer crítica ao abandono do programa eleitoral e entregando as
organizações sociais sob sua influência na bandeja da cooptação,
transformando uma legião de ex-militantes de esquerda em burocratas de
carreira, cabos eleitorais de “mandatos” de seus partidos.
A CUT e a UNE, que já vinham também num acelerado processo de
degeneração, logo se transformaram em correia de transmissão do governo e
nos principais instrumentos de apassivamento dos trabalhadores e da
juventude.
Depois de dez anos alavancando o capitalismo, “como nunca antes na história desse país”
- iludindo os trabalhadores com o discurso da inclusão, da nova classe
média, de um desenvolvimento capitalista em que ganhariam igualmente
todas as classes e que garantiria a paz social -, bastou o estopim do
aumento das tarifas dos ônibus urbanos para que se desmontassem as
ilusões, os 10 anos de conciliação de classe, de manipulações, de
amaciamento da classe trabalhadora e da juventude.
Tudo isso aliado aos ventos da crise do capitalismo, que tem levado o
governo Dilma a mitigá-la com mais capitalismo: desoneração do capital,
Código Florestal, privatizações de rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos, estádios de futebol, a vergonhosa continuidade dos leilões
de petróleo, inclusive do pré-sal, além de projetos para reduzir
direitos trabalhistas e previdenciários.
A explosão das insatisfações reprimidas tem suas razões principais na
privatização e no sucateamento dos serviços públicos, sobretudo na
saúde e educação, na desmoralização e falta de representatividade das
instituições da ordem (e das entidades de massas cooptadas), em função
de alianças e práticas oportunistas e da cumplicidade com a corrupção.
Com a quebra do salto alto petista, foram-se a arrogância e a certeza
de mais alguns confortáveis anos de mais do mesmo. Atônitos, os
reformistas começam a bater cabeça e a chamar por Lula, alguns
abandonando Dilma na estrada, por conta de sua queda de popularidade. Ao
mesmo tempo, acharam no lixo da sua própria história o Programa dos 100
Dias, abandonado quando a correlação de forças era altamente favorável.
Com seus quase 60 milhões de votos e a inaudita esperança popular, Lula
tinha todo o respaldo para mudar o Brasil, mobilizando as massas, mesmo
que com medidas apenas progressistas.
A cerca de um ano do fim do mandato de Dilma, cada vez mais reféns do
centro e da centro-direita, até para se manter no governo, petistas e
outros reformistas, alguns insistindo em se dizer comunistas (o que, por
praticarem a conciliação de classe, é funcional para sua aceitação pelo
sistema) levantam a bandeira da reforma política, esbravejando contra o
parlamento, a justiça, a mídia, instituições que não só deixaram
intactas, mas fortalecidas.
Fingindo desconhecer que este governo não sobrevive sem o PMDB, que
tem a chave da agenda legislativa brasileira - com a inédita acumulação
da presidência da Câmara e do Senado e a Vice-Presidência, ocupadas
pelas mais experimentadas raposas políticas - os reformistas levantam
agora, como a salvação da pátria, a bandeira da convocação de um
plebiscito para uma constituinte, que abandonaram no momento propício,
há dez anos!
Clamar por constituinte nessa correlação de forças desfavorável – e
no momento em que “caem as fichas” dos trabalhadores e da juventude, a
ponto de esses partidos não poderem levar para as ruas as suas bandeiras
- é um gesto de desespero. Ou se trata de uma inocente ilusão de classe
ou de uma esperta cortina de fumaça para passar ao povo a impressão de
que querem mudar, mas que a oposição não deixa. Como não há inocência em
políticos profissionais, a segunda hipótese é mais provável. Tanto não
querem mudar que, em recente nota oficial, a direção nacional do PT
assegurou que sua aliança preferencial para 2014 é com o PMDB,
garantindo ao indefectível Michel Temer a candidatura a vice-presidente.
A correlação de forças não é desfavorável apenas no parlamento, mas
sobretudo em relação à evidente hegemonia burguesa na sociedade
brasileira, moldada pelo fundamentalismo religioso e pela mídia
hegemônica, que cultua a aversão aos partidos e reduz a política aos
momentos eleitorais.
Vão buscar no lixo a constituinte de 2003, que seria ampla e
irrestrita, mas agora a limitam a uma específica sobre reforma política
que nem merece esse nome, pois é fundamentalmente eleitoral. Mostram
assim que só acreditam na chamada democracia burguesa, uma ditadura de
classe disfarçada.
No esperto (e ao mesmo tempo desesperado) discurso da reforma
política, fazem críticas a deformações do parlamento, para as quais
contribuíram tanto quanto os demais partidos da ordem. O PT e seus
aliados fiéis e acríticos se fartaram de financiamento privado, a ponto
de seus candidatos, em alguns casos, terem recebido mais doações
“generosas” de empresas - em geral empreiteiras, concessionárias de
serviços públicos e bancos - que seus adversários conservadores, até
porque os setores mais lúcidos das classes dominantes preferem
terceirizar o governo a um partido com o nome de trabalhadores, para fazer com eficiência a política do capital e com a vantagem de iludir aqueles que emprestam o nome ao partido.
Defendem agora o voto em lista fechada, ou seja, em partidos e
programas e não em pessoas, quando o PT foi o partido que mais
contribuiu para o voto personalizado, usando o prestígio de Lula e a
marquetização das eleições. Propõem agora o fim das coligações nas
eleições proporcionais, quando o PT e seus aliados fiéis têm feito
coligações as mais espúrias e inimagináveis.
Uma evidência de que a proposta de reforma política não passa de um
expediente tático é que o PT sabe do risco real de perder em plebiscito
as propostas que hoje defende, como o financiamento público exclusivo e o
voto em lista, numa conjuntura em que o povo repudia os partidos
políticos, aliás por responsabilidade do próprio PT e de seus cúmplices
de fisiologismo. Essa derrota seria também da esquerda socialista, pois
são propostas positivas, que em dez anos os reformistas não levaram à
frente, mesmo exercendo a presidência da república.
Essa manobra irresponsável e eleitoreira pode ter consequências
nefastas, na medida em que abre espaço para o Congresso Nacional
promover, sem qualquer consulta popular, uma minirreforma regressiva,
para parecer mudança. Com medo de que as urnas revoguem seus mandatos,
numa renovação que se anuncia sem precedentes, parlamentares já falam em
diminuir a duração da campanha eleitoral a pretexto de reduzir os
custos financeiros, mas na verdade para favorecer os que já têm mandato.
Talvez por falta de tempo, ainda não consigam o fim das coligações
proporcionais e a criação de alguma forma de cláusula de barreira, com o
objetivo de diminuir o número de partidos e prejudicar apenas aqueles
ideológicos, da oposição de esquerda. As pequenas e médias legendas de
aluguel se adaptarão às restrições, fundindo-se aos chamados grandes
partidos, em tenebrosas transações.
Com ou sem consulta popular, qualquer iniciativa de reforma eleitoral
nesta conjuntura pode resultar numa contrarreforma, antipolítica e
antipartidária.
E não adianta setores petistas reclamarem da minirreforma eleitoral,
porque o presidente da comissão responsável por ela é o deputado petista
Cândido Vacarezza, historicamente ligado a Lula e nomeado para o cargo
pelo presidente da Câmara, contra a opinião da maioria da direção
nacional do PT, fato que ficou por isso mesmo!
Apesar de sermos a favor do financiamento público, não temos ilusão de que seu advento acabaria com a corrupção e tornaria democrática
a disputa, num país capitalista em que a corrupção é sistêmica e a
mídia hegemônica manipula, influi e por vezes decide as eleições. Essa
medida pode até dificultar, mas não erradicar a corrupção.
Tampouco somos contra a luta - numa correlação de forças favorável e
desvinculada de cálculos eleitorais - por uma reforma política
progressiva, em que o fortalecimento do protagonismo popular possa
contribuir para a auto-organização dos trabalhadores. Mas sem ilusões
com a possibilidade de superar o capitalismo através de eleições e de
reformas.
O mais grave, entretanto, é que a prioridade na bandeira da reforma
política sequestra a pauta unitária levantada nas manifestações de 11 de
julho. Trata-se de um diversionismo e uma esperteza de não expor a
presidente Dilma e o possível candidato Lula ao desgaste de terem que
negar cada uma daquelas bandeiras, exatamente por serem reféns e
parceiros do capital.
Devemos continuar levantando as bandeiras da redução da jornada sem
redução salarial, da reforma agrária, do fim do fator previdenciário e
da terceirização, do fim do superávit primário e dos leilões do petróleo
para gerar investimentos públicos em saúde e educação, da
desmilitarização da polícia, entre outras. Por isso, não podemos cair na
balela da reforma política, que os reformistas querem colocar agora em
primeiro plano, em detrimento das bandeiras citadas.
É preciso desmascarar a atual campanha de coleta de um milhão e meio
de assinaturas digitais pelo plebiscito da constituinte específica. Não
por incentivar a iniciativa popular, mas pelos objetivos da campanha e
pela forma de coletar as assinaturas, apenas através da internet,
estimulando assim a asséptica militância eletrônica, sem sair de casa ou
do gabinete, fria e sem interação com as massas, talvez por receio
desse contato.
Ao invés disso, devemos e podemos organizar uma oportuna e necessária
coleta de assinaturas para uma iniciativa legislativa por um
plebiscito, mas para que o povo responda se quer uma Petrobrás 100%
estatal, sob controle popular, o fim dos leilões e que os lucros da
exploração do petróleo sejam investidos na saúde e na educação, públicas
e de qualidade. Essa pode ser uma importante campanha de massa,
servindo também para mobilizar o povo às vésperas de mais um ultrajante
leilão do nosso petróleo. Uma campanha nas praças, nas portas de
fábricas e de escolas, em contato direto com os trabalhadores e os
jovens.
Por tudo isso, as forças políticas e sociais do campo
anticapitalista, de oposição aos governos social-liberais e neoliberais,
precisam reunir-se urgentemente numa Plenária Nacional, para debater a
forma e o conteúdo de nossa participação no dia 30 de agosto, anunciado
pelas centrais pelegas sem qualquer representatividade como um “dia
nacional de paralisações”. Mesmo que elas recuem, como já aconteceu
outras vezes.
As forças anticapitalistas não podem mais participar de manifestações
sem unidade e identidade própria, sob pena de se confundirem com os
reformistas e não criarem as condições para a necessária formação de uma
frente de caráter anticapitalista e anti-imperialista, voltada para a
unidade de ação na luta e para além das eleições e dos partidos
registrados oficialmente.
Por fim, no lugar da reforma eleitoral, nossa bandeira política central deve ser PELO PODER POPULAR, que expressa a recusa às instituições burguesas e “a tudo que está aí”, sinalizando uma organização popular com vocação de poder.
*Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB
(texto revisado e aprovado pelo Comitê Central do PCB)
Fonte: site do PCB
Fonte: site do PCB