"Assim
como respeito e reverencio os que lutaram pela democracia, enfrentando a
truculência ilegal do Estado (...), também reconheço e valorizo os
pactos políticos que nos levaram à redemocratização."
Esta frase é a
mais infeliz que a presidenta Dilma Rousseff já pronunciou, até por
haver omitido duas palavrinhas que fazem toda a diferença: pela metade.
Como consequência das concessões que os dirigentes oposicionistas
fizeram em nosso nome, tivemos uma redemocratização pela metade,
autoritária, manipulada, juridicamente capenga, oportunista e que deixou
feridas abertas até hoje.
Trata-se,
também, de uma afirmação reveladora: atesta que, nos pronunciamentos de
Dilma, seu presente de candidata à reeleição pesa muito mais do que seu
passado de revolucionária e presa política.
Ela quer evitar
a qualquer preço que o tiroteio ideológico atrapalhe sua campanha
eleitoral -a ponto de, por medida provisória, haver transferido a
divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, de maio
para dezembro (depois das eleições...), quando deveria é ter recomendado
sua antecipação, a fim de que o povo brasileiro ficasse conhecendo
melhor a abominação que está completando 50 anos neste dia da mentira.
Uma coisa é o
reconhecimento de que, não tendo os torturadores e seus mandantes sido
punidos, como deveriam, em 1985 e anos seguintes, a oportunidade de se
fazer justiça passou. Hoje esses octogenários e septuagenários posariam
de vítimas, enquanto a direita hedionda faria um novelão a respeito das agruras dos ogros reformados, que ela apresentaria como inofensivos velhinhos.
O pior é que,
enquanto arcaríamos com um custo altíssimo ao darmos ensejo a tal
chantagem emocional, nossos benefícios seriam mínimos, quiçá
inexistentes: o letárgico Judiciário brasileiro certamente manteria os
processos inconclusos o tempo suficiente para que morressem um a um os
carrascos de outrora. A grande maioria, aliás, já está no inferno.
Então, desde 2008 (vide aqui)
eu venho propondo que desistamos da quimera de vermos os Ustras, Curiós
e Malhães pagando seus pecados na prisão ou sendo obrigados a ressarcir
o Estado pelos direitos a indenizações que, com suas atrocidades, eles
geraram. Tenho sugerido que nos contentemos em expô-los à execração
pública, para que as crianças fujam deles como do bicho papão e seu
exemplo inspire nojo e horror nos pósteros. É para isto que servem as comissões da verdade.
Outra
coisa, bem diferente, é endossarmos a falácia de que ditaduras, em
plena vigência do arbítrio, tenham o direito de anistiar seus dirigentes
e seus esbirros, concedendo-lhes habeas corpus preventivo para garantir
sua impunidade eterna.
Se
assim fosse, Hitler e toda a sua quadrilha poderiam ter-se colocado a
salvo de punições, anistiando a si próprios, digamos, em meados de 1944,
quando o desembarque dos exércitos aliados na Normandia tornou a
derrota alemã uma questão de tempo.
Mas,
claro, os juízes do tribunal de Nuremberg desconsiderariam tal
impostura, assim como nosso Supremo Tribunal Federal tinha o dever de
pulverizar a anistia imposta de 1979, só não o fazendo por ser uma corte
eminentemente política.
As
nações civilizadas são unânimes em rechaçarem tal saída pela tangente. A
ONU a repudia inequivocamente. Ficamos, portanto, ao lado de povos
primitivos, aqueles que estão mentalmente ancorados na Idade Média e são
dóceis presas do autoritarismo. Ainda não chegamos nem a 1789.
Não se pode respeitar um pseudo acordo político que se negociou com o Congresso Nacional:
- desfigurado por regras eleitorais que inflavam artificialmente a bancada situacionista;
- traumatizado pelos estupros recentes, pois havia sido amiúde fechado e tivera seus parlamentares cassados com a maior sem cerimônia, a bel-prazer dos tiranos;
- intimidado pelas constantes ameaças de "chamar o Pires" (o presidente João Baptista Figueiredo utilizava o ministro do Exército Walter Pires como espantalho para dissuadir os que o contrariavam, lembrando-lhes que a qualquer momento poderia impor novo fechamento político); e
- chantageado com o condicionamento da libertação de presos políticos e permissão de volta dos exilados à aceitação, por parte dos oposicionistas, do perdão aos torturadores, assassinos, estupradores e mutiladores de cadáveres.
Se isto é pacto, pertence à categoria dos firmados com Mefistófeles. Goethe explica.
Já Dilma, por mais que futuramente tente explicar seu endosso à igualação entre vítimas e algozes, jamais o conseguirá justificar. Wanda morreu.
Já Dilma, por mais que futuramente tente explicar seu endosso à igualação entre vítimas e algozes, jamais o conseguirá justificar. Wanda morreu.