Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 19 de abril de 2014

Escola para quem precisa de escola


Sábado, 19 de abril de 2014 
Do blog baiano 'Por Escrito'

Por Luís Augusto Gomes
Em memorável editorial intitulado “Polícia e comunidade”, publicado em 1976, na fase de maior respeitabilidade da Tribuna da Bahia como veículo de comunicação, João Ubaldo Ribeiro, então seu editor-chefe, lançou um repto sobre o regime militar.
Num tempo de censura e risco de vida, em pleno governo também sanguinário do presidente Ernesto Geisel, Ubaldo ousou protestar contra a agressão ao fotógrafo Milton Mendes pela Polícia Militar, quando cobria a ocupação, pelos sem-teto da época, da famosa Invasão do Marotinho.
Após atribuir aos policiais “QI pleistocênico”, sentenciou, mais ou menos nestas palavras, que arriscamos aspear: “A polícia é algo que todos gostaríamos que não existisse. A imprensa, não”.
Para os que viveram a atmosfera de terror da ditadura, foi um ato de bravura, ainda mais porque as PMs, em todo o Brasil, eram subordinadas às Forças Armadas, através de uma Inspetoria Geral das Polícias Militares, sendo comumente um general do Exército o comandante nos Estados.
Ubaldo traduzia o sonho de uma sociedade ideal, onde o ser humano, usando sua inteligência e movido pela solidariedade, construísse uma convivência harmônica, produtiva e feliz, que não tivesse o crime e dispensasse as prisões.
Tais considerações surgem das cenas vistas em Salvador nos dois dias da greve da PM. Sabemos que vivemos numa cidade conflagrada, como o resto do país, e que bandidos certamente aproveitariam uma situação dessas para assaltos e acertos de contas.
O que seria difícil imaginar, apesar do quadro de miséria que se alastra em nossas periferias, é que fosse ocorrer um verdadeiro levante popular criminoso, com pessoas de todas as idades saindo às ruas para arrombar e saquear supermercados, bancos, lojas, borracharias, salões de beleza e o que mais encontrassem.
Não adianta, simplesmente, culpar o povo, falar em valores morais, quando a carência material, as aspirações frustradas, a falta de oportunidades e de horizontes estão na maioria dos lares – soteropolitanos e brasileiros.
Essas pessoas, mesmo com a desassistência crônica que acompanha suas vidas, têm princípios. Apenas os subverteram em razão da consciência cada vez maior de que o Estado, organizado em tese para promovê-las e protegê-las, é a razão maior de sua desgraça.
Os fatos da capital baiana demonstram claramente o imenso paiol sobre o qual nos equilibramos, a uma centelha da explosão. E cobram um compromisso dos governantes e dos cidadãos com responsabilidade para desativação dessa bomba.
Obviamente, só mesmo numa completa utopia a humanidade atingiria o nível de existência suposto pelo grande escritor e jornalista, mas à política cabe um permanente esforço para a evolução social que, em última análise, contribua para reduzir a necessidade da polícia.
Em vez disso, em vez de implantar-se no país um amplo e revolucionário sistema educacional que salve nosso maior patrimônio – as crianças brasileiras – e desafogue o futuro, preferimos a construção de mais presídios e o aumento contínuo dos efetivos policiais.
A lógica do egoísmo prevalece, e um exemplo está na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, que vamos fazer para atender à volúpia financeira de grupos empresariais e a interesses políticos rasteiros, e para isso o que é fundamental? Polícia, eufemisticamente chamada de “segurança”.
Caso as próprias corporações especializadas, com suas UPPs e, na versão baiana, “bases de segurança comunitárias”, não sejam suficientes, que se convoque a Força Nacional. Se esta não der conta do recado, que venham o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, contanto que ninguém atrapalhe as competições. E até o próximo saque.