Sábado, 21 de fevereiro de 2015
Da Tribuna da Internet
Carlos Newton
Apesar de formado em Direito e de ter até trabalhado como procurador
municipal antes de entrar na política, o ministro José Eduardo Cardozo
demonstra surpreendente desconhecimento da profissão. Insiste em dizer
que o Estatuto da Advocacia garante aos advogados o direito de serem
recebidos por autoridades públicas, mas isto não existe, jamais foi
previsto nesta lei.
Os sites e blogs patrocinados pelo governo logo saíram em defesa do
ministro da Justiça, citando uma norma jurídica na qual ele até poderia
ter se baseado, ao invés de ficar citando indevidamente o Estatuto da
Advocacia. Trata-se do Decreto 4.334, baixado em 2002 pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso.
O documento realmente prevê a possibilidade de qualquer cidadão se
encontrar com representantes da administração federal, para tratar de
interesses particulares ou de outras pessoas. Mas contém uma ressalva em
seu artigo 4º, que determina o seguinte: “As normas deste Decreto não geram direito a audiência”.
Ou seja, é um texto jurídico completamente dúbio. Ao mesmo tempo em
que dá direito à audiência, estabelece a autoridade pode se recusar a
concedê-la.
PRÉ-REQUISITOS
Além de não se tratar de uma norma impositiva, o Decreto de FHC ainda
exige importantes pré-requisitos para que haja a audiência. Vamos
conferir:
Art. 2º – O pedido de audiência efetuado por particular deverá
ser dirigido ao agente público, por escrito, por meio de fax ou meio
eletrônico, indicando:
I – a identificação do requerente;
II – data e hora em que pretende ser ouvido e, quando for o caso, as razões da urgência;
III – o assunto a ser abordado; e
IV – a identificação de acompanhantes, se houver, e seu interesse no assunto.
Art. 3º – As audiências de que trata este Decreto terão
sempre caráter oficial, ainda que realizadas fora do local de trabalho,
devendo o agente público:
I – estar acompanhado nas audiências de pelo menos um outro servidor público ou militar; e
II – manter registro específico das audiências, com a relação das pessoas presentes e os assuntos tratados.
DESCUMPRIMENTO
Na verdade, o ministro José Eduardo Cardozo não cumpriu uma coisa nem
outra. Ficou claro que ele estava apenas mostrando servilismo aos
advogados das empreiteiras, que também estavam dando plantão no
Instituto Lula, o que demonstra o grau de promiscuidade hoje existente
no país.
As justificativas do ministro têm sido patéticas. Somente lembra ter
dado uma audiência (ao pessoal da Odebrecht), mas advogados de outras
empreiteiras já deram declarações admitindo que foram recebidos por ele
no gabinete.
Cardozo disse também que os advogados reclamaram que procuradores
estiveram na Suíça para obter informações ilegais sobre contas
bancárias, mas no dia seguinte ficou provado que o próprio Ministério da
Justiça solicitou oficialmente esses dados ao governo suíço.
Por fim, Cardozo deixou de explicar outra providência de sua gestão, o
fato de haver tentado limpar o nome do deputado Paulo Maluf (PP-SP)
junto à Justiça norte-americana, tomando uma iniciativa decepcionante e
inaceitável para uma autoridade que representa o Brasil.
O mais impressionante é que até agora ele não foi nem será demitido.
Tudo indica que permanecerá no Ministério enquanto Dilma conseguir se
segurar no Planalto. Ah, Brasil!