Domingo, 1º de fevereiro de 2015
Da Tribuna da Imprensa / Carta Maior
Luciana Genro
A vitória da Syriza
(Coalizão da Esquerda Radical) tem uma importância enorme, não só para os
Gregos e europeus, mas para nós, brasileiros. A Grécia foi o laboratório mais
recente de uma velha receita: diante da crise, austeridade. A ideia de um
governo austero pode agradar os mais desavisados. Mas a Grécia nos ensina que a
austeridade pregada pela Troika, pelos mercados, pela grande mídia, significa
ataques aos direitos do povo.
Na Grécia estes
ataques foram radicais: cortes nominais nos salários e aposentadorias,
demissões em massa de servidores públicos, privatizações, cortes nos gastos
sociais. A Grécia seguiu fielmente a receita exigida pelos mercados. Aliás,
entregou aos mercados o comando da Nação. O resultado foi que 1 em cada 4
gregos está desempregado, 50% da população vive na pobreza, 60% da juventude
está desempregada.
As primeiras medidas
tomadas pelo governo Tsipras vieram no sentido oposto às pregações por
austeridade: fim das privatizações, aumento do salário mínimo, energia gratuita
pra 300 mil lares, readmissão de funcionários demitidos. Além disso, vai lutar
pelo cancelamento de 50% da dívida grega e pela suspensão do pagamento da outra
parte até que o país volte a crescer. Quanta diferença em relação ao PT!
Aqui no Brasil não
vivemos uma situação tão dramática como a da Grécia. No entanto, é sabido que a
crise vai se agravar nos próximos meses. A resposta que o governo Dilma dá a
esta situação é a mesma, guardadas as proporções do tamanho da crise, que o
governo do PASOK (socialdemocracia) e depois o da Nova Democracia (centro
direita) deram ao problema grego, isto é, a dita austeridade e a submissão às
vontades do mercado financeiro. Com uma cara de pau impressionante à presidenta
Dilma afirma que não vai mexer nos direitos trabalhistas, ao mesmo tempo que
anuncia restrições no acesso ao seguro-desemprego, justamente em um ano que,
todos sabem, vai aumentar o desemprego. Ela também adotou o lema "Brasil
Pátria Educadora" e ao mesmo tempo o Ministério da Educação foi o maior
atingido pelos cortes anunciados: R$ 7 bilhões de um total de R$ 22,7 bi
cortados do orçamento. Vivemos um momento de desmoralização da eleição de
Dilma. Parece que foi tudo uma encenação de mau gosto para enganar o povo. O
recado de junho de 2013 realmente não foi ouvido pelas elites políticas!
Os jornais anunciam
que o Brasil teve déficit nas suas contas pela primeira vez desde 1997
reforçando a idéia de que temos que cortar gastos. Insistem também em divulgar
que a dívida pública federal fechou o ano em R$2,29 trilhões, com uma alta de
8,15% no ano. Mas não explicam as verdadeiras razões desta situação. Para onde
foi este dinheiro? Por acaso o povo brasileiro está usufruindo de ótimas
instalações de saúde? A educação está uma maravilha? O transporte público melhorou?
Os servidores públicos estão ganhando muito bem? Não, nada disso. Tudo está
ruim e, com a dita austeridade, vai piorar. O clamor por austeridade ignora a
situação do povo, com desemprego crônico, baixos salários e serviços públicos
degradados.
O que pode vir por aí
está na nossa cara. É só olhar para a Grécia, Espanha, Portugal, Itália. Não é
casual que nestes países crescem as alternativas aos partidos do sistema. O
Podemos na Espanha pode ser o próximo a derrotar a velha política.
Para defender a
austeridade sempre dizem que "não há almoço grátis". É verdade, para
o povo não há. O que é distribuído em tempos de bonança econômica é rapidamente
retirado nos momentos de crise. Mas tem gente almoçando, jantando e se
empanturrando de graça sim. É para eles que está indo o grosso do dinheiro que
aumenta a dívida e o déficit. Para exemplificar, o Bradesco lucrou R$ 15
bilhões em 2014, um salto de 25,6% em relação a 2013! E o Banco Central prevê
novas altas de juros, que já está em 12,25% ao ano.
O mercado de
"private banking" brasileiro caminha para alcançar R$ 1 trilhão em
2016, pois a previsão é de que quase 500 mil novos milionários entrem no
mercado até lá, elevando o total de 319 mil para 815 mil em quatro anos. Nas
estimativas do banco Credit Suisse, o Brasil terá uma das maiores taxas de
crescimento de milionários do mundo no período, com 155% de aumento.
A austeridade não
atinge os bancos e os milionários. Nem passa pela cabeça do austero Joaquim
Levy diminuir a taxa de juros para estacar a sangria de recursos para pagamento
da dívida, muito menos realizar a auditoria demandada na Constituição de 1988.
Causou arrepios a todos os defensores da austeridade a proposta que defendi na
campanha eleitoral de regulamentar o Imposto sobre Grande Fortunas ou acabar
com os privilégios tributários dos bancos e especuladores. A casta parasitária,
que nada produz e só vive dos ganhos financeiros, não perde a oportunidade de
defender o arrocho mas não quer nem discutir a hipótese de taxar os milionários
e atingir a cleptocracia dos banqueiros e seus aliados: os políticos do sistema
e os grandes meios de comunicação que reproduzem, sem contraponto, o discurso
dos mercados.
Me chamam de radical.
Pois sou mesmo. Quero ir à raiz dos problemas, às suas causas. Sou Syriza, e
não é de hoje.
===============
Leia também: Carta ao primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras