Adriano Benayon * - 29.06.2015
Dei ao artigo anterior o título “Crescimento
do Subdesenvolvimento" [veja aqui]. Só posso atribuir à desinformação o fato
de tanta gente crer em desenvolvimento do Brasil, após 1954, e,
mais ainda, continuar-se, até hoje, a falar de modelo de desenvolvimento
e de retomada do desenvolvimento, como se ele tivesse existido nestes 60 anos.
2. É a velha confusão entre os dois termos. Para
dizer se um país se desenvolve ou não, basta olhar as estatísticas de
crescimento e verificar se taxas expressivas de incremento se mantiveram
ininterruptamente durante longos períodos, pelo menos de 25 anos.
3. Isso jamais ocorreu no Brasil. Nos últimos 60 anos, os únicos
períodos com taxas reais ininterruptas acima de 7% foram 1968/1974 (sete
anos) e 1957/1961 (cinco anos).
4. Taxas baixíssimas verificaram-se em 1956; 1963/1965;
1981/1983 (taxa média negativa); 1988/1990 (taxa média negativa);
1996/1999; 2000/2003; 2009/2014, com um único ano (2010) apresentando 7,5%
positivos.
5. Esse lastimável quadro – e seria ainda pior se os dados
fossem os mais relevantes (PNB em vez de PIB) comprova o desastre que é o
modelo dependente, pois uma gestão apenas regular teria conduzido a resultados
incomparavelmente superiores, compatíveis com os prodigiosos recursos naturais
do País.
6. Evidente, portanto, que esse modelo, caracterizado pela
crescente ocupação pelo capital estrangeiro de todos os setores da
economia, formou péssimas estrutura e infraestrutura.
7. A lavagem cerebral faz acadêmicos e jornalistas, da direita à
esquerda, se regozijarem com os “investimentos” estrangeiros por os julgarem
indicadores da vitalidade econômica do País, pensando que se trata de
investimentos reais.
8. Ignoram ou fingem ignorar que esses “investimentos” provêm,
na maior parte, de subsídios públicos e que, em razão das transferências das
subsidiárias das transnacionais às suas matrizes, acarretam pesadas perdas
líquidas de capital para o País.
9. Na realidade, o valor das remessas de recursos materiais e
financeiros ao exterior constituem grandes múltiplos da entrada efetiva de
capitais estrangeiros, devido não só às saídas pela conta de lucros e
dividendos, mas, mais ainda, por outras contas do balanço de transações
correntes, notadamente através do superfaturamento de importações e do
subfaturamento de exportações, além do pagamento de serviços superfaturados e
até fictícios.
10. Ora, os governos que se sucederam no Brasil têm tido por
prioridade máxima manter as boas graças do sistema financeiro mundial, sem as
quais creem que sofreriam retaliações financeiras insuportáveis.
11. Acuada pela hostilidade dos demais poderes de Estado e de
outras instituições, ademais da dos meios de comunicação social – a atual
presidente - viu-se obrigada, diante das crises fiscal e externa, a
adotar políticas que degradarão ainda mais a situação econômica e financeira do
País.
12. Se não o fizesse, o País perderia o “investment
grade”, ou seja, a avaliação das agências de risco de crédito faria
cortar o crédito por parte de instituições financeiras e investidores
estrangeiros.
13. Mas manter o grau de investimento para quê? Isso significa
para o Brasil apenas continuar recebendo grande fluxo de capitais,
como acontece há muito tempo, com o único efeito de desnacionalizar,
desindustrializar e deteriorar sua economia.
14. Desde os anos 80, o percentual da indústria de
transformação no PIB caiu de 33% para 11,5%. Ou seja: a
desindustrialização fez-se notar, cerca de 25 anos após o início da
desnacionalização em grande escala, e tornou-se aguda, a partir do
momento em que esta foi acelerada.
15. Como mostrei no artigo anterior, as crises
econômico-financeiras no Brasil são recorrentes, por terem causa estrutural, e
é justamente a estrutura econômica que costuma ser deteriorada em
consequência da política econômica que se diz anticrise.
16. Então, que fazer? Eliminar as causas do mal, em
vez de aumentar a dose dos “remédios” que sempre foram aplicados com
péssimos resultados.
17. Para sobreviver como País, é imprescindível construir uma
economia competitiva, o que exige sua nacionalização, pois o interesse das
transnacionais é importar matérias-primas essenciais, a preço vil, e transferir
ao exterior lucros estupendos, além de monopolizar o controle da tecnologia,
inviabilizando o desenvolvimento de tecnologias que pudessem competir com
aquelas de que são proprietárias.
18. São indispensáveis infraestruturas de energia,
transportes e comunicações baseadas em recursos naturais e tecnológicos locais,
voltadas para propiciar custos baixos para a indústria e demais setores
de uma economia nacional integrada, muito diferente da atual, construída em
função de interesses estrangeiros.
19. A economia deve ter espaços abertos a empresas
privadas - médias e pequenas - e grandes estatais, inclusive na
área financeira. Emissões monetárias do Tesouro e títulos públicos com
juros baixos assegurarão baixo custo para os recursos financeiros aplicados na
produção de bens e serviços. Entre as prioridades, investimentos nas
Forças Armadas, especialmente em seus projetos de elevado conteúdo tecnológico.
20. Além de recrutar e financiar profissionais brasileiros
para reconstituir o setor privado nacional desconcentrado e para empregá-los em
estatais, o Brasil poderia importar engenheiros e técnicos de países com forte
base industrial, atualmente assolados pela depressão econômica.
21. É evidente que tudo isso é intolerável para o sistema
imperial e acarretaria sanções econômicas contra o Brasil, mas elas
não nos causariam mal.
22. O Brasil só tema ganhar buscando o desenvolvimento no quadro
de um modelo relativamente autárquico, podendo formar espaço de maior
dimensão econômica em associação com a Argentina, e intensificar a
cooperação com membros do BRICS, excluída a relação em moldes
centro-periferia.
23. A história política e econômica subsequente ao golpe de 1954
mostra continuidade – velada pelas diferenças formais e
ideológicas dos diversos regimes e governos – caracterizada pela
consolidação e aumento, a cada etapa, da desnacionalização e do
enfraquecimento estrutural da economia, juntamente com o incremento da
submissão política às imposições imperiais.
24. O capitalismo levou a economia e as finanças a espantoso
grau de concentração, o que foi realizado, infringindo as regras – em geral
frágeis, devido à força política dos concentradores - instituídas por
alguns Estados para que o sistema guardasse alguma semelhança com o
modelo favorável à economia de mercado e à concorrência.
25. Entre os meios usados pelos carteis estão as fraudes, o uso
de advogados especializados em encontrar brechas na legislação, e a própria
corrupção de autoridades públicas e no seio de concorrentes.
26. É mais um sinal da deterioração e do enfraquecimento do
sistema político no Brasil que um juiz de Vara federal no Paraná esteja
cerceando, seletiva e amiúde injustificadamente, o que resta de empresas
nacionais de grande porte, dotadas de tecnologias competitivas, e prejudicando
atividades da Petrobrás.
27. O mesmo é demonstrado pela urgência concedida para a
tramitação do projeto do senador José Serra que atende as reivindicações das
companhias estrangeiras de petróleo, interessadas nas fabulosas reservas
descobertas pela Petrobrás, tal como ele prometera ao Embaixador dos EUA,
conforme revelações do Wikileaks.
28. No mesmo sentido, a intervenção do Banco Central podadora da
capacidade de investimento da Petrobrás, impedindo o BNDES de
financiá-la: medida reprovável, coerente com a tradição do BACEN, hostil às
atividades produtivas, e determinante do eterno desequilíbrio das contas
públicas, através da política de juros exorbitantes.
29. Também, atitudes do Executivo, como a de Petrobras ter
posto à venda, para serem desnacionalizados, 49% das ações da subsidiaria
Gaspetro, que participa em 19 distribuidoras estaduais de gás natural. A venda
é conduzida pelo Itaú-BBA, que estaria convidando as japonesas Mitsui,
Marubeni e Itochu, a chinesa Beijing Gas, a franco-belga GDF Suez e a espanhola
Gás Natural.
30. Em suma, a experiência histórica, de séculos, demonstra que
quanto mais os países periféricos ricos em recursos naturais, cedem às
imposições imperiais, mais ficam enfraquecidos e empobrecidos. Portanto, ou o
Brasil toma rumo muito diferente do dos últimos 61 anos, ou o destino de seu
povo será de lastimar.
* - Adriano Benayon é doutor em
economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.