Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 11 de julho de 2015

O impeachment anunciado, as últimas chances para virar o jogo e as perspectivas do Day After

Sábado, 11 de junho de 2015
Do blog Náufrago da Utopia
É hora de assinar a exoneração. Ou vão morrer abraçados.
Por Celso Lungaretti
Lendo um inimigo inteligente ou um independente que sabe das coisas, acabamos aprendendo algo e sendo compelidos a raciocinar sobre aspectos que ainda não nos haviam chamado a atenção.
 
Lendo boa parte dos articulistas de esquerda, hoje só nos deparamos com proselitismo, não com reflexão. Então, para os que sabemos e queremos pensar por nossas próprias cabeças, de nada nos servem. Destinam-se aos eternos liderados, Marias vão com as outras que não deveriam existir do nosso lado, mas hoje brotam como cogumelos. [Que saudades de 1968, quando o pensamento crítico era cultuado e praticado pela esquerda!!!]
 
Roberto Campos, p. ex., era direitista convicto e tinha uma das mentes políticas mais argutas e brilhantes do Brasil. Acompanhar sua coluna dominical era obrigatório para quem participava dos embates daquele tempo, pois assim ficava conhecendo a argumentação do melhor dos adversários, ponto de partida para a conseguir refutar quando tal desafio se apresentasse. Já tico-ticos como o Reinaldo Azevedo e o Olavo de Carvalho não oferecem ameaça nenhuma, seus simplismos e tiradas demagógicas são previsíveis e facílimos de reduzirmos a pó.
Enfim, reproduzo mais uma vez um artigo do Demétrio Magnoli, um schoolar cujo modelo de sociedade almejado está muito distante do meu, mas cujas análises de conjuntura são das mais perspicazes.
 
P. ex., ele constata o fracasso anunciado de Joaquim Levy, e aqui vale lembrar que fui um dos únicos analistas de esquerda a, desde o primeiro momento, não só repudiar sua ortodoxia econômica, mas também caracterizá-lo como pertencente à segunda divisão do neoliberalismo, Chicago-boy por convicção e Chicago-office-boy por qualificação...
 
Aliás, há poucas semanas li que é exatamente esta a avaliação que dele fazem os grandes capitalistas: adota a ortodoxia que a eles convém, mas não tem competência técnica para fazê-la dar certo.
 
Também concordo com o Magnoli quanto ao primarismo da posição assumida pela Dilma, de tentar desacreditar a Operação Lava-Jato com uma retórica confusa, inconvincente e que, ainda por cima, ofende os veteranos da luta contra a ditadura, ao comparar-nos com a corja repulsiva de corruptos que recorrem à delação premiada para salvarem o pescoço.
E ele está certíssimo ao constatar que a agonia lenta de Dilma mina o futuro do PT e da própria esquerda (pois o cidadão comum tende a enxergar esses dois universos como um só). Mantendo-se teimosamente no rumo atual, quanto mais durar no cargo, mais execrável tornará a nossa imagem e maiores dificuldades acrescentará ao trabalho de reconstrução da esquerda que teremos de empreender depois do vendaval.
 
Discordo, contudo, do Magnoli quanto à sua visão negativa de uma eventual ruptura de Dilma com o Levy. Se der um bico na política de austeridade imposta pelo grande capital e cair nos braços do povo, ela embaralhará um jogo que, por ora, desemboca na sua destituição. Aí, vai abrir-se um novo leque de possibilidades, podendo até recuperar seu prestígio. Por que não convocar um referendo sobre o ajuste fiscal, seguindo as pegadas do Syriza?
 
Então, haveria uma luta de verdade para ser lutada, e desta a esquerda participaria com entusiasmo. No fim da linha, mesmo que Dilma não conseguisse salvar seu mandato, pelo menos o teria perdido travando o bom combate, não como serviçal dos empresários soltos que exigem o arrocho fiscal e aliada dos empresários presos que tentam desmoralizar a luta contra a corrupção porque ela finalmente os alcançou.
 
Enfim, leiam o artigo abaixo, Coordenadas do impeachment, e tirem suas conclusões. Livre pensar é só pensar...
 
 
A determinação da posição geográfica solicita duas coordenadas. A decisão do impeachment, três: a vontade popular, o fato jurídico e um consenso da elite política. A primeira existe desde as manifestações de 15 de março. A segunda esboçou-se mais tarde, com a impugnação das "pedaladas fiscais" e, sob outra forma, com a delação premiada de Ricardo Pessoa. A terceira desenha-se aos poucos, como fruto do colapso do ajuste fiscal.
 
Dilma Rousseff pendurou o destino de seu governo no varal do sucesso de Joaquim Levy. O varal caiu. De uma promessa de superávit de 1,2% do PIB, não se fará mais que metade. A marcha batida do desemprego e da erosão dos salários pulverizou a legitimidade social da presidente. O empresariado queima as pontes com o Planalto. O PMDB ensaia saltar da nau que faz água. O fracasso de Levy é um dobre de finados. Todas as forças políticas reposicionam-se a partir desse diagnóstico, a começar do próprio governo.
 
Nos EUA, pela primeira vez, Dilma bombardeou a Lava Jato, sugerindo que os juízes, os procuradores e os delegados violam as leis da democracia, torturando os acusados para obter delações. É um giro retórico tão marcante quanto a reviravolta na política econômica. A presidente, que se gabava de patrocinar o combate à corrupção, incorporou as fórmulas discursivas dos porta-vozes informais de Lula na imprensa legítima e na "imprensa" chapa-branca financiada com dinheiro público.
A tática, filha do desespero, obedece a uma lógica. Diante do surgimento de fatos jurídicos que propiciam o impeachment, Dilma dá um passo à frente e apresenta-se como aliada de todos os que temem as investigações, especialmente Lula, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. Contudo, como o Brasil não é a Venezuela, ninguém acredita que uma presidente desmoralizada tenha meios para cortar as pernas da Procuradoria e do Judiciário. Nessas circunstâncias, o expediente volta-se contra Dilma, expondo-a como parceira das máfias políticas que colonizaram a República.
 
Paralelamente, Tarso Genro articula com os "movimentos sociais" e setores do PSOL a formação de uma Frente de Esquerda. A iniciativa é uma resposta à crise do lulopetismo e à anunciada ruptura da aliança entre PT e PMDB. No cenário pós-Dilma, pretende funcionar como núcleo de reagrupamento político e oferecer uma plataforma eleitoral ao ex-presidente. Desde já, porém, ao reativar a campanha do "Fora, Levy!", a Frente de Esquerda tende a descosturar a teia frágil que ainda interliga o Planalto ao PT.
 
Lula, que ainda é um fator, perdeu o prumo e o rumo. Como biruta de aeroporto, depois de apostar no ajuste fiscal, ameaçou chamar o fantasmagórico "exército de Stedile", mas extinguiu a chama da revolta no Congresso do PT e, na sequência, estimulou o movimento da Frente de Esquerda, mas ensaiou uma reaproximação com o PMDB. 
Agora, conclama Dilma a entrar em guerra aberta com a Lava Jato e "encostar a cabeça no ombro do povo", senha óbvia para, sacrificando Levy, empreender um novo giro de política econômica. Se a presidente der ouvidos ao antigo mestre, engajando-se na aventura, precipitará o desenlace que tenta evitar.
 
O impeachment não está sendo feito pelos partidos de oposição, mas pela progressiva desconstrução da coalizão governista. O PSDB opera no compasso da prudência, oscilando entre os horizontes de um governo transitório de Michel Temer e do chamado a eleições presidenciais antecipadas.
 
Paradoxalmente, a interrupção do mandato de Dilma pode revelar-se a saída menos desastrosa para Lula. Nessa hipótese, o ex-presidente e seus áulicos esperneariam em público, difundindo a lenda do "golpe das elites", mas festejariam à luz de velas. Sem as lições dos três anos de apodrecimento derradeiro, a história ficaria suficientemente inconclusa para oferecer uma chance de restauração ao lulopetismo. (Demétrio Magnoli)