Do blog Náufrago da Utopia
É hora de assinar a exoneração. Ou vão morrer abraçados. |
Lendo
um inimigo inteligente ou um independente que sabe das coisas, acabamos
aprendendo algo e sendo compelidos a raciocinar sobre aspectos que
ainda não nos haviam chamado a atenção.
Lendo
boa parte dos articulistas de esquerda, hoje só nos deparamos com
proselitismo, não com reflexão. Então, para os que sabemos e queremos
pensar por nossas próprias cabeças, de nada nos servem. Destinam-se aos
eternos liderados, Marias vão com as outras que não deveriam
existir do nosso lado, mas hoje brotam como cogumelos. [Que saudades de
1968, quando o pensamento crítico era cultuado e praticado pela
esquerda!!!]
Roberto
Campos, p. ex., era direitista convicto e tinha uma das mentes
políticas mais argutas e brilhantes do Brasil. Acompanhar sua coluna
dominical era obrigatório para quem participava dos embates daquele
tempo, pois assim ficava conhecendo a argumentação do melhor dos
adversários, ponto de partida para a conseguir refutar quando tal
desafio se apresentasse. Já tico-ticos como o Reinaldo Azevedo e o Olavo
de Carvalho não oferecem ameaça nenhuma, seus simplismos e tiradas
demagógicas são previsíveis e facílimos de reduzirmos a pó.
Enfim, reproduzo mais uma vez um artigo do Demétrio Magnoli, um schoolar cujo modelo de sociedade almejado está muito distante do meu, mas cujas análises de conjuntura são das mais perspicazes.
P.
ex., ele constata o fracasso anunciado de Joaquim Levy, e aqui vale
lembrar que fui um dos únicos analistas de esquerda a, desde o primeiro
momento, não só repudiar sua ortodoxia econômica, mas também
caracterizá-lo como pertencente à segunda divisão do neoliberalismo, Chicago-boy por convicção e Chicago-office-boy por qualificação...
Aliás,
há poucas semanas li que é exatamente esta a avaliação que dele fazem
os grandes capitalistas: adota a ortodoxia que a eles convém, mas não
tem competência técnica para fazê-la dar certo.
Também
concordo com o Magnoli quanto ao primarismo da posição assumida pela
Dilma, de tentar desacreditar a Operação Lava-Jato com uma retórica
confusa, inconvincente e que, ainda por cima, ofende os veteranos da
luta contra a ditadura, ao comparar-nos com a corja repulsiva de
corruptos que recorrem à delação premiada para salvarem o pescoço.
E ele
está certíssimo ao constatar que a agonia lenta de Dilma mina o futuro
do PT e da própria esquerda (pois o cidadão comum tende a enxergar esses
dois universos como um só). Mantendo-se teimosamente no rumo atual,
quanto mais durar no cargo, mais execrável tornará a nossa imagem e
maiores dificuldades acrescentará ao trabalho de reconstrução da
esquerda que teremos de empreender depois do vendaval.
Discordo,
contudo, do Magnoli quanto à sua visão negativa de uma eventual ruptura
de Dilma com o Levy. Se der um bico na política de austeridade imposta
pelo grande capital e cair nos braços do povo, ela embaralhará um jogo
que, por ora, desemboca na sua destituição. Aí, vai abrir-se um novo
leque de possibilidades, podendo até recuperar seu prestígio. Por que
não convocar um referendo sobre o ajuste fiscal, seguindo as pegadas do
Syriza?
Então,
haveria uma luta de verdade para ser lutada, e desta a esquerda
participaria com entusiasmo. No fim da linha, mesmo que Dilma não
conseguisse salvar seu mandato, pelo menos o teria perdido travando o
bom combate, não como serviçal dos empresários soltos que exigem o
arrocho fiscal e aliada dos empresários presos que tentam desmoralizar a
luta contra a corrupção porque ela finalmente os alcançou.
Enfim, leiam o artigo abaixo, Coordenadas do impeachment, e tirem suas conclusões. Livre pensar é só pensar...
A
determinação da posição geográfica solicita duas coordenadas. A decisão
do impeachment, três: a vontade popular, o fato jurídico e um consenso
da elite política. A primeira existe desde as manifestações de 15 de
março. A segunda esboçou-se mais tarde, com a impugnação das "pedaladas
fiscais" e, sob outra forma, com a delação premiada de Ricardo Pessoa. A
terceira desenha-se aos poucos, como fruto do colapso do ajuste fiscal.
Dilma Rousseff pendurou o destino de seu governo no varal do sucesso de
Joaquim Levy. O varal caiu. De uma promessa de superávit de 1,2% do PIB,
não se fará mais que metade. A marcha batida do desemprego e da erosão
dos salários pulverizou a legitimidade social da presidente. O
empresariado queima as pontes com o Planalto. O PMDB ensaia saltar da
nau que faz água. O fracasso de Levy é um dobre de finados. Todas as
forças políticas reposicionam-se a partir desse diagnóstico, a começar
do próprio governo.
Nos EUA, pela primeira vez, Dilma bombardeou a Lava Jato, sugerindo que
os juízes, os procuradores e os delegados violam as leis da democracia,
torturando os acusados para obter delações. É um giro retórico tão
marcante quanto a reviravolta na política econômica. A presidente, que
se gabava de patrocinar o combate à corrupção, incorporou as fórmulas
discursivas dos porta-vozes informais de Lula na imprensa legítima e na
"imprensa" chapa-branca financiada com dinheiro público.
A tática, filha do desespero, obedece a uma lógica. Diante do surgimento
de fatos jurídicos que propiciam o impeachment, Dilma dá um passo à
frente e apresenta-se como aliada de todos os que temem as
investigações, especialmente Lula, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.
Contudo, como o Brasil não é a Venezuela, ninguém acredita que uma
presidente desmoralizada tenha meios para cortar as pernas da
Procuradoria e do Judiciário. Nessas circunstâncias, o expediente
volta-se contra Dilma, expondo-a como parceira das máfias políticas que
colonizaram a República.
Paralelamente, Tarso Genro articula com os "movimentos sociais" e
setores do PSOL a formação de uma Frente de Esquerda. A iniciativa é uma
resposta à crise do lulopetismo e à anunciada ruptura da aliança entre
PT e PMDB. No cenário pós-Dilma, pretende funcionar como núcleo de
reagrupamento político e oferecer uma plataforma eleitoral ao
ex-presidente. Desde já, porém, ao reativar a campanha do "Fora, Levy!",
a Frente de Esquerda tende a descosturar a teia frágil que ainda
interliga o Planalto ao PT.
Lula, que ainda é um fator, perdeu o prumo e o rumo. Como biruta de
aeroporto, depois de apostar no ajuste fiscal, ameaçou chamar o
fantasmagórico "exército de Stedile", mas extinguiu a chama da revolta
no Congresso do PT e, na sequência, estimulou o movimento da Frente de
Esquerda, mas ensaiou uma reaproximação com o PMDB.
Agora, conclama Dilma a entrar em guerra aberta com a Lava Jato e
"encostar a cabeça no ombro do povo", senha óbvia para, sacrificando
Levy, empreender um novo giro de política econômica. Se a presidente der
ouvidos ao antigo mestre, engajando-se na aventura, precipitará o
desenlace que tenta evitar.
O impeachment não está sendo feito pelos partidos de oposição, mas pela
progressiva desconstrução da coalizão governista. O PSDB opera no
compasso da prudência, oscilando entre os horizontes de um governo
transitório de Michel Temer e do chamado a eleições presidenciais
antecipadas.
Paradoxalmente, a interrupção do mandato de Dilma pode revelar-se a
saída menos desastrosa para Lula. Nessa hipótese, o ex-presidente e seus
áulicos esperneariam em público, difundindo a lenda do "golpe das
elites", mas festejariam à luz de velas. Sem as lições dos três anos de
apodrecimento derradeiro, a história ficaria suficientemente inconclusa
para oferecer uma chance de restauração ao lulopetismo. (Demétrio Magnoli)