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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 4 de março de 2020

Petrobrás: a gigante brasileira e a história que deveríamos contar

Quarta, 4 de março de 2020
Por
Patrícia Laier*

03 Março 2020

Ainda há muitos que sofrem da síndrome do vira-latas

Editorial do jornal O Globo, feito sob encomenda para atacar a Petrobrás estatal, começa falando que na década de 70 a Petrobrás não teria dinheiro para explorar a Bacia de Campos e chora pitangas pelo fato das multinacionais estrangeiras não poderem fazê-lo à época.

Muitas informações que não constam do editorial de O Globo sobre exploração e produção de petróleo offshore (no mar) naquela época: o gigantesco e caro esforço exploratório que a Petrobrás vinha fazendo no mar nos anos 70, descobrindo Guaricema na parte marítima da bacia de Sergipe-Alagoas em 1968, antes mesmo da primeira descoberta no Mar do Norte com Ekofisk em 1969.

Mas a Petrobrás não ficou apenas no Nordeste do Brasil, no Sudeste, na Bacia de Campos a Petrobrás perfurou 8 poços até que, com o pioneiro 1-RJS-9, descobriu em 1974 seu primeiro campo em água rasa, Garoupa. Será que face aos 8 insucessos uma multinacional teria perseverado?

Registre-se que água rasa e água profunda eram conceitos relativos à época. E para se ter uma ideia do montante envolvido para desenvolver uma nova província offshore, voltemos ao Mar do Norte como exemplo, pois entre 1969-1975 foram gastos US$ 11 bilhões a mais do que os EUA gastaram para mandar o homem à lua, segundo a revista Time (Oil: High Costs, High Stakes at The North Sea).

Portanto se de fato tivesse faltado dinheiro para explorar não teria sido nenhuma vergonha. Mas na verdade não foi bem assim. E até o Tio Sam reconhecia o empenho da Petrobrás em explorar e produzir petróleo. O famoso relatório Nehring, feito em 1978, para a CIA, trazendo um relato dos campos gigantes de petróleo descobertos no mundo até o final de 1975, traz na página 112 um reconhecimento do esforço exploratório intenso e vultoso que a Petrobrás vinha fazendo naqueles 25 anos após sua criação.

Os espiões acreditavam que nosso primeiro campo gigante ainda estava para ser descoberto com a perfuração das futuras extensões do poço descobridor de Namorado que eles acreditavam possuir reservas de 400 a 440 milhões de barris de petróleo. Mal sabiam eles que nós já havíamos descoberto nosso primeiro gigante na parte terrestre da Bacia de Sergipe-Alagoas com Carmópolis, em 1963. Os técnicos da Petrobrás haviam divergido do pessimismo do Relatório Link e feito uma revisão que deu origem ao nosso primeiro gigante.

A pressão econômica em cima dos militares era enorme pois ao final da década, após o primeiro choque do petróleo em 1973, as importações de petróleo respondiam por um quinto da dívida externa. Com o aumento do consumo devido ao desenvolvimento da indústria automotiva e ao milagre econômico de Médici que encheu o Brasil de autoestradas e carros, apesar de todos os esforços da Petrobrás, produzíamos apenas um quinto do que consumíamos (cerca de 200 mil barris para 1 milhão).

Os contratos de serviço com cláusula de risco foram autorizados por Geisel em outubro de 1975, apenas para a exploração de petróleo e gás (i.e. as companhias estrangeiras não seriam donas das eventuais reservas que viessem a descobrir) e assinados com as principais multinacionais estrangeiras de petróleo e gás. No livro comemorativo dos 50 anos da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, a AEPET, o ex-presidente da entidade Fernando Siqueira faz um resumo do resultado da vigência dos contratos de risco: “Durante a vigência dos contratos de risco, 243 contratos foram assinados com 35 das maiores e mais experientes empresas internacionais. Estas dispuseram, por força de diretriz superior, de 85% do total das áreas com rochas sedimentares passíveis de conter petróleo. Tais áreas, postas em licitação, foram divididas e subdivididas em áreas ou blocos, oferecidos com todas as informações geológicas e geofísicas até então coletadas pela Petrobrás”.

Ressalta-se aqui que a Bacia de Santos, onde o Pré-Sal foi descoberto em 2006 pela Petrobrás, ficou com as multinacionais estrangeiras no período da vigência dos contratos de risco (1975-1987). E tudo o que elas descobriram foi o campo de gás de Merluza (1979/Pecten, Shell) no pós-sal (http://www.searchanddiscovery.com/…/in…/abstracts/enciso.htm).

A Bacia de Campos foi resguardada pelos militares mas, com o segundo choque do petróleo no final da década de 70, a Revolução Islâmica no Irã (uma reação ao golpe de estado militar promovido em 1953 por EUA a pedido do Reino Unido após o primeiro ministro democraticamente eleito em 1951, Mohammed Mossadeg nacionalizar o petróleo iraniano), as multinacionais voltaram à carga querendo a Bacia de Campos. Com a nacionalização das reservas e produção em muitos países produtores, as multinacionais estrangeiras (7 irmãs) tinham perdido importantes reservas e produção que passaram aos seus legítimos donos, as populações dos países em que elas ocorriam.

Em 29 de dezembro de 1979 (entre Natal e Ano Novo, época ideal para passar despercebido?!), o coronel César Cals que era ministro de Minas e Energia enviou um telegrama à direção da Petrobrás dizendo falar em nome do presidente, o general Figueiredo, onde ordenava a entrega às multinacionais de todas as áreas que as multinacionais estrangeiras quisessem. Novamente recorremos a Fernando Siqueira, que transcreveu o telegrama em suas memórias: “Conforme nossos entendimentos telefônicos retransmito teor meu despacho ontem com exmo. Senhor presidente República a respeito adaptações devem ser feitas nos modelos contrato risco estão sendo celebrados pela Petrobrás. Informo-lhe que senhor presidente aprovou referidas modificações. Para alcançar maior cooperação da iniciativa privada na prospecção de petróleo, propomos as seguintes modificações:

1 – Delimitar a área atual de prospecção que a Petrobrás está realizando, com recursos próprios e abrir demais áreas para a iniciativa privada.(…)

2 – Oferecer às empresas privadas a possibilidade de ter acesso a bacias inteiras, inclusive proporcionando-lhes toda a informação geológica necessária sobre a área total das bacias, para que possam ser escolhidos os blocos que interessam a cada empresa.

3 – A participação da empresa contratante na fase de produção, como é de praxe internacional.

Naturalmente, a Petrobrás exercerá a adequada fiscalização.

4 – Decisão conjunta sobre o nível comercial da reserva descoberta pela pesquisa objeto do contrato de risco.

5 – Garantia de reembolso e/ou remuneração em moeda estrangeira, com registro do contrato no Banco Central do Brasil.

6 – Admitir que parte da remuneração seja feita em petróleo, ressalvando os interesses nacionais em caso de crise.

7 – Estimular a participação de pequena e média empresa nacional, que poderiam, sob a forma de consórcio, ser contratadas, até mesmo, com assistência técnica da Petrobrás.

César Cals – ministro das Minas e Energia”.

O diretor de Exploração que recebeu o telegrama foi Carlos Walter Marinho Campos, o homem que comandou a ida para o mar, e revoltado com o entreguismo da ordem de seus superiores hierárquicos, ele chamou em sua sala o geólogo Francisco Celso Ponte, que além de brilhante técnico da companhia e gerente de Exploração, era também o presidente da Sociedade Brasileira de Geologia, a SBG, e pediu ajuda para evitar o que seria uma tragédia para a Petrobrás. Celso Ponte por sua vez confidenciou o problema ao amigo e geólogo Frederico Pereira Laier, que sugeriu o senador de Alagoas, Teotônio Vilela, o pai, como interlocutor.

Os geólogos conseguiram contato telefônico com Teotônio na sexta-feira 11 de abril de 1980. Após ouvir a explicação por telefone, Teotônio vendo a gravidade dos fatos decidiu vir ao Rio de Janeiro no sábado 12 para encontrar pessoalmente com os geólogos. E assim fizeram.

Teotônio partiu rumo a Brasília levando extenso dossiê preparado por Celso Ponte que provava que a Petrobrás já havia iniciado os estudos para perfuração nas “águas profundas” da Bacia de Campos.

No dia 14 de abril de 1980, Teotônio pediu a palavra e apresentou a denúncia no Congresso Nacional: através de um telegrama, César Cals e Figueiredo, estavam passando por cima do Congresso Nacional e entregando nossas riquezas aos estrangeiros. Acalorado debate se seguiu entre os senadores dentre os quais tínhamos nacionalistas e entreguistas.

Na manhã seguinte, o jornal carioca A Tribuna da Imprensa do jornalista Hélio Fernandes trazia a manchete “Teotônio convoca os militares para conter César Cals”. E os militares nacionalistas vieram: o general Andrada Serpa, na época comandante do Departamento Geral de Pessoal do Exército, e o general Ernani Ayrosa. Ambos vinham criticando os rumos da economia no governo Figueiredo. Andrada Serpa foi um mártir desta batalha em defesa do país, pois em função de um discurso nacionalista que ele proferiu onde defendia a Petrobrás, foi afastado do cargo por telefone ainda naquela semana. O motivo oficial alegado foi “não o que falou, mas porquê falou”. Em resumo: na ditadura, nem mesmo militar de alta patente podia se expressar livremente.

No meio civil também houve imensa repercussão e os partidos recém reorganizados se apressaram a defender tanto a Petrobrás, quanto o general Andrada Serpa.

Infelizmente esta história não está contada em quase nenhum lugar. É como se não quisessem que soubéssemos. Há até uma biografia de Teotônio que menciona a Petrobrás, mas não o episódio. Mas é primordial saber o que o país poderia ter perdido.

Em 1984 a Petrobrás descobriu o primeiro gigante do pós-sal da Bacia de Campos, o campo de Albacora. Em 1985 descobriu o segundo gigante, Marlim. Em 1986 foi a vez de Albacora Leste e em 1987 de Marlim Sul e Marlim Leste. Marlim e Albacora foram desenvolvidos primeiro. E em 2000 Marlim era citado como um dos poucos campos gigantes mundiais que produzia cerca de 500 mil barris por dia. Albacora Leste, Marlim Leste e Marlim Sul foram desenvolvidos depois.

E não seria impossível que se Lula não tivesse ganho em 2002 toda esta riqueza tivesse sido entregue às multinacionais estrangeiras. FHC vinha preparando a Petrobrás pra ser privatizada através da criação das unidades de negócio. Havia sido criada a UO-RIO em 2000 e o desenvolvimento da produção dos gigantes do pós-sal Albacora Leste, Marlim Leste, Marlim Sul, Barracuda-Caratinga e Roncador estavam sob a responsabilidade desta unidade. Para Macaé, tinham deixado Marlim e Albacora e outros campos menores.
O que teríamos perdido se as águas profundas da Bacia de Campos tivessem sido entregues às multinacionais é passível de ser calculado. Somos grandes consumidores de petróleo e foi a Bacia de Campos que nos trouxe a autossuficiência em abril de 2006 quando a plataforma P-50 entrou em operação em Albacora Leste, e que com a entrada de novas unidades em produção em outros campos, destacando-se Roncador, nos manteve até 2014, quando o Pré-Sal começou de fato a entrar em produção de forma mais intensa e a bater sucessivos recordes.

Enquanto isto repórteres do grupo empresarial deste mesmo jornal duvidavam do Pré-Sal. Qual a desculpa para não se informarem corretamente se a Petrobrás publicava mensalmente a produção de petróleo da empresa enquanto operadora e concessionária no Brasil, no exterior, no pós-sal e no pré-sal? Talvez ideologia?

A defesa da Pátria, a defesa das riquezas nacionais, e a defesa da geração e repartição de riquezas para beneficiar toda a sociedade brasileira deveriam ser caros a todos os brasileiros independentemente de sua ideologia. Mas infelizmente não é o que se vê. Ainda há muitos que sofrem da síndrome do vira-latas e tudo o que conseguem almejar é um apartamento em Miami ou Orlando e um Greencard.

Patrícia Laier – Diretora de Formação Política e Sindical do Sindipetro-RJ, filiado à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP); Conselheira da AEPET; Geóloga (UERJ) e Jornalista (UFF)