Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O Brasil está tutelado pelas Forças Armadas

Terça, 3 de novembro de 2020


Por Salin Siddartha*

Aqueles que defendem um golpe militar no Brasil comumente argumentam que nossa sociedade não se vê mais representada nas organizações partidárias. Por trás desse raciocínio, esconde-se a concepção de que elas podem substituir a função de um partido político, atuando como tal na História brasileira.

O Brasil está tutelado pelas Forças Armadas. Mesmo após ter sido extinta a Ditadura, a tutela política controla indiretamente o poder de Estado, vigiando os que legalmente o exercem, considerando os tutelados como incapazes de ser responsáveis pelos seus atos. É uma intromissão informal discreta, mas sempre assentada em relatórios, entrevistas dadas à imprensa, comentários praticados internamente, observações em palestras e atividades nas Escolas Militares, assim como nos círculos fechados do Ministério da Defesa. Elas passaram a tutelar o País mais ainda a partir do Governo Michel Temer.

Os militares, de fato, atuam como um verdadeiro “partido militar” que faz parte do jogo político e tutela o País. Exercem, na prática, essa função porque, tais quais os partidos políticos, têm unidade ideológica, programática e corporativa, tomam posição conjunta, pleiteiam que suas opiniões sejam majoritárias na população, disputam posições políticas com outros segmentos, dão opinião tanto sobre decisões de governo quanto a respeito da oposição e tentam passar uma suposta superioridade intelectual e estratégica. Não são os únicos a exercerem esse papel extrapartidário, porém, com certeza, são os de maior peso institucional. Se assim não fosse, não teriam conspirado tantas vezes, e com tanto sucesso, como o fizeram ao longo de nossa História, especialmente durante a Ditadura.

Definindo-se preferencialmente por um presidencialismo forte, as Forças Armadas agem nos marcos de um modelo de unidade político-ideológica que considera o subdesenvolvimento como o resultante de um precário crescimento do capitalismo em nossa região. Para elas, as forças de mercado tem de determinar a direção do desenvolvimento; desse modo, creem que, simplesmente respondendo aos sinais do capital financeiro internacional, o desenvolvimento, na América do Sul deve ser dependente dos Estados Unidos, como nação hegemônica na geopolítica do hemisfério. E priorizam os Objetivos Nacionais Permanentes e Atuais às necessidades da população, alienando a participação popular no projeto de desenvolvimento. Se novamente os militares voltassem a ocupar o poder, o regime deles definiria o Poder Econômico da Nação unindo o setor público com a empresa privada, buscando obter o máximo desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indispensável.

O projeto que lhes une ideologicamente é um planejamento que busca incrementar a homogeneidade de pensamento na interação orgânica entre a farda e os grandes empresários. Inclusive, os dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP já expressaram, por diversas vezes, a opinião de que, na hipótese de um retorno à Ditadura Militar, eles poderão entrar em contato com o Governo a qualquer instante quando algum assunto assim o exija, em um diálogo permanente e direto, o que os auxiliaria a participar das decisões e dar sugestões que considerem fundamentais.

A participação das Forças Armadas na história da nossa administração pública e política, teve como resultado uma concepção em que elas atribuem a si, principalmente, quatro papéis:

1. Executar um governo do povo (mas sem participação popular direta)

2. Administrar o País e os recursos nacionais

3. Atuar como o partido político das elites

4. Exercer o encargo de garantidores da lei e da ordem.

Como um autodenominado partido político das elites, em face do crescimento da mobilização sócio-política, os militares salientam a centralização do processo decisório como objetivo a ser atingido.

Por fim, a existência de partidos é encarada com reservas na visão militar, e processos políticos específicos reforçam, dentro das Forças Armadas, a ideia de que elas sejam as verdadeiras intérpretes da vontade nacional e as únicas instituições capazes de exercer liderança política no País. Assim, as FFAA têm a falsa percepção de que o sistema partidário seja ineficaz e inadequado ao Brasil porque, na ótica da caserna, perturba a unidade social, por isso questionam a validade dos partidos em face dos objetivos nacionais por elas traçados.

Cruzeiro-DF, 2 de novembro de 2020

SALIN SIDDARTHA

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*Este artigo foi publicado originariamente nesta terça (3/11) no PorBrasília