Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 11 de março de 2021

Morreu Hélio Fernandes aos 100 anos. Agora com a íntegra do artigo de Sérgio Caldieri

Quinta, 11 de março de 2021



Por Sergio Caldieri
Perdemos o jornalista Hélio Fernandes aos 100 anos, na última madrugada de quarta-feira, dia 10 de março, na sua casa no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Era considerado o mais corajoso e combativo jornalista da imprensa brasileira.

Hélio nasceu no bairrro carioca do Méier, em 17 de outubro de 1920. Estudou no Colégio Dom Pedro II, era aluno que lia de tudo e muito curioso que perguntava de tudo aos professores. Perdeu os pais muito cedo e morava na casa do tio. Teve vários empregos até o seu irmão cartunista Millôr Fernandes, que trabalhava na revista O Cruzeiro conseguiu um emprego onde chegou ser diretor. 

Em 1948, Hélio começou com seus artigos polêmicos no semanário O Cruzeiro, onde escreveu 'A revolta dos anjos' e 'Anistia para os aspirantes', defendendo a greve dos alunos da Escola Naval do Rio de Janeiro. O seu patrão Assis Chateaubriand não gostou dos artigos e acabou sendo demitido da revista.

Na revista Manchete, Hélio trabalhou durante 22 anos, que acabou sendo demitido por divergências com o dono Adolfo Bloch. Em 1953, foi trabalhar na Tribuna da Imprensa do Carlos Lacerda, que acabou demitido por divergências no ano seguinte.

Em 1955, foi trabalhar como assessor de imprensa da campanha do ex-governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek para a presidência do Brasil. 

Logo depois que assumiu o cargo, Hélio acompanhou o Juscelino nas suas viagens aos EUA e Europa. Em 1961, acompanhou o presidente Jânio Quadros numa viagem a Cuba, que logo depois fez a condecoração da Ordem do Cruzeiro do Sul ao ministro Ernesto Che Guevara, causando muita irritação aos conservadores e direitistas no Brasil. 

Com João Goulart na presidência, o Carlos Lacerda começou a passar dificuldades financeiras no seu jornal Tribuna da Imprensa, pois o conhecido corvo da Lavradio, era o nome da rua onde funcionava a redação, acabou vendendo ao Francisco Nascimento Brito, genro da Condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil, criado pelo seu pai, o milionário Conde Pereira Carneiro, dono do Estaleiro Mauá, em Niterói. 

Em outubro de 1962, Hélio Fernandes comprou o passivo e ativo da Tribuna da Imprensa do Nascimento Brito. Já começou com atritos com o presidente João Goulart criticando por não ter demitido o Roberto Campos da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, pois era considerado 'o maior entreguista da história da República', nomeado por Jânio Quadros. O embaixador era conhecido por Bob Fields. Cujo neto com o mesmo nome, faz parte do atual governo do capitão de plantão, seguindo as mesmas ideias liberais do vovô entreguista. 

Com o golpe militar de 1964, com o AI-1, foram cassados vários políticos, sindicalistas, jornalistas, estudantes, artistas e militantes de esquerda.

Hélio foi convidado por Renato Acher para fazer parte da comissão da Frente Ampla, onde foi o redator do manifesto. A Frente Ampla surgiu para combater e derrubar a ditadura militar.

O Carlos Lacerda conhecido como conspirador nato contra Getúlio Vargas, Juscelino, Jânio Quadros e João Goulart, foi conversar com Juscelino, exilado em Portugal e João Goulart, no Uruguai. O que não dá para entender como que os dois ex-presidentes cassados e exilados aturaram o golpista Lacerda que foi o maior incentivador do suicídio de Getúlio Vargas com os seus artigos na Tribuna da Imprensa, pois João Goulart tinha sido Ministro do Trabalho e seu padrinho na carreira política.

A Frente Ampla criada em outubro de 1966 por diversos políticos, consistia na luta pela democratização, eleições diretas, reforma partidária e institucional, a retomada do desenvolvimento econômico e a adoção de uma política externa soberana. O manifesto foi assinado e publicado por Carlos Lacerda, mas indicava o processo de negociação entre os três importantes políticos brasileiros.

Hélio Fernandes foi candidato a deputado federal pelo MDB, nas eleições de 15 de novembro de 1966, mas os ditadores cassaram e proibiram de escrever seus artigos. Acabou utilizando o pseudônimo de João da Silva.

O polêmico jornalista foi preso por criticar o ditador de plantão, o Castelo Branco que acabou prendendo o Hélio e mandou-o passar 30 dias na ilha de Fernando de Noronha e mais um mês numa prisão no quartel de Pirassununga, no interior do estado de São Paulo. Depois ficou preso 15 dias  em Campo Grande, na capital do Mato Grosso. Hélio foi preso nove vezes,  três desterros e foi processado 37 vezes pela famigerada Lei de Segurança Nacional. Na prisão de Fernando de Noronha escreveu o seu livro 'Memórias de um desterrado" e foi proibido de circulação.

O jornal Tribuna da Imprensa foi o mais censurado na ditadura militar. Diariamente tinha censores na redação entre os anos 1968 a 1978. Hélio processou o governo pelas censuras durante 10 anos, ganhou a ação, mas não se sabe se recebeu a indenização. Foram 72 anos de histórias, pois Hélio sempre foi muito bem informado o que ocorria´pelos bastidores da política brasileira. Não perdoava ninguém com a sua metralhadora giratória até  dezembro de 2008, quando acabou fechando a sua Tribuna da Imprensa que completaria 60 anos.

O jornalista Carlos Newton continuou com a Tribuna da Imprensa pela internet onde havia publicações de outros jornalistas, como também o Daniel Mazola com o Tribuna  da Imprensa Sindical. Além dos seus artigos publicados nos dois blogues, Hélio sempre atento com mais de 95 anos, publicava seus comentários diariamente na sua página do Facebook. Era impressionante a sua pontaria e as repercussões polêmicas. Sua memória sempre foi precisa e prodigiosa. Falei algumas vezes por telefone e continuava com sua metralhadora nos pontos certeiros e dados precisos. Tive a honra do Hélio fazer parte como Membro Conselho Consultivo na minha chapa quando concorri para presidência da ABI, nas eleições de 2016.

Uma vez cheguei numa banca de jornal em São Pedro da Aldeia, pedindo jornal Tribuna da Imprensa, não tinha. Um senhor ao lado me disse que era fã do jornal e lia diariamente o Hélio Fernandes, tirava cópias dos artigos e distribuia aos amigos. Depois ele me contou, particularmente, fora da banca, que vigiou o Hélio Fernandes durante muito tempo na Rua do Lavradio, vestido de gari, vendedor de pipocas e pintor de paredes. Perguntei se foi um agente da repressão, ele confessou que foi da Marinha, agente do Cenimar e do SNI, mas nunca tinha torturado ninguém, só obedecia ordens para cumprir. Disse-me que tinha arrependido de tudo que fez e  tornado fã do Hélio Fernandes. Até me pediu para avisar ao Hélio que gostaria de ir ao Rio de Janeiro, pegar no seu braço e pedir desculpas. Avisei o Hélio, mas nunca se interessou em recebê-lo.

Na madrugada de 26 de março de 1981, os agentes do DOI-Codi explodiram com bombas as máquinas da Tribuna da Imprensa na Rua do Lavradio. Corri logo cedo para lá e assisti todas as entrevistas do Hélio no meio da rua e recebendo muitas solidariedades de vários políticos, inclusive do presidente da ABI Barbosa Lima Sobrinho.

Vá em paz Hélio Fernandes e continue sua eterna luta por um Brasil melhor.

Sergio Caldieri - Jornalista, escritor e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro-SJPERJ.

Hélio Fernandes no dia em que o DOI-CODI explodiu com bombas as máquinas da Tribuna da Imprensa. Na foto também o presidente da ABI Barbosa Lima Sobrinho.




Helio Fernandes no dia que a ditadura explodiu as instalações do jornal Tribuna da Imprensa. Na foto se vê o deputado Miro Teixeira.

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