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(Millôr Fernandes)

sábado, 6 de agosto de 2022

GDF FEZ 44.068 NOMEAÇÕES PARA CARGOS COMISSIONADOS EM 3 ANOS. COMO ISSO AFETA A EFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS?

Sábado, 6 de agosto de 2022
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Márcio André Alves do Prado
Advogado

Entre o dia 1o. de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2021, o Governo do Distrito Federal realizou 44.068 (quarenta e quatro mil e sessenta e oito) nomeações para cargos comissionados. Tratam-se de postos em que o governante escolhe livremente, salvo requisitos específicos como escolaridade, o ocupante da função pública. O provimento do cargo comissionado não depende, salvo raras exceções, de concurso público.

Segundo o Painel de Pessoal, mantido pela Secretaria de Economia do Governo do Distrito Federal (https://www.economia.df.gov.br/painel_estatistico_pessoal), em junho de 2022, para cargos e funções comissionadas, 10.886 estavam ocupados por servidores com vínculo (concursados, segundo a indicação do próprio Painel) e 7.070 por servidores sem vínculo (não concursados, ainda segundo o Painel). O total de cargos e funções comissionados corresponde ao quantitativo de 17.956 posições. O pessoal ativo do GDF alcançava o número de 108.380 postos.

Em termos de valores pagos, a folha mensal dos comissionados e gratificados sem vínculo foi de 24,84 milhões de reais. Já a folha dos comissionados com vínculo atingiu o valor de 23,94 milhões de reais. Esses dados indicam que os postos mais relevantes e com maior poder de decisão estão, na sua maioria, nas mãos de pessoas sem vínculo (não concursados) com a Administração Pública.

Merece destaque especial a situação das Administrações Regionais. Segundo o Painel, ainda no mês de junho de 2022, para uma força de trabalho de 1.757 servidores, 1.506 (85,7% do total) não possuíam vínculo (não concursados) e 251 (14,3%) apresentavam vínculo (concursados).

A estrutura de cargos comissionados no Governo do Distrito Federal e, em acréscimo, a frenética ocupação desses postos por intermédio de milhares de nomeações em curto intervalo de tempo chama a atenção para duas profundas e deletérias consequências: a) a descontinuidade administrativa e b) a criação de condições mais propícias para todo tipo de malversação da coisa pública.

O comprometimento da continuidade do serviço público, um dos princípios centrais informadores de uma Administração Pública eficiente, fica irremediavelmente comprometido com constantes mudanças em posições decisórias e de formulação de políticas públicas. Cada novo nomeado, notadamente num ambiente com baixíssimo mapeamento e documentação de processos, gera esforços de compreensão e adaptação que se repetem ciclicamente e de maneira indefinida.

A viabilização, com maior ênfase, de corrupções e malversações de todo tipo é outra consequência de uma frenética atividade de nomeações e renomeações para cargos comissionados, notadamente aqueles com mais relevante poder de decisão e posicionados em pontos chaves dos fluxos de aquisição de bens, obras e serviços pelo Poder Público.

Um exemplo emblemático dessa última consideração pode ser observado na mensagem de um Diretor de Aquisições num grupo formado pelo Secretário de Estado, Secretários Adjuntos, Subsecretários e Assessores Especiais. A postagem foi flagrada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios na conhecida “Operação Falso Negativo” realizada no âmbito da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Eis um trecho da conversa, verdadeira confissão da prática de ilícitos de extrema gravidade (sem destaques no original):

“Vamos esperar o chefe, enquanto o povo termina de fazer a demanda. Tem que entrar no SEI da SUAG pra incluir o número de Ofício e definir prazo das propostas. A gente faz a publicação com isso e depois faz o Ofício, de fato. Acho que o prazo das propostas tem que ser pelo menos até quarta. Se colocarmos pra segunda, fica muito na cara que é treta”.

Segundo dados divulgados pela Carta Capital em 2018, nos Estados Unidos eram 7 mil os cargos de livre nomeação (os nossos “comissionados”). Na Inglaterra, o número alcançava aproximadamente 350. Na casa de 300 postos desse tipo, no plano federal, era o patamar na Alemanha e na França. Na Holanda, cerca de 780. No Chile, eles não chegavam a 850.

Recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 6.585, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a regra contida na Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF), que estabelece o mínimo de 50% das vagas de cargos em comissão na administração distrital para servidores públicos efetivos (com vínculo ou concursados). A referida ADIN, com julgamento concluído no dia 14 de maio de 2021, foi proposta pelo atual governador do Distrito Federal.

"As condições e percentuais mínimos para o preenchimento de cargos em comissão devem ser delineadas em lei ou Constituições estaduais, cujo processo legislativo é reservado à iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo", afirmou a relatora, ministra Cármen Lúcia. Esse entendimento foi acompanhado por unanimidade.

A imprescindível profissionalização da Administração Pública do Distrito Federal, com potencial de aumento da eficiência dos serviços prestados e redução dos espaços de malversação, reclama uma redução dramática da quantidade de cargos comissionados. Em termos ideais, a quantidade de cargos de livre provimento deve estar limitada ao estritamente necessário para efetivação, no plano da Administração Pública, da opção política representada pelo governo eleito democraticamente. Paralelamente, devem ser adotados mecanismos de seleção e critérios técnicos mais rigorosos para a ocupação desses postos, como preconiza, inclusive, a proposta n. 31 das “Novas Medidas contra a Corrupção” (iniciativa de mais de 200 organizações e indivíduos, coordenada pela Transparência Internacional Brasil e pela Fundação Getúlio Vargas).

Considerando a decisão do STF, antes aludida, é imperioso sensibilizar e comprometer os candidatos ao governo do Distrito Federal com essa pauta. Afinal, a iniciativa de proposição normativa nessa linha deverá necessariamente partir do Palácio do Buriti.

Esse é um dos quatro grandes óbices para a prestação dos serviços públicos com patamares superiores de qualidade no Distrito Federal e no Brasil. Outros três grandes entraves serão abordados nas próximas semanas.