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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

CORRUPÇÃO, PREVENÇÃO E DESIGUALDADE —PARTE VIII – A CORRUPÇÃO ESTRUTURAL OU SISTÊMICA

Sexta, 30 de dezembro de 2022

CORRUPÇÃO, PREVENÇÃO E DESIGUALDADE 
PARTE VIII — A CORRUPÇÃO ESTRUTURAL OU SISTÊMICA

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 30 de dezembro de 2022

Nesta série de textos abordarei, de forma sucinta, vários temas relacionados com um dos mais relevantes problemas da realidade brasileira: a corrupção sistêmica. Não é o maior dos nossos problemas (a extrema desigualdade socioeconômica ocupa esse posto). Também não é momentâneo ou transitório (está presente em todos os governos, sem exceção, desde que Cabral chegou por aqui). Não está circunscrito a um partido ou grupamento político (manifesta-se de forma ampla no espectro político-partidário). Não está presente somente no espaço público (a corrupção na seara privada é igualmente significativa). Não será extinta ou reduzida a níveis mínimos com cruzadas morais ou foco exclusivo na repressão (será preciso uma ação planejada, organizada e institucional em torno de uma série de medidas preventivas). Não obstante esses traços característicos, tenho uma forte convicção. A construção de uma sociedade democrática, justa, solidária e sustentável, centrada na dignidade da pessoa humana em suas múltiplas facetas e manifestações, exige um combate firme, consistente e eficiente a essa relevantíssima mazela do perverso cenário tupiniquim.

São inúmeras as reflexões políticas e jurídicas identificando a amplitude, nacional e internacional, do fenômeno da corrupção politicamente estruturada, especialmente em organizações criminosas, envolvendo agentes políticos instalados nas cúpulas do Poder Público.

No livro “Crime.gov”, os delegados da Polícia Federal Jorge Pontes e Márcio Anselmo discorrem com propriedade e detalhes acerca do impressionante envolvimento das cúpulas do Poder Público nos recentes e grandes esquemas de corrupção do País. As reflexões realizadas identificam o moderno fenômeno da institucionalização da criminalidade com crescente e profunda participação de atores políticos confortavelmente instalados nas principais posições de mando. Destacamos as seguintes passagens da obra citada: “Ao contrário da organização criminosa ‘convencional’, o crime institucionalizado não está atrelado a atividades escancaradamente ilegais, como o tráfico de drogas, de armas, a prostituição, o tráfico de pessoas ou o jogo ilegal. Esse tipo de crime está entranhado, na verdade, na plataforma oficial: nas três esferas (no caso brasileiro, a partir do Executivo federal), no estamento público, nos ministérios e nas secretarias da República, nas atividades legislativas e normativas, nas empresas públicas, nas estatais, na política partidária e nas regras eleitorais para prospectar e desviar recursos do erário. O faturamento desse crime provém dos contratos de serviços e obras, das concorrências públicas, dos aluguéis de prédios para órgãos estatais, dos repasses para programas de governo, inclusive para ONGs. É uma atividade infinitamente mais lucrativa e segura do que qualquer negócio ilegal convencional. Enquanto o crime ‘tradicional’ viceja graças à letargia e à omissão dos homens públicos, o crime institucionalizado é fruto de uma ação estruturada e articulada por grupos que comandam determinado setor, companhia estatal ou unidade pública”.

Esses registros apontam claramente no sentido de que a corrupção no Brasil não resulta de fraquezas isoladas ou episódios pontuais. Temos, o que parece fora de dúvida, uma corrupção estrutural ou sistêmica. As engrenagens envolvidas nas malversações envolvem empresas estatais, privadas, empresários, agentes públicos, partidos políticos (de todas as matizes ideológicas), integrantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

A corrupção amplamente disseminada nos escalões mais altos da política brasileira revelam a existência de um pacto profundamente deletério com a participação de parte considerável do mundo político, empresarial e da Administração Pública. Nesse sentido, a apropriação privada do Estado brasileiro é uma triste realidade e a construção de milhares de esquemas de malversações em todos os níveis da Federação se transformam no modo “normal” de condução dos negócios públicos e privados.

Nessa linha, o renomado jurista Luís Flávio Gomes pontuou a existência, entre outros, do “crime organizado político-empresarial”. Disse, de forma enérgica e destacando a presença ao longo de toda a história do Brasil: “esse é fruto do conluio e dos conchavos entre a economia e a política. É composto de políticos de setores dos antigos partidos, assim como de empresários picaretas integrantes da plutocracia brasileira. É o crime organizado mais antigo do Brasil, com mais de cinco séculos de existência. É absolutamente incalculável o desfalque erado para o país nas últimas décadas. (…) Quem dolosamente integra esses grupos são bandidos convictos ou quadrilheiros da República (...)”.

Essa última referência coincide, com preocupante precisão, com o registro de um importante operador (confesso) desses esquemas de corrupção. Trata-se da fala de Sérgio Machado, ex-Presidente da TRANSPETRO, segundo Ivo Patarra (livro “20 anos de corrupção”): “o ‘custo político’ em negócios envolvendo o governo existia no Brasil desde 1946, relatou Machado, exemplificando que, ao longo de 70 anos, pagamentos de propina tiveram o seguinte parâmetro: 3% nos contratos federais; de 5% a 10% nos estaduais; e de 10% a 30% nos municipais”.

Essas e tantas outras abordagens, em textos, livros e relatórios, mostram que a corrupção institucionalizada é percebida como um fenômeno generalizado em praticamente todos os mais significativos espaços de poder no Brasil.

A solução para redução drástica desse estado de coisas passa necessariamente por dois caminhos: a) a supressão do oxigênio da corrupção com a eliminação dos mecanismos institucionais que a viabilizam (em outras palavras, fortes ações preventivas) e b) o aumento considerável dos níveis de consciência política dos eleitores, justamente para que não sejam conferidos mandatos para aqueles que os utilizarão para operar os mais requintados e nefastos esquemas de corrupção e malversação.


Textos anteriores da série:

PARTE I – O SENTIDO COLOQUIAL DE CORRUPÇÃO

PARTE II – A CULTURA DE LEVAR VANTAGEM

PARTE III – O SERVIDOR CORRUPTO SOZINHO

PARTE IV – O CANDIDATO CORRUPTO

PARTE V – O MITO DA FALTA DE PUNIÇÕES

PARTE VI – O SERVIDOR QUE RECUSA A CORRUPÇÃO

PARTE VII - QUADRILHAS ORGANIZADAS POLITICAMENTE


Disponíveis em:

http://www.aldemario.adv.br