Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

IDENTIDADE —Neto 131 é encontrado, conquista na busca por bebês sequestrados pela ditadura argentina

Sexta, 23 de dezembro de 2022
Estela de Carlotto, presidenta da organização, comemora a restituição do neto 131: "é uma muito boa notícia para despedirmos deste ano" - Reprodução

Presidenta de Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, disse que restituição dá "esperança de encontrar os que faltam"

Fernanda Paixão
Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina | 23 de Dezembro de 2022

As Avós da Praça de Maio anunciaram nesta quinta-feira (22) a restituição de identidade do neto número 131, um dos bebês sequestrados pelos militares durante a última ditadura militar argentina (1976-1983).

"Com profunda emoção, as Avós da Plaza de Maio anunciam a restituição de um novo neto, o filho de Lucía Angela Nadín e Aldo Hugo Quevedo, de Mendoza." Assim começava o comunicado lido por Estela de Carlotto, presidenta da organização Avós da Praça de Maio, em uma conferência realizada na Casa pela Identidade, no ex-centro de detenção clandestino (ex-ESMA). O local foi convertido no Espaço de Memória e Direitos Humanos, na cidade de Buenos Aires. "Agora são 131 o número de casos resolvidos durante estes 45 anos de busca".

"É uma notícia muito boa, que completa um pouco o prêmio que tivemos com o futebol", disse a presidenta. "É mais do que isso para nós, é uma notícia muito boa e nos dá esperança neste fim de ano para encontrar os que ainda faltam."

Avós da Praça de Maio em conferência para anunciar a restituição do neto 131; no centro da foto, Estela de Carlotto, presidenta da organização. / Abuelas de Plaza de Mayo

Estela de Carlotto afirmou que as avós ainda não conheceram o novo neto restituído. "Ainda não pudemos abraçá-lo", disse, pontuando que, no próximo ano, espera que ele possa ser apresentado à sociedade em uma nova conferência.

Os pais do neto 131, de nome ainda não revelado, se conheceram na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Cuyo, e eram militantes do Partido Revolucionário dos Trabalhadores e da guerrilha Exército Revolucionário do Povo (PRT-ERP). Ela contou ainda que Lucía estava grávida de dois ou três meses quando foi sequestrada, em 1977. Sua família não sabia de sua gestação. Estela contou que há suspeitas de que o parto tenha acontecido ali mesmo, na ex-Escola Mecânica da Armada (ESMA).

Foram quase 20 anos de busca. Quando a família de Lucía soube que ela estava grávida ao ser sequestrada, por informações que chegaram de pessoas que estiveram com o casal antes do sequestro, formalizaram uma denúncia ao Movimento Ecumênico pelos Direitos Humanos de Mendoza, em 2004, na Conadi (Comissão Nacional pelo Direito à Identidade). Confirmada a informação da gravidez, deixaram mostras genéticas no Banco Nacional de Dados Genéticos no ano seguinte, em 2005.


O roubo de bebês foi uma prática dos militares ao sequestrar mulheres grávidas ou bebês de famílias perseguidas pela ditadura. Realocados em famílias de militares ou pessoas próximas a eles, os bebês tinham seus nomes trocados.

Por isso, uma campanha estimula pessoas nascidas durante os anos da ditadura e que tenham dúvidas sobre sua identidade a buscar as Avós da Praça de Maio para abrir uma investigação. Parte deste trabalho de reconhecimento, assessoria e estudos é realizado através da Conadi e do Banco Nacional de Dados Genético, que identifica relação de parentesco a partir de dados genéticos das famílias perseguidas e das avós.

"Apelamos à sociedade para que se junte a nós: qualquer informação ou suspeita basta para buscar-nos. Não guarde as informações. Não fique com a dúvida. Quebre o silêncio. Nossos netos e netas estão entre nós", encerrava o comunicado das Avós. "Nestes dias de alegria e celebração, em que sentimos a força do coletivo e o valor da perseverança, encerramos 2022 com a esperança renovada. No nosso brinde, vamos também levantar a taça por um ano repleto de reencontros. Porque, sabemos, a única luta que se perde é aquela que se abandona."

Edição: Arturo Hartmann