Quinta, 15 de dezembro de 2022
Outubro de 2015. Professores da rede pública de ensino do DF em greve fecharam por cerca de uma hora as saídas dos Eixos Sul e Norte. O protesto legítimo reivindicava o pagamento da última parcela do reajuste salarial conquistado em 2013. Na ação, câmeras de cinegrafistas profissionais e amadores flagraram a ação truculenta do Batalhão de Choque da PMDF.
Policiais cercaram um carro que participava da manifestação e retiraram o motorista, um professor, a força. O deitaram no chão com o rosto colado no asfalto e os braços pra trás. Algemaram-no.
Outro, antes de ser algemado, recebeu um golpe de estrangulamento conhecido como “mata-leão”, perigoso por causar a redução da circulação de sangue até o cérebro.
Muitos feridos pelas balas de borracha e os jatos de spray de pimenta disparados à queima roupa. A professora Meg Guimarães, ex-diretora do Sinpro-DF, foi filmada algemada, cercada de policiais, com o nariz escorrendo sangue. Ela teve lesão corporal atestada pelo Instituto Médico Legal, e, desde então, tem sofrido de transtornos de ansiedade e de estresse pós-traumático.
Aos meios de comunicação tradicionais, a PM disse que “o uso da força ocorreu após uma hora de negociação para a liberação da via”.
Há mais de 40 dias, apoiadores de Jair Bolsonaro acampam em frente ao Quartel General do Exército de Brasília. A ação é criminosa, já que incita as forças armadas contra a sociedade civil. Consequência do ato, a Esplanada dos Ministérios, uma das principais vias do DF, foi interditada sem previsão de reabertura, impondo o desvio de quem passa por ali de ônibus ou de carro, normalmente, para trabalhar ou estudar.
Os bolsonaristas acampados em Brasília fizeram da noite dessa segunda-feira (12/12) uma noite de terror. Eles tentaram invadir a sede da Polícia Federal, atearam fogo em carros de civis e em ônibus. Veículo estacionado em um posto de gasolina ficou em chamas, ameaçando a explosão do local que tem nas proximidades hotéis e um shopping. Durante os atos criminosos, foram espalhados botijões de gás de cozinha em vias do Setor Hoteleiro Norte.
Na transmissão ao vivo da ação terrorista, feita pela jornalista Juliana Castro, ouve-se de um dos apoiadores de Bolsonaro: “imagina amanhã, quando a gente voltar armado”.
Resultado: durante os atos criminosos, ninguém foi preso pelas forças de segurança do DF. A PMDF, convocada para conter as ações daqueles que dias atrás, em outro canto do Brasil, cantavam o hino nacional para um pneu de trator, utilizou força tática completamente distinta daquela empregada contra professores do DF em 2015.
O que motiva ou justifica as diferentes abordagens da polícia militar quando a ação se dá junto a professores das escolas públicas do DF, contra trabalhadores sem terra/sem teto, contra estudantes ou qualquer categoria da classe trabalhadora?
No artigo científico “A Doutrina da Segurança Nacional de Contenção na Guerra Fria: fatores que contribuíram para a participação dos militares na política brasileira (1947-1969)”, Claudia Stephan afirma que “no Brasil, a introdução de uma ideologia de contenção do comunismo e da subversão, aliada ao histórico autoritário e intervencionista do Estado, culminou no estabelecimento de um Estado de Segurança Nacional, na institucionalização de princípios e práticas repressivas e na violação de direitos fundamentais de cidadãos brasileiros”.
Reportagem de dezembro de 2021 publicada pelo portal The Intercept mostra que uma tropa de elite do exército brasileiro encara movimentos sociais e políticos de esquerda como inimigos, e é treinada para combatê-los.
Os exemplos indicam que as forças policiais são fundamentadas em valores avessos às pautas que guiam movimentos sociais e sindicais, como o Sinpro-DF, como a valorização da classe trabalhadora, o questionamento das ordens, o exercício do pensamento crítico, o protagonismo popular.
“É uma forma de doutrinação – eles sim são doutrinados –, numa formação que remete aos tempos da Guerra Fria, onde o ‘fantasma do comunismo’ assombrava o mundo. Toda formação das Forças de Segurança são baseadas na Doutrina de Segurança Nacional, herdada dos EUA e das escolas de formação deste país”, avalia o presidente da CUT-DF (Central Única dos Trabalhadores do DF), Rodrigo Rodrigues.
Segundo ele, os trabalhadores das forças de segurança, de forma geral, “não têm identificação com a classe trabalhadora”. “Há um preconceito institucional com os movimentos sociais organizados, representantes dos anseios sociais.”
Já para o Coronel da Reserva da PMDF Lima Filho, professor de Uso da Força da PMDF, o problema se dá pela estrutura do Estado, “que está tendendo para um lado”. “É um problema de estrutura federal, com articulações estaduais. Porque o governo federal é muito forte. Ele acaba induzindo, principalmente quando a base dele são as forças de segurança”, afirma.
Nesta terça-feira (13/12), o Movimento Policiais Antifascismo do DF e do Comitê de Policiais Civis Antifascismo pró Lula chegaram a lançar nota de repúdio aos atos criminosos realizados pelos bolsonaristas na zona central do DF. “É importante fazermos alguns questionamentos: por qual motivo não houve nenhuma prisão, quando flagrantes os atos criminosos? Por que até o momento não foram desativados os acampamentos que atentam contra a ordem constitucional? Ocorreria tal leniência por parte das autoridades policiais com manifestações legítimas de estudantes, trabalhadores e militantes de movimentos sociais?”, questiona o documento.
Para a diretora do Sinpro-DF Luciana Custódio não há uma única conclusão do porquê da diferença de abordagem das forças de segurança. Mas é possível identificar claramente o resultado disso na sociedade. “Supressão de direitos fundamentais, democracia aparente, tentativa de calar os setores progressistas e de conter a indignação do povo. Tudo isso se torna consequência de uma abordagem truculenta a um movimento legítimo, como foi o da categoria do magistério, em 2015. Paralelamente, quando não são tomadas atitudes de repressão necessárias para conter movimentos antidemocráticos, incentiva-se a destruição do Estado de direito; banaliza-se a barbaridade, caminha-se na direção inversa da democracia”, afirma.
Segundo a sindicalista, o estabelecimento da verdadeira ordem vem através da consolidação dos movimentos sociais e sindical. “Não podemos nos calar. Agora, mais que nunca, a consciência de classe deve nos guiar e a luta nos fortalecer. É dizer não ao fascismo, não ao retrocesso”, diz.
Fonte: SINPRO-DF
JORNALISTA: VANESSA GALASSI