Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 10 de dezembro de 2022

RACISMO —Jornalista sofre racismo em evento de samba na Asa Norte, em Brasília

Sábado, 10 de dezembro de 2022
A autora do crime foi presa em flagrante e liberada após pagar fiança

Thamy Frisselli
Brasil de Fato | Brasília (DF) | 10 de Dezembro de 2022


Luana Gomes segura boletim de ocorrência, crime aconteceu na noite desta sexta-feira (9) — Arquivo Pessoal

Em evento ocorrido na noite de sexta-feira (9), Quintal do Samba, na sede da Acadêmicos da Asa Norte, em Brasília, a produtora e jornalista Luana Gomes passou por momentos de terror e constrangimento enquanto trabalhava. Ela foi xingada de “preta desgraçada” e “macaca” por uma cliente que estava aguardando na bilheteria. Em relato das testemunhas, Priscila Pereira estava com muita raiva e proferiu palavras racistas contra Luana.

De acordo com o Boletim de Ocorrência, Priscila Pereira ainda não havia entrado no evento, quando pediu para usar o banheiro. Os seguranças impediram o acesso, pois ainda não havia comprado ingresso. Luana, que neste momento estava na bilheteria, se prontificou a acompanhá-la até o banheiro do evento quando Priscila começou a xingar e proferir palavras de ódio.

Uma das produtoras do evento, Clara Caroline, que controlava o acesso, estava na entrada quando o fato ocorreu e imediatamente entrou em contato com a Polícia Militar para que fossem tomadas as medidas cabíveis. “Reforço que a produção do evento é contra toda e qualquer forma de preconceito, e prestou todo o apoio necessário à vítima. É inaceitável o que aconteceu e por isso estamos à disposição da Luana para o que ela precisar”, destacou Clara.

Quando a Polícia chegou, Priscila Pereira foi presa em flagrante. Na Delegacia, ela negou a autoria do crime de racismo e foi liberada após pagar fiança no valor de R$ 2.500,00.

A reportagem do Brasil de Fato DF entrou em contato com Priscila. Ela repetiu o que disse, tudo não teria passado de um mal entendido e que nada teria acontecido conforme a denúncia relatada por Luana e testemunhada por dezenas de pessoas que estavam no local. “Eu estava em um ambiente majoritariamente de morenos, eu tenho filhas negras, namoro um negro, fui vítima nisso tudo”, disse.

Para Luana Gomes, que é militante das causas raciais no Distrito Federal e que integra o Coletivo de Mulheres Negras dentro do Coletivo Família Hip Hop, de Santa Maria, é simbólico o episódio ter acontecido dentro de uma escola de samba. "Onde o povo preto resiste há anos, um lugar de resistência, onde as pessoas me respeitam como mulher negra, respeitam a minha ancestralidade e a minha voz. Ao me insultar de "preta desgraçada" ela está dizendo que eu e todos nós, os realizadores e artistas de um evento preto, não temos o direito de estar ali, a não ser servindo e fazendo a vontade dela e de sua branquitude. Isso é a realidade de que pessoas racistas são perversas e o quanto o racismo precisa ser combatido todos os dias em nossa sociedade".

Solidariedade

A Frente da Juventude Pela Comunicação Pública, da qual Luana faz parte, emitiu uma nota de solidariedade, em que destacam os efeitos do racismo na população negra. "Psicólogos afirmam que os efeitos da exposição ao racismo podem levar à depressão em seus diversos níveis. Podem conduzir ao aumento do estado de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, efeitos no sono, sensações como medo e vergonha que podem levar a diminuição da motivação para contatos sociais e aumento de comportamentos de risco. É um assunto muito sério e a comunicação é uma das alternativas para o combate ao racismo. Na Frente de Juventude pela Comunicação Pública nós nos comprometemos com a juventude brasileira tomando a decisão de não deixar ninguém para trás. Se o racismo tem deixado os jovens negros para trás, ele precisa ser enfrentado. E aqui o faremos”.


O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF, por meio de nota, afirmou que repudia com veemência toda manifestação de racismo e se solidariza com a colega Luana Gomes de Souza, jornalista, vítima de episódio racista. "Para que atos como esse não se repitam, é indispensável que os autores sejam punidos com o rigor da lei".

Racismo é crime

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF), com os dados atualizados de 2021, o aumento de casos de injúria racial foi de 28% em relação a 2020. Em números totais, as denúncias passaram de 436 em 2020, para 562 em 2021. Destaque para Taguatinga, que registrou a maior variação entre os períodos - 69%. No ano passado, a região administrativa registrou 59 ocorrências contra 35 do ano anterior.


Legislação

No Código Penal Brasileiro, o crime de injúria racial é definido como ofensa a alguém em função de sua raça, cor, etnia, religião, origem, por ser idoso ou pessoa com deficiência. A pena é de um a três anos de reclusão e pagamento de multa.

Já o racismo tem legislação própria. A Lei 7.716, de 1989, define racismo como discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. As penas são mais severas, podendo chegar a cinco anos de reclusão. O crime também não prescreve nem tem fiança.

Enquanto o racismo age contra a coletividade, a injúria racial tem caráter mais direcionado. Entretanto, em uma decisão de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), firmou jurisprudência a fim de igualar ambos os crimes, bem como as penas.


Edição: Flávia Quirino

Fonte: Brasil de Fato Brasília