Quinta, 2 de maio de 2013
Para a subprocuradora-geral da
República Raquel Dodge, o fato criminoso atribuído a cada acusado foi
exposto com todas as suas circunstâncias de tempo, lugar e modo de
execução e foi claramente classificado como crime
A subprocuradora-geral da República Raquel Dodge pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o recebimento integral da denúncia contra os 37 acusados do esquema de corrupção no Distrito Federal (DF) conhecido como Caixa de Pandora (Ação Penal 707). Entre os denunciados está o ex-governador do DF José Roberto Arruda; o ex-vice-governador Paulo Octávio; o conselheiro do Tribunal de Contas do DF Domingos Lamoglia; o delegado de Polícia Civil aposentado Durval Barbosa; e ex-deputados distritais. Eles são acusados pelos crimes de quadrilha, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro, em razão de um esquema de compra de apoio parlamentar na Assembleia Legislativa do DF, caso também conhecido como mensalão do DEM.
A manifestação
do Ministério Público Federal (MPF) rebate os argumentos da defesa em
resposta à peça acusatória. “Nesta ação penal, todos os 37 acusados
apresentaram resposta à denúncia, mas seus argumentos são insuficientes
para impedir o recebimento da peça acusatória pelo Superior Tribunal de
Justiça”, declara Raquel Dodge. Segundo a subprocuradora-geral da
República, a denúncia preenche claramente os requisitos legais do art.
41 do Código de Processo Penal (CPP), ou seja, a exposição do fato
criminoso, a qualificação dos acusados e a classificação do crime.
“O fato criminoso atribuído a cada acusado foi exposto com todas as suas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução e foi claramente classificado como crime. Os vínculos entre os acusados foram indicados, seja para amparar a acusação de quadrilha, seja para fundamentar a imputação de coautoria, conforme a imputação. Os elementos de prova, inclusive testemunhas, foram indicados, para serem examinados e submetidos ao contraditório durante a instrução penal”, argumenta a manifestação.
A denúncia narra que a quadrilha atuava no Distrito Federal, com a meta ilícita de praticar crimes, indica seus integrantes, a condição de associado de cada um e o papel que exercia na quadrilha. “Não há dúvida de que a denúncia não é inepta. Ao contrário, preenche todos os requisitos do artigo 41 do CPP. A quadrilha tinha por objetivo implementar um projeto de poder político que garantisse a seus membros acesso direto ao dinheiro público, para desviá-lo e dele se apropriar mediante corrupção e também para assegurar o enriquecimento ilícito dos seus membros, mediante apropriação ou lavagem de dinheiro”, relata Dodge.
José Roberto Arruda – De acordo
com a subprocuradora-geral da República, “os argumentos do acusado não
impedem o recebimento da denúncia. Dizem respeito a questões distintas
daquelas que poderiam evitar o início da ação penal”.
O
ex-governador do DF afirmou que houve cerceamento de defesa decorrente
de suspeitado induzimento a erro da autoridade policial pelo
denunciado-colaborador, Durval Barbosa. “Não procede a alegação de que
os vídeos gravados por Durval Barbosa são inaptos para fundamentar a
denúncia, à conta de que a gravação deveria ter sido feita com
equipamentos da Polícia Federal. Não há qualquer restrição legal sobre o
modo de gravar os vídeos. O Supremo Tribunal Federal admite a validade
de gravação ambiental privada, com equipamentos privados, de conversa
não protegida por sigilo, mantida entre terceiro e o responsável pela
gravação. Foi exatamente o que aconteceu neste caso”, pontua Dodge.
A
defesa aponta também que Durval Barbosa teria induzido a erro os
investigadores e arquitetado um plano para incriminar Arruda. “Todavia,
esta questão também não tem aptidão para impedir o recebimento da
denúncia, vez que o escrutínio sobre a prova deve ser feito em um
ambiente de contraditório e de ampla defesa, após o início da ação
penal”, destaca a manifestação do MPF.
A subprocuradora-geral da
República ressalta, ainda, que é preciso desfazer a insinuação da
defesa de que a justiça penal ampara esquemas de vingança do
colaborador, em detrimento da defesa do acusado. “Nesta fase processual,
é suficiente verificar que as provas e depoimentos prestados pelo
colaborador, também denunciado, são coerentes entre si e, por isso,
amparam a denúncia, pois trazem indícios de autoria e de materialidade
dos crimes imputados a este acusado”, afirma. Dodge lembra que Durval
Barbosa procurou as autoridades competentes para delatar os crimes dos
quais tinha conhecimento e dos quais, inclusive, participava. “Ele mesmo
confessou sua participação no crime, contando em detalhes toda a
atividade criminosa, oportunidade em que também incriminou seus
comparsas”, acrescenta.
Além disso, a manifestação informa que
as provas obtidas mediante colaboração não são o único fundamento
incriminador do denunciado. “O desmantelamento do grupo criminoso se
deu, principalmente, pelo conjunto das provas, notadamente pela
apreensão de documentos nos gabinetes e na residência do acusado”,
destaca.
A título ilustrativo, o MPF analisou 106 termos de
reconhecimento de dívidas e processos de pagamentos feitos pelo Governo
do Distrito Federal (GDF) às empresas Linknet, Adler, Call Tecnologia,
Vertax, CTIS, Conecta e Unirepro. “A partir do reconhecimento da dívida,
a partilha era feita com a quadrilha. O operador financeiro do grupo e
responsável pelo recebimento da propina e o controle e distribuição dos
valores arrecadados era Durval Barbosa. A mando de Arruda, ele
solicitava e arrecadava entre 7% e 10% do total líquido pago pelo GDF às
empresas envolvidas no esquema. Desse valor solicitado, 40% era
destinado a Arruda, 30% a Paulo Octávio, 20% ao secretário da pasta que
reconheceu a dívida e cerca de 10% ficava à disposição de Arruda, para a
corrupção de parlamentares, representantes de partidos políticos ou
outra finalidade de interesse do grupo. As provas destes atos foram
juntadas à denúncia”, salienta Dodge.
Paulo Octávio
– O ex-vice-governador do DF afirma ter sido apontado na denúncia em
razão de ter concorrido com José Roberto Arruda na chapa para o GDF. “A
denúncia é clara em afirmar que Paulo Octávio associou-se à quadrilha no
ano de 2006, quando já candidato a vice-governador, na chapa encabeçada
por José Roberto Arruda. Ao integrar a quadrilha, ele passou a atuar no
mesmo propósito de conquistar o poder, de comprar apoio político de
parlamentares e representantes de partido para atingir os fins da
quadrilha. Não há incoerência ou vício neste ponto da denúncia”,
assinala a manifestação do MPF.
Na avaliação da
subprocuradora-geral da República, “a denúncia é clara ao detalhar o
modo de operar da quadrilha, chefiada por Paulo Octávio e por José
Roberto Arruda, que juntos, definiram a estratégia de dominação da
máquina administrativa e seu uso para fins criminosos”. A peça
acusatória descreve a estreita ligação de Paulo Octávio com Durval
Barbosa, uma vez que o ex-vice-governador nomeou Barbosa como secretário
de Estado Extraordinário de Relações Institucionais, cargo que
legitimava a atuação do delator na implementação do esquema de
arrecadação de propina de empresas prestadoras de serviço na área de
informática e afins.
Dodge explica que o motivo de Paulo Octávio
não aparecer nos vídeos acostados aos autos também foi exposto de forma
clara na peça acusatória, a qual narra que, nas negociações feitas com
Durval Barbosa, ele era representado pelos acusados Marcelo Carvalho e
Marcelo Toledo. “O denunciado concentrava sua confiança nos
codenunciados Marcelo Toledo e Marcelo Carvalho. Em determinado vídeo,
José Roberto Arruda, em conversa com Durval Barbosa, demonstra irritação
por Marcelo Toledo ter cumprido ordens de Paulo Octávio, sem que
tivesse falado com ele antes”, pontua a peça ministerial.
Assim
como Arruda, Paulo Octávio questiona a idoneidade de Durval Barbosa e a
validade dos vídeos apresentados, que teria criado provas, gravado,
filmado e preparado flagrantes dos seus desafetos. O MPF rebate o
argumento: “Os vídeos gravados por Durval Barbosa, que ensejaram o
Inquérito 650/DF e esta ação penal, são prova válida e lícita, porque
não se referem a conversa protegida por cláusula constitucional
específica de reserva de jurisdição”.
Durval Barbosa
– O delator do esquema de corrupção pede perdão judicial, pois
argumenta que o ajuizamento desta Ação Penal 707 só foi possível em
decorrência das revelações feitas por ele acerca dos fatos ilícitos
praticados pela cúpula do Governo do Distrito Federal, que eram de total
desconhecimento.
No entanto, o MPF alerta que não é possível
conceder o benefício na fase de inquérito policial ou na da defesa
preliminar: “Ao final do processo, colaborador que tenha prestado
depoimento e entregado elementos de prova pode ser beneficiado, segundo a
lei penal vigente, com a diminuição da pena ou com o perdão judicial e a
consequente extinção do processo, desde que preenchidos os requisitos
legais claramente definidos”. Na análise de Dodge, o cumprimento dos
requisitos para a concessão do perdão judicial deve ser feito na
instrução criminal da ação penal e submetido ao contraditório, uma vez
que sua natureza jurídica é extintiva da punibilidade e pertine à fase
processual da sentença.
Domingos Lamoglia – O
conselheiro do Tribunal de Contas do DF alega que são nulas as provas
decorrentes dos vídeos gravados por Durval Barbosa, que revelam
“supostas condutas delituosas”. “Ocorre que a validade jurídica da
gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento
dos outros tem sido declarada pelo Supremo Tribunal Federal em inúmeros
casos, como revelado no julgamento da Repercussão Geral nº 583937”,
registra o MPF. O STF firmou o entendimento de que a gravação ambiental,
feita por interlocutor sem o conhecimento do outro, é lícita quando não
há causa legal de sigilo da conversação.
Sobre a inépcia da
denúncia, Dodge assevera que as imputações ao acusado estão amparadas em
provas, inclusive vídeos gravados pelo colaborador ou pela Polícia
Federal, devidamente periciados no curso da investigação criminal. “A
denúncia é clara ao expor como, quando e onde Domingos Lamoglia
participou de crimes de corrupção ativa e de lavagem de dinheiro, no
âmbito de outros atos da quadrilha comandada pelo ex-Governador do
Distrito Federal e que ele não apenas aceitou, como também recebeu em
várias ocasiões, em Brasília, vultosos valores pagos pelos empresários a
título de propina”, relata.
Confira aqui a íntegra da manifestação do MPF.
Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria Geral da República
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