Domingo, 6 de abril de 2014
S
Por Salin Sidartha

Ao arrepio das mais lídimas consolidações
jurídicas e institucionais aperfeiçoadas na diacronia da humanidade, sem que
tivessem sido legitimados nas urnas por um voto sequer, portanto sem o objetivo
apoio popular, generais entreguistas assumiram-se
como os donos do poder, fecharam o Congresso Nacional, manietaram o Poder
Judiciário, a partir do próprio Supremo Tribunal Federal, aposentaram,
prenderam e cassaram juízes, diplomatas, parlamentares e transformaram o País
em um exemplário de ridículos tiranos latino-americanos.
Os
ditadores retiraram as prerrogativas de independência dos Poderes Judiciário e
Legislativo e os submeteram a um Poder Executivo ilegítimo e ilegal, sob o
tacão dos fatídicos Atos Institucionais, dentre eles o AI-5, o maior castrador
dos princípios do Direito. Ora, ou os Poderes Legislativo e
Judiciário têm a prerrogativa total de independência entre si e para com o
Poder Executivo, ou não mais se caracterizam, de fato, como Poderes
republicanos.
O Brasil faz jus à atuação política com o
senso da retidão, ao orgulho da independência e à fidelidade ao ideário ligado
às raízes da sua formação cristã e do Estado de direito. Assim, em face daquele atentado imoral, incivilizado, extirpador dos
mínimos direitos de cidadania e de convivência harmônica dos brasileiros, o que
tem em nós de civilização não pode abrir mão dos escrúpulos de consciência e deve,
portanto, colocar, na ordem do dia, a defesa da democracia como um somatório da
cultura nacional consolidada nas leis.
As ditaduras são a acefalia dos bestiais instintos pré-históricos, sem
ordem, que age pelo temor imposto pela individualidade do tacape do ditador de
plantão. Em nome da razão, fazendo jus à bela pátria onde nascemos e que acolhe
nossos descendentes, zelando pelos princípios da República e
do federalismo, toda atuação política deve dedicar-se ao ideal de sustentar a
democracia.
Felizmente, o aço puro das melhores
consciências políticas se perfilou no combate à Ditadura e não fraquejou ante a
injustiça, a ingratidão e os reveses. Nunca se acovardou ante o perigo. E enfrentou cassações e prisões para
defender a ordem jurídica legítima deste país.
A História do Brasil é pontilhada por
próceres que se transformaram em verdadeiros ícones da democracia, emoldurados
pelos embates, glórias e atos dignos de gigantes. São muitos os heróis anônimos
ou notórios que nunca deixaram de ter uma atitude clara, desassombrada e
definitiva em todos os episódios que caracterizaram o perigo de acabar com a
democracia em nosso País.
Os que conseguiram sobreviver à tortura, à perseguição e a todas as
formas de arbítrio impostas naquele tenebroso período ficaram para nós como
exemplos contemporâneos edificantes das novas gerações. Lembrar
a memória de todos os que tombaram na luta contra a Ditadura é inflar o peito
de confiança no ser humano, mesmo quando a chama da fé, às vezes, ameaça
esvair-se no adentrar das trevas da descrença.
Lamentavelmente, uma ínfima quantidade de
indivíduos, à qual se têm aliado cerca de 3 ou 4 oficiais-generais aposentados
e uma meia-dúzia de praças de pijama, vem manifestando certo saudosismo dos
tempos da Ditadura e desprezo pela democracia. O Estado democrático de direito
é tão acolhedor que lhes dá essa oportunidade de protestar livremente. Ainda
bem que a liberdade de expressão, hoje em dia, está preservada no Brasil,
porque, se fosse no tempo da Ditadura, estariam todos, no mínimo, presos,
torturados.
É interessante frisar que, durante aquele
período de arbítrio, a corrupção existente era proibida de ser noticiada, para
que a população não ficasse sabendo, sob pena de prisão dos responsáveis pela
divulgação e fechamento do órgão de imprensa noticiador, com base no AI-5 e na
Lei de Segurança Nacional. Tais viúvas da Ditadura são tão “inocentes” úteis
que não veem que, se o poder relativo corrompe relativamente, o poder absoluto
corrompe absolutamente.
Winston Churchill, certa feita, afirmou que a democracia tem muitos
defeitos, só que ainda não inventaram um regime melhor que o democrático. Com
certeza, nossa democracia precisa aperfeiçoar-se mais. Será no debate livre que a democracia
se afirmará e se aprimorará em nosso rincão. O povo brasileiro saberá ter a
serenidade suficiente para acertar os passos no rumo da consolidação
democrática. Nesta terra natal, nunca se deixou de ter uma atitude
clara, desassombrada e definitiva em todos os episódios que caracterizaram o
perigo de acabar com a democracia.
O Brasil vai,
obrigatoriamente, melhorar? O Congresso, compulsivamente, ficará mais ético? A
resposta é não, já que a ética se estabelece no espírito e não nos textos de lei,
ela é conduzida por um sentimento, é a sensação de que
algo está errado.
A
ética da legalidade requer que cada um fique no espaço que lhe compete, de
compasso e esquadro na mão, para medir e pesar, como guardião, a sustentação
que ambas as colunas republicanas (o Legislativo e o Judiciário) são capazes de
produzir no vértice da prática democrática, mediante o sistema de freios e
contrapesos. O equilíbrio nas atitudes políticas é o fiel balanceador
que ajusta os afãs e arroubos das conjunturas à realidade nacional, tornando
possível o desenvolvimento e consolidação das instituições.
Consertar a Nação é tarefa
difícil de superação cultural dos vícios atávicos que advêm desde o início de
nossa colonização; contudo, é o serviço em prol da resolução dos
problemas com que nos defrontamos que valoriza e dá sentido à própria razão de
ser do político. O filósofo Sêneca, na Grécia pré-socrática, dizia: “Não é porque as coisas são difíceis que nós
não ousamos. É porque não ousamos que as coisas são difíceis.”
Então, os desafios existem para ser
superados, mas de maneira democrática, coletiva, sem individualismo ou
voluntarismo, já que isso não condiz com o trabalho fraterno. É preciso
paciência histórica, sem permitir o afloramento de aventuras totalitaristas,
para que se mantenha o Estado
de Direito em nossa Pátria, deixando para trás os que, ditatorialmente, pensam
ser a democracia substituível pela espada.
Fonte: Blog do Salin Siddartha