Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 6 de abril de 2014

Em defesa da democracia: Ditadura nunca mais

Domingo, 6 de abril de 2014
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Por Salin Sidartha
A semana passada marcou os 50 anos do Golpe Militar de 1º de abril de 1964, que instaurou a Ditadura no Brasil. Com aquele insano desrespeito à ordem constitucional estabelecida, as promessas de manutenção da democracia e de realização das eleições presidenciais de 1965 não foram cumpridas, e se estabeleceu no Brasil, por 21 anos, a Ditadura Militar, que causou perseguições políticas, torturas, abusos de poder e assassinatos.
Ao arrepio das mais lídimas consolidações jurídicas e institucionais aperfeiçoadas na diacronia da humanidade, sem que tivessem sido legitimados nas urnas por um voto sequer, portanto sem o objetivo apoio popular, generais entreguistas assumiram-se como os donos do poder, fecharam o Congresso Nacional, manietaram o Poder Judiciário, a partir do próprio Supremo Tribunal Federal, aposentaram, prenderam e cassaram juízes, diplomatas, parlamentares e transformaram o País em um exemplário de ridículos tiranos latino-americanos.
Os ditadores retiraram as prerrogativas de independência dos Poderes Judiciário e Legislativo e os submeteram a um Poder Executivo ilegítimo e ilegal, sob o tacão dos fatídicos Atos Institucionais, dentre eles o AI-5, o maior castrador dos princípios do Direito. Ora, ou os Poderes Legislativo e Judiciário têm a prerrogativa total de independência entre si e para com o Poder Executivo, ou não mais se caracterizam, de fato, como Poderes republicanos.
O Brasil faz jus à atuação política com o senso da retidão, ao orgulho da independência e à fidelidade ao ideário ligado às raízes da sua formação cristã e do Estado de direito. Assim, em face daquele atentado imoral, incivilizado, extirpador dos mínimos direitos de cidadania e de convivência harmônica dos brasileiros, o que tem em nós de civilização não pode abrir mão dos escrúpulos de consciência e deve, portanto, colocar, na ordem do dia, a defesa da democracia como um somatório da cultura nacional consolidada nas leis.
As ditaduras são a acefalia dos bestiais instintos pré-históricos, sem ordem, que age pelo temor imposto pela individualidade do tacape do ditador de plantão. Em nome da razão, fazendo jus à bela pátria onde nascemos e que acolhe nossos descendentes, zelando pelos princípios da República e do federalismo, toda atuação política deve dedicar-se ao ideal de sustentar a democracia.
Felizmente, o aço puro das melhores consciências políticas se perfilou no combate à Ditadura e não fraquejou ante a injustiça, a ingratidão e os reveses. Nunca se acovardou ante o perigo. E enfrentou cassações e prisões para defender a ordem jurídica legítima deste país.
A História do Brasil é pontilhada por próceres que se transformaram em verdadeiros ícones da democracia, emoldurados pelos embates, glórias e atos dignos de gigantes. São muitos os heróis anônimos ou notórios que nunca deixaram de ter uma atitude clara, desassombrada e definitiva em todos os episódios que caracterizaram o perigo de acabar com a democracia em nosso País.
Os que conseguiram sobreviver à tortura, à perseguição e a todas as formas de arbítrio impostas naquele tenebroso período ficaram para nós como exemplos contemporâneos edificantes das novas gerações. Lembrar a memória de todos os que tombaram na luta contra a Ditadura é inflar o peito de confiança no ser humano, mesmo quando a chama da fé, às vezes, ameaça esvair-se no adentrar das trevas da descrença.
Lamentavelmente, uma ínfima quantidade de indivíduos, à qual se têm aliado cerca de 3 ou 4 oficiais-generais aposentados e uma meia-dúzia de praças de pijama, vem manifestando certo saudosismo dos tempos da Ditadura e desprezo pela democracia. O Estado democrático de direito é tão acolhedor que lhes dá essa oportunidade de protestar livremente. Ainda bem que a liberdade de expressão, hoje em dia, está preservada no Brasil, porque, se fosse no tempo da Ditadura, estariam todos, no mínimo, presos, torturados.
É interessante frisar que, durante aquele período de arbítrio, a corrupção existente era proibida de ser noticiada, para que a população não ficasse sabendo, sob pena de prisão dos responsáveis pela divulgação e fechamento do órgão de imprensa noticiador, com base no AI-5 e na Lei de Segurança Nacional. Tais viúvas da Ditadura são tão “inocentes” úteis que não veem que, se o poder relativo corrompe relativamente, o poder absoluto corrompe absolutamente.
Winston Churchill, certa feita, afirmou que a democracia tem muitos defeitos, só que ainda não inventaram um regime melhor que o democrático. Com certeza, nossa democracia precisa aperfeiçoar-se mais. Será no debate livre que a democracia se afirmará e se aprimorará em nosso rincão. O povo brasileiro saberá ter a serenidade suficiente para acertar os passos no rumo da consolidação democrática. Nesta terra natal, nunca se deixou de ter uma atitude clara, desassombrada e definitiva em todos os episódios que caracterizaram o perigo de acabar com a democracia.
 O Brasil vai, obrigatoriamente, melhorar? O Congresso, compulsivamente, ficará mais ético? A resposta é não, já que a ética se estabelece no espírito e não nos textos de lei, ela é conduzida por um sentimento, é a sensação de que algo está errado.
A ética da legalidade requer que cada um fique no espaço que lhe compete, de compasso e esquadro na mão, para medir e pesar, como guardião, a sustentação que ambas as colunas republicanas (o Legislativo e o Judiciário) são capazes de produzir no vértice da prática democrática, mediante o sistema de freios e contrapesos. O equilíbrio nas atitudes políticas é o fiel balanceador que ajusta os afãs e arroubos das conjunturas à realidade nacional, tornando possível o desenvolvimento e consolidação das instituições.
Consertar a Nação é tarefa difícil de superação cultural dos vícios atávicos que advêm desde o início de nossa colonização; contudo, é o serviço em prol da resolução dos problemas com que nos defrontamos que valoriza e dá sentido à própria razão de ser do político. O filósofo Sêneca, na Grécia pré-socrática, dizia: “Não é porque as coisas são difíceis que nós não ousamos. É porque não ousamos que as coisas são difíceis.”
Então, os desafios existem para ser superados, mas de maneira democrática, coletiva, sem individualismo ou voluntarismo, já que isso não condiz com o trabalho fraterno. É preciso paciência histórica, sem permitir o afloramento de aventuras totalitaristas, para que se mantenha o Estado de Direito em nossa Pátria, deixando para trás os que, ditatorialmente, pensam ser a democracia substituível pela espada.
Fonte: Blog do Salin Siddartha