Por Adriano Benayon* – 20.01.2015
1. Não é hipérbole dizer que o Brasil – consciente disto, ou
não – vive momento decisivo de sua História. Se não quiser sucumbir, em definitivo,
à condição de subdesenvolvido e (mal) colonizado, o povo brasileiro terá de
desarmar a trama, o golpe em que está sendo envolvido.
2. Essa trama – que visa a aplicar o golpe de misericórdia
em qualquer veleidade de autonomia nacional, no campo industrial, no
tecnológico e no militar – é perpetrada, como foram as anteriores intervenções,
armadas ou não, pelas oligarquias financeiras transnacionais e
instrumentalizada por seus representantes locais e pelo oligopólio mediático,
como sempre utilizando hipocritamente o pretexto de combater a corrupção.
3. Que isso significa? Pôr o País à mercê das imposições
imperiais sem que os brasileiros tenham qualquer capacidade de sequer
atenuá-las.
4. Implica subordinação e impotência ainda maiores que as
que levaram o País, de 1955 ao final dos anos 70, a endividar-se, importando
projetos de infra-estrutura, em pacotes fechados, e permitindo o crescimento da
dívida externa, através dos déficits de comércio exterior decorrentes da
desnacionalização da economia, e em função das taxas de juros arbitrariamente
elevadas e das não menos extorsivas taxas e comissões bancárias para
reestruturar essa dívida.
5. Ora, a cada patamar inferior a que o Brasil é arrastado,
o império o constrange a afundar para degraus ainda mais baixos, tal como
aconteceu nas décadas perdidas do final do Século XX.
6. Na dos anos 80 ocorreu a crise da dívida externa, após a
qual o sistema financeiro mundial fez o Brasil ajoelhar-se diante de condições
ainda mais draconianas dos bancos “credores”.
7. Na dos anos 90, mediante eleições diretas fraudadas em
favor de ganhadores a serviço da oligarquia estrangeira, perpetraram-se as
privatizações, nas quais se entregaram e desnacionalizaram, em troca de títulos
podres de desprezível valor, estatais dotadas de patrimônios materiais de
trilhões dólares e de patrimônios tecnológicos de valor incalculável.
8. A Operação Lava-jato está sendo manipulada com o objetivo
de destruir simultaneamente a Petrobrás – último reduto de estatal produtiva
com formidável acervo tecnológico – bem como as grandes empreiteiras, último
reduto do setor privado, de capital nacional, capaz de competir mundialmente.
9. Quando do tsunami desnacionalizante dos 90, a Petrobrás
foi das raras estatais não formalmente privatizadas. Mas não escapou ilesa: foi
atingida pela famigerada Lei 9.478, de 1997, que a submeteu à ANP, infiltrada
por “executivos” e “técnicos” ligados à oligarquia financeira e às petroleiras
angloamericanas.
10. Essa Lei abriu a porta para a entrada de empresas estrangeiras
na exploração de petróleo no Brasil, com direito a apropriar-se do óleo e
exportá-lo, e propiciou a alienação da maior parte das ações preferenciais da
Petrobrás, a preço ínfimo, na Bolsa de Nova York, para especuladores daquela
oligarquia, como o notório George Soros.
11. Outros exemplos do trabalho dos tucanos de FHC agindo
como cupins devoradores – no caso, a Petrobrás servindo de madeira – foram:
extinguir unidades estratégicas, como o Departamento de Exploração (DEPEX);
desestruturar a administração; e liquidar subsidiárias, como a INTERBRÁS e
numerosas empresas da área petroquímica.
12. Como assinalam os engenheiros Araújo Bento e Paulo
Moreno, com longa experiência na Petrobrás, a extinção do DEPEX fez que a
empresa deixasse de investir na construção de sondas e passasse a alugá-las de
empresas norte-americanas, como a Halliburton, a preços de 300 mil a 500 mil
dólares diários por unidade.
13. Os próprios dados “secretos” da Petrobrás, inclusive os
referentes às fabulosas descobertas de seus técnicos na plataforma continental
e no pré-sal são administrados pela Halliburton. Em suma, a Petrobrás é uma
empresa ocupada por interesses imperiais estrangeiros, do mesmo modo que o
Brasil como um todo.
14. Além disso, a Petrobrás teve de endividar-se pesadamente
para poder participar do excessivo número de leilões para explorar petróleo,
determinados pela ANP, abertos a empresas estrangeiras.
15. Para obter apoio no Congresso, os governos têm usado,
entre outras, as nomeações para diretorias da Petrobrás. Essa política corrupta
e privilegiadora de incompetentes, já antiga, é bem-vinda para o império, e é
adotada para “justificar” as privatizações: vai-se minando deliberadamente a
empresa, e depois se atribui suas falhas à administração estatal.
16. Tal como agora, assim foi nos anos 80 e 90, com a grande
mídia, incessantemente batendo nessa tecla, e fazendo grande parte da opinião
pública acreditar nessa mentira.
17. Mas as notáveis realizações da Petrobrás são obras de
técnicos de carreira, admitidos por concurso – funcionários públicos, como
foram os da Alemanha, das épocas em que esse e outros países se desenvolveram.
Entretanto, a mídia servil ao império demoniza tudo que é estatal e oculta a
corrupção oriunda de empresas estrangeira, as quais, de resto, podem pagar as
propinas diretamente no exterior.
18. Para tirar do mercado as empreiteiras brasileiras, as
forças ocultas – presentes nos poderes públicos do Brasil – resolveram aplicar,
contra essas empresas, a recente Lei nº 12.846, de 01.08.2013, que estabelece
“a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira (sic).”
19. Seu art. 2o reza: As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos
lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo
ou não.”
20. Como as coisas fluem rapidamente, quando se trata de
favorecer as empresas transnacionais, a Petrobrás já cuidou de convidar
empresas estrangeiras para as novas licitações, em vez das empreiteiras
nacionais.
21. A grande mídia, tradicionalmente antibrasileira,
noticia, animada, a possibilidade de se facilitar, em futuro próximo, a
abertura a grupos estrangeiros do mercado de engenharia e construção civil,
mais uma consequência da decisão, contrária aos interesses do País, de
considerar inidôneas as empreiteiras envolvidas na operação Lava Jato.
22. Recentemente, nos EUA, foi infligida multa recorde, por
corrupção, a um grupo francês, a qual supera de longe os US$ 400 milhões
impostos à alemã Siemens. Já das norte-americanas, por maiores que sejam seus
delitos, são cobradas multas lenientes, e não está em questão alijá-las das
compras de Estado.
23. Já no Brasil – país ocupado e dominado, mesmo sem tropas
nem bases estrangeiras – somente são punidas empresas de capital nacional. Fica
patente o contraste entre um dos centros do império e um país relegado à
condição de colônia.
24. Abalar a Petrobrás e inviabilizar as empreiteiras
nacionais implica acelerar o desemprego de engenheiros e técnicos brasileiros
em atividades tecnológicas. As empreiteiras são importantes não só na
engenharia civil, onde se têm mostrado competitivas em obras importantes no
exterior, mas também por formar quadros e gerar de empregos de qualidade nos
serviços e na indústria, inclusive a eletrônica e suas aplicações na defesa
nacional.
25. Elas estão presentes em: agroindústria; serviços de
telefonia e comunicações; geração e distribuição de energia; petróleo;
indústria química e petroquímica; construção naval. E – muito importante –
estão formando a nascente Base Industrial da Defesa.
26. A desnacionalização da indústria já era muito grande no
início dos anos 70 e, além disso, foi acelerada desde os anos 90, acarretando a
desindustrialização. Paralelamente, avança, de forma avassaladora, a
desnacionalização das empresas de serviços.
27. Este é o processo que culmina com o ataque mortal à
Petrobrás e às empreiteiras nacionais, e está recebendo mais um impulso através
da política fiscal – que vai cortar em 30% os investimentos públicos – e da
política monetária que está elevando ainda mais os juros.
28. Isso implica favorecer ainda mais as transnacionais e
eliminar maior número de empresas nacionais, sobre tudo pequenas e médias,
provedoras mais de 80% dos empregos no País. De fato, só as transnacionais têm
acesso aos recursos financeiros baratos do exterior e só elas têm dimensão para
suportar os cortes nas compras governamentais.
29. Como lembra o Prof. David Kupfer, a Petrobrás e seus
fornecedores respondem por 20% do total dos investimentos produtivos realizados
no Brasil. Só a Odebrecht e Camargo Corrêa foram responsáveis por mais de 230
mil empregos, em 2013.
30. A área econômica do Executivo parece não ver problema em
reduzir o assustador déficit de transações correntes (mais de US$ 90 bilhões de
dólares em 2013), causando uma depressão econômica, cujo efeito, além de
inviabilizar definitivamente o desenvolvimento do País, implica deteriorar a
qualidade de vida da “classe média” e tornar ainda mais insuportáveis as
condições de vida de mais da metade da população, criando condições para a
convulsão social.
31. Por tudo isso, há necessidade de grande campanha para
virar o jogo, com a participação de indivíduos, capazes de mobilizar expressivo
número de compatriotas, e de entidades dispostas a agir coletivamente.
* – Adriano Benayon é doutor
em economia, pela Universidade de Hamburgo, e autor do livro Globalização
versus Desenvolvimento.
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