Domingo, 10 de abril de 2016
Do Esquerda.Net
Num livro indispensável, François Morin disseca as instituições
“sistémicas” cujo poder é muito superior ao da maior parte dos Estados. O
que é a “hidra global” e como exerce o seu domínio. No Marcelo Justo,
na BBC.
10 de Abril, 2016
“Os
Estados são reféns desta hidra bancária e são disciplinados por ela. A
crise prova esse poder”, afirma François Morin, autor do livro A Hidra Mundial, o Oligopólio Bancário, professor emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central francês.
“Os grandes bancos detinham os produtos tóxicos responsáveis pela
crise, mas, em vez de reestruturá-los, os Estados acabaram assumindo as
suas obrigações – e a dívida privada transformou-se em dívida pública.”
No seu livro, o investigador concentra-se em cinco mecanismos que,
segundo ele, concedem aos bancos esta hegemonia financeira, econômica e
política.
1. Ativos
A queda do Lehman Brothers, em 2008, marcou o começo da crise económica mundial
Os 28 bancos detêm recursos superiores aos de dívidas públicas de 200
países do planeta. Enquanto estas entidades têm ativos (bens, dinheiro,
clientes, empréstimos, entre outros) que somam US$ 50,3 bilhões, a
dívida pública mundial é de US$ 48,9 bilhões.
Outra forma de dimensionar a questão: há centenas de milhares de
bancos no mundo, mas estes concentram 90% dos ativos financeiros
bancários. Com a hiperconcentração, a queda de um ou mais destes bancos
tem um potencial devastador não apenas no setor, mas na economia global.
Essa é a base do argumento no centro do debate depois de 2008: o
risco de instituições “too big to fail” (grandes demais para quebrar, em
inglês).
Segundo Oscar Ugarteche, economista da Universidade Nacional Autónoma do México e autor de A Grande Mutação,
que estuda o novo sistema financeiro mundial, com esse nível de
concentração do poder financeiro, há “grande possibilidade” de repetição
de uma crise como a de 2008.
“Estes mercados cresceram com a liberalização financeira dos últimos
30 anos”, diz o economista. “Foi com a sua participação nos mercados
especulativos que se chegou (à crise de) 2008.”
2. Criação de moeda
O sistema clássico de emissão monetária é formado por uma Casa da
Moeda que imprime as notas necessárias a um Banco Central, que está
posicionado no centro da cena financeira. Mas, hoje, 90% da moeda é
criada por estes 28 bancos, e só 10% é de responsabilidade de bancos
centrais.
A transição do dinheiro físico para o dinheiro creditício está a
mudar esta equação. “Estamos a fechar o círculo. No início, existiam
bancos que faziam operações de comércio exterior e interno. Era
dinheiro-crédito. Mas não havia controlo e centralização desta função”,
diz Ugarteche.
“Isso só começa a acontecer com a criação de um Banco Central
responsável pela emissão monetária. O primeiro é o da Inglaterra no
século 17. Mas, com a desregulamentação bancária dos anos 1990, estamos a
voltar ao princípio. Os bancos emitem crédito, e não há muito controlo a
esse respeito”, afirmou.
Se antes a expansão do dinheiro era de certa forma protegida pelo
nível de reserva monetária de um país, hoje em dia, este limite perdeu a
relevância.
No meio desta total flexibilização de crédito, a consultoria McKinsey
estima que a dívida total – isto é, a soma da dúvida pública, privada e
individual – tenha crescido mais de US$ 57 bilhões nos últimos sete
anos e, hoje, chega aos US$ 200 bilhões, cerca de três vezes o PIB
mundial.
3. Mercado cambial
A movimentação no mercado cambial é uma das maiores do mundo: US$ 6
mil milhões diários. Cinco dos 28 bancos controlam 51% deste mercado.
“O câmbio nos Estados Unidos e no Reino Unido não depende das
variáveis econômicas de um país. Basta que operadores, vinculados aos
bancos, decidam que o valor de uma moeda não se sustenta para que a
ataquem especulativamente”, diz Ugarteche.
“Com compras ou vendas maciças, arrastam o resto dos atores do setor
financeiro, provocando uma modificação no câmbio que não tem nada a ver
com a saúde econômica de um país.”
4. Taxas de juros
A situação mudou pouco desde 2008, dizem críticos do sistema financeiro
Com o seu potencial financeiro, estas 28 entidades têm um peso
fundamental sobre as taxas de juros. Dado o nível altíssimo de
circulação diária de ativos financeiros e de dívida, qualquer variação
da taxa de juros faz circular automaticamente quantidades enormes de
dinheiro.
Estados Unidos, Grã-Bretanha e Comissão Europeia deram início em 2012
a uma investigação que mostrou como este nível de concentração dos
bancos leva a uma manipulação do mercado.
Segundo a investigação, 11 dos 28 bancos – Bank of America,
BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman
Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland e UBS – comportaram-se como “entidades ou grupos organizados” ao manipular as taxas de juros chamadas “Libor”.
A Libor é fechada diariamente em Londres e determina a taxa com que
bancos emprestam. Tem impacto direto no mercado de derivativos e no que é
pago por consumidores e produtores para pagar dívidas. “Nada mudou. Um
escândalo parecido ocorreu recentemente com o Goldman Sachs, Morgan Stanley e JP Morgan no mercado de commodities”, afirma Ugarteche.
5. Derivativos
A crise de 2008 teve consequências graves em vários países do mundo, incluindo a Grécia
A metade dos 28 bancos produzem os chamados derivativos por US$ 710
bilhões, o equivalente a dez vezes o PIB mundial. Ugarteche ilustra o
funcionamento deste mercado com um ativo financeiro bem modesto: uma
vaca.
O que fazer para transformar a vaca em dinheiro? Noutras épocas, ela
era vendida em troca de uma quantidade de dinheiro. Mas, hoje, outra
opção é possível: uma transação futura.
Por exemplo: são vendidos o lucro em potencial que será obtido com o
leite da vaca ou os bezerros que ela irá parir. É possível também vender
o eventual leite que estes eventuais bezerros possam produzir, caso
sejam fêmeas.
“A partir de uma vaca real, é criada uma economia fictícia construída
mediante o uso de operações financeiras distintas. É um mundo de
probabilidades. O bezerro é um futuro possível, nada além disso, assim
como outros rendimentos obtidos a partir da vaca. O que acontece se a
vaca ficar doente?”, questiona Ugarteche.
Caso isso ocorra, as operações efetuadas vão para um buraco negro. E
foi assim que, em 2008, desapareceram mais de US$ 200 mil milhões, o que
arrastou na sua queda dispositivos de segurança que supostamente
garantiam todo o fluxo de valores financeiros.
J.P. Morgan Chase
Bank of America
Citigroup
HSBC
Deutsche Bank
Groupe Crédit Agricole
BNP Paribas
Barclays PLC
Mitsubishi Ufjfg
Bank of China
Royal Bank of Scotland
Morgan Stanley
Goldman Sachs
Mizuho FG
Santander
Société Générale
ING Bank
BPCE
Well Fargo
Sumitomo Mitsui FG
UBS
Unicrédit Group
Crédit Suisse
Nordea
BBVA
Standart Chartered
Bank of New York Mekon
State Street
Artigo reproduzido pelo Outras Mídias.