Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ainda não há um projeto político para o país

Sexta, 25 de novembro de 2011
Da Tribuna da Imprensa desta sexta

Conversa de Helio Fernandes e Celso Brant, mostrando que, sem projeto político, nenhum país existe ou se desenvolve.

O comentarista Vilé Magalhães nos manda uma preciosidade: uma conversa de Helio Fernandes com Celso Brant, publicada em 2003 na Tribuna da Imprensa. 

Brant, um grande brasileiro, fala sobre a necessidade de uma Nova Inconfidência. Mostra bem a nossa falta de soberania e como não avançamos nada de1789 a 2003 (e de 2003 a 2011, nada mudou).
Vale à pena conferir o posicionamento nacionalista de Celso Brant, que morreu em 2004, sem ver o Brasil se tornar independente de verdade.
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INVULGAR, SINGULAR, FASCINANTE
Helio Fernandes
Celso Brant é um mineiro que vem em linha reta de Tiradentes. Jornalista, escritor, político, deputado, chefe de gabinete do governador Clovis Salgado (que substituiu Juscelino), Secretário do Trabalho com Itamar, defensor intransigente do interesse do Brasil. Se me pedissem para definir Celso Brant em três palavras não convencionais, eu diria: Invulgar. Singular. Fascinante.
Seu segundo livro é “A Nova Inconfidência”. Aproveito, converso com ele, faço apenas as perguntas, o espaço fica admiravelmente preenchido por ele.
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Qual o objetivo da Nova Inconfidência?
Celso Brant – O atraso do Brasil decorre do fato de em 500 anos de história, não ter tido nunca um projeto político. O projeto político é a base da existência de qualquer país. Ele é o esqueleto sem o qual a nação não se mantém em pé. Sem ter consciência do seu destino, a nação está em crise permanente de identidade. Como disse Marco Aurélio, para quem não sabe para onde vai, nenhum vento é propício.

Como se começa esse projeto?
Celso Brant– Quando pretendemos construir uma casa, a nossa primeira iniciativa é mandar fazer a planta. Como construir uma nação sem antes cuidar do seu projeto político? Cada país é o que é o seu projeto político e se realiza à medida que realiza esse projeto.
O país que não tem projeto político é o que nós chamamos de colônia. A colônia não existe para resolver os seus próprios problemas, mas para ajudar a enriquecer os países dominadores.

O Brasil continua colônia?
Celso Brant – É a colônia que não tem sequer consciência de sua situação de colônia. A coisa mais difícil, hoje, é explicar aos brasileiros que não passamos de uma colônia dos Estados Unidos. No entanto, na história humana, nunca houve pior colonialismo do que o americano. Quando éramos colônia de Portugal, ele roubava todas as nossas riquezas. Os Estados Unidos não apenas roubam as nossas riquezas, mas estão tentando destruir o Brasil. Estamos mandando, em dólares, para os Estados Unidos, cem vezes mais do que enviávamos em ouro para Portugal.

Por que Nova Inconfidência?
Celso Brant – A Inconfidência foi a primeira tentativa que tivemos de dar um projeto político para o Brasil. Tiradentes estava longe de ser o mais culto dos inconfidentes, mas era o que tinha a mais clara consciência da nossa realidade. Tinha a convicção de que o nosso atraso resultava da dependência colonial. “Não fosse isso” – explicava – “as ruas de Minas poderiam ser calçadas de ouro”. Tinha sempre em mente o exemplo dos Estados Unidos, que haviam rompido, corajosamente, com a submissão colonial e estavam abrindo o seu próprio caminho. As nossas condições eram ainda melhores do que as dos Estados Unidos “pelas maiores riquezas e comodidades que o Brasil possui”.

Podemos comparar Brasil e Estados Unidos?
Celso Brant – Culturalmente, a nossa situação era melhor que a dos Estados Unidos, já que tivemos, num espaço de cinqüenta anos, um florescimento cultural superior a todos os países da América, em todos os tempos. Nessa ocasião, se reuniu em Vila Rica o mais extraordinário grupo de poetas, músicos, pintores, escultores e arquitetos. A América nunca produziu um gênio que se comparasse ao do Aleijadinho. A nossa economia, na época, nada ficava a dever à americana.
O Brasil foi o maior produtor de ouro do século XVIII. O nosso atraso residia no terreno político. E foi aí que cometemos o erro que inviabilizou nosso futuro. Os inconfidentes não tinham consciência de que a luta pela libertação nacional necessariamente termina com a libertação nacional. Nessa guerra, podemos perder algumas batalhas, menos a final e definitiva. O erro dos inconfidentes foi aceitar a primeira derrota como definitiva. No momento em que foi enriquecida com o aparecimento de um herói e mártir, a sua luta deveria ter adquirido novas forças. Aceitar que a Inconfidência terminou com a morte de Tiradentes na forca, seria o mesmo que admitir que o Cristianismo acabou com a morte de Cristo na cruz, quando, de fato, foi ali que começou.

A Nova Inconfidência pretende corrigir esse erro, retomar a luta pela libertação nacional?
Celso Brant – O problema do Brasil no ano 2003 é o mesmo de 1789: falta de soberania. Portanto, o que precisamos fazer é retomar a bandeira que estava nas mãos de Tiradentes e ele deixou cair ao chão ao ser mortalmente ferido pela fúria do dominador estrangeiro, e levá-la à vitória final. Os inconfidentes tiveram uma luta árdua e difícil. Hoje, o Brasil continua como colônia pela absoluta incompetência da nossa classe política. A submissão do Brasil aos Estados Unidos é agora feita através de acordos com o Fundo Monetário Internacional.
No ano passado, estávamos em condições de nos libertar ao chegar ao fim um dos compromissos firmados com aquele organismo. A grande imprensa, a serviço dos grupos financeiros internacionais, começou a veicular a informação de que o Brasil poderia declarar moratória. O governo negava o boato, dizendo que a economia estava estável, o que era verdade. Mas como o presidente Fernando Henrique Cardoso não passava de um servidor dos Estados Unidos, e como o Brasil dever ao FMI era essencial à nossa manutenção na situação de colônia, acabou admitindo pedir um empréstimo de 15 bilhões de dólares. Solicitou 15 bilhões de dólares e o Fundo lhe ofereceu 30 bilhões!

O desenvolvimento do Brasil passa pelo FMI?
Celso Brant – De jeito algum. Desse dinheiro, de que não precisava, FHC recebeu 6 bilhões de dólares, embora já estivesse no fim do governo. Até aí, compreensível, FHC era um traidor. Mas como aceitar que o governo Lula recebesse depois uma outra quota de 4 bilhões e 100 milhões de dólares? O Brasil não precisava nem precisa desse dinheiro. Lula com isso aumentou o nosso fundo de reserva. Eram 48 bilhões de dólares, agora, 52 bilhões.

Como explicar essa operação desnecessária?
Celso Brant – Este é o maior crime que está sendo cometido contra o país. A conquista de soberania para o Brasil, hoje, depende apenas de uma decisão simples: pagar os 6 bilhões de dólares embolsados por FHC, devolver os 4,100 bilhões indevidamente recebidos por Lula, denunciar o atual acordo firmado com o Fundo Monetário e nunca mais solicitar a sua ajuda. Isto porque o FMI, ao lado de juros financeiros, cobra juros políticos, que representam, de fato, a entrega da soberania nacional. O que na realidade estamos fazendo é vender a nossa soberania em troca de alguns caraminguás para engordar a nossa conta bancária.

Terminando, qual a pretensão da Nova Inconfidência?
Celso Brant – O que A Nova Inconfidência pretende é unir todos os brasileiros num projeto simples, o da conquista da soberania, indicando, além disso, o instrumento para se alcançar esse objetivo: a mobilização nacional. A mobilização é o mais importante instrumento para um país realizar o seu projeto político nacional.
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PS – Meditem em tudo o que está dito acima, pensem no que não está dito, raciocinem no implícito e no explícito, e lamentem profundamente o fato de ainda sermos colônia, quando podíamos ser uma potência i-m-p-o-r-t-a-n-t-í-s-s-i-m-a. (Hélio Fernandes)