Sábado, 26 de novembro de 2011
Do Estadão
Higor Guerra, técnico da pasta das Cidades que assinou primeiro parecer contrário à implantação do VLT em Cuiabá para a Copa de 2014, contou ao ‘Estado’ e ao Ministério Público detalhes de ‘procedimentos irregulares’ dos colegas
26 de novembro de 2011 | 16h 32
Em entrevista exclusiva ao Estado,
o analista técnico do Ministério das Cidades Higor Guerra confirmou,
pela primeira vez, a pressão que sofreu para adulterar o processo que
trata da implantação de sistema de transporte público em Cuiabá para a
Copa do Mundo de 2014. Ele disse que a operação fraudulenta começou após
o Ministério Público de Mato Grosso pedir os documentos e a
Controladoria-Geral da União (CGU) emitir parecer contrário à obra.
"Sim, houve uma fraude", disse ele na conversa gravada.
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Valter Pontes/AE - 25.11.2011
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O funcionário também entregou à reportagem o depoimento que prestou
na sexta-feira ao Ministério Público Federal. Ele deu detalhes da
operação - revelada pelo Estado na quinta-feira - que
escondeu sua nota técnica de 8 de agosto, de número 123/2011, contrária
ao projeto de R$ 1,2 bilhão para o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que
substituiu o BRT (linha rápida de ônibus). O projeto do BRT custava R$
489 milhões. A fraude foi feita para cumprir o acordo político do
governo federal com o governo de Mato Grosso, Sinval Barbosa (PMDB), a
favor do VLT.
Segundo Higor Guerra, no dia 29 de junho, numa reunião com
integrantes do governo de Mato Grosso, os técnicos estaduais
"reconheceram que não tinham conhecimento técnico sobre o projeto de
VLT, e que a decisão de sua implantação havia sido política". A gerente
de projetos do ministério, Cristina Soja, no entanto, disse a ele que "a
posição do órgão (ministério) tinha que estar em sintonia com a decisão
do governo". Higor afirmou que o cronograma do VLT era "falho", "pois
previa várias fases sendo realizadas ao mesmo tempo de forma incorreta".
O analista entregou ao Ministério Público Federal 200 páginas e nove anexos sobre o caso.
Ele disse acreditar que a fraude ocorreu no dia 26 de outubro, quando
descobriu uma "alteração" na "pasta de rede" em que são guardados esses
documentos, incluindo sua nota técnica. No dia seguinte, o Ministério
das Cidades providenciou o envio dos papéis para o Ministério Público de
Mato Grosso, com a nota técnica fraudada, agora a favor do VLT, data
retroativa a 8 de setembro e o mesmo número 123/2011. Gravação revelada
na quinta-feira pelo Estado mostra a diretora de
Mobilidade Urbana, Luiza Vianna, admitindo que a estratégia era enganar o
Ministério Público de Mato Grosso.
Higor Guerra responsabilizou Luiza pela manobra. "Ela retirou um
documento aprovado por ela e que já estava autuado no processo e
tramitava havia bastante tempo. Ela retirou e inseriu nova nota técnica e
creio que isso não é um procedimento regular." Em reunião na
segunda-feira com assessores, Luiza disse que agiu a mando do chefe de
gabinete do ministro Mário Negromonte, Cássio Peixoto.
Copa. Funcionário de carreira do Ministério das
Cidades desde 2008, e com mestrado em transportes pela Universidade de
Brasília (UnB), Higor Guerra contou que foi designado no começo deste
ano para cuidar tecnicamente das obras de Cuiabá e Manaus, cidades-sede
da Copa. Em 8 de agosto, ele disse que concluiu a nota técnica que
apresentava problemas para a mudança do BRT pelo VLT. De acordo com ele,
o agente administrativo Marcelo Barbosa "foi quem juntou o documento
aos autos e numerou e rubricou as folhas".