Quarta, 30 de novembro de 2011
Do "Rumos do Brasil"
“O capitalismo só triunfa quando se identifica com o estado, quando é o estado”
Fernand Braudel, “O Tempo do Mundo”, Editora Martins
Fontes, SP, p: 34________________________
Por José Luis Fiore*
O “debate desenvolvimentista” latino-americano não teria nenhuma
especificidade se tivesse se reduzido à uma discussão macro-econômica
entre “ortodoxos”, neo-clássicos ou liberais, e “heterodoxos”,
keynesianos ou estruturalistas. Na verdade, ele não teria existido se
não fosse por causa do estado, e da discussão sobre a eficácia ou não da
intervenção estatal, para acelerar o crescimento econômico, por cima
das “leis do mercado”. Até porque, na América Latina como na Ásia, os
governos desenvolvimentistas sempre utilizaram políticas ortodoxas,
segundo a ocasião e as circunstancias, e o inverso também se pode dizer
de muitos governos europeus ou norte-americanos ultra-liberais ou
conservadores que utilizaram em muitos casos, políticas econômicas de
corte keynesiano ou heterodoxo. O pivot de toda a discussão e o
grande pomo da discórdia sempre foi o estado, e a definição do seu
papel no processo do desenvolvimento econômico.
Apesar disto, depois de mais de meio século de discussão, o balanço
teórico é decepcionante.. De uma forma ou outra a “questão do estado”
sempre esteve presente, nos dois lados desta disputa, que acabou sendo
mais ideológica do que teórica. Mas o seu conceito foi sempre
impreciso, atemporal e ahistórico, uma espécie de “ente” lógico e
funcional criado intelectualmente para resolver problemas de crescimento
ou de regulação econômica. Desenvolvimentistas e liberais sempre
compartilharam a crença no poder demiúrgico do estado, como criador ou
destruidor da boa ordem econômica, mas atuando em todos os casos, como
um agente externo à atividade econômica. Um agente racional, funcional e
homogêneo, capaz de construir instituições e formular planos de curto e
longo prazo orientados por uma idealização do modelo dos “capitalismos
tardios” ou do estado e desenvolvimento anglo-saxão. E todos olhavam
negativamente para os processos de monopolização e de associação do
poder com o capital, que eram vistos como desvios graves de um “tipo
ideal” de mercado competitivo que estava por trás da visão teórico dos
desenvolvimenjtistas tanto quando dos liberais. Além disto, todos
trataram os estados latino-americanos como se fossem iguais e não
fizessem parte de um sistema regional e internacional único, desigual,
hierarquizado, competitivo e em permanente processo de transformação. E
mesmo quando os desenvolvimentistas falaram de estados centrais e
periféricos, e de estados dependentes, falavam sobretudo de sistema
econômico mundial que tinha um formato bipolar relativamente estático,
onde as lutas de poder entre os estados e as nações ocupavam um lugar
bastante secundário..
No final do século XX, a agenda neoliberal reforçou um viés da
discussão que já vinha crescendo desde o período desenvolvimentista: o
deslocamento do debate para o campo da macroeconomia..Como volta a
acontecer com o chamado “neo-desenvolvimentismo” que se propõe inovar
e construir uma terceira via ( uma vez mais), “entre o populismo e a
ortodoxia”. Como se tratasse de uma gangorra que ora aponta para o
fortalecimento do mercado, ora para o fortalecimento do estado. Na
prática, o “neo-desenvolvimentista” acaba repetindo os mesmos erros
teóricos do passado e propondo um conjunto de medidas ainda mais vagas
e gelatinosas do que já havia sido a ideologia
nacional-desenvolvimentista dos anos 50. Passado a limpo, trata-se de um
pastiche de propostas macroeconômicas absolutamente ecléticas, e que se
propõem fortalecer, simultaneamente, o estado e o mercado; a
centralização e a descentralização; a concorrência e os grandes
“campeões nacionais”; o público e o privado; a política industrial e a
abertura; e uma política fiscal e monetária, que seja ao mesmo tempo
ativa e austera. E finalmente, com relação ao papel do estado, o
“neo-desenvolvimentismo” propõe que ele seja recuperado e fortalecido
mas não esclarece em nome de quem, para quem e para quê, deixando de
lado a questão central do poder, e dos interesses contraditórios das
classes e das nações.
Neste sentido, fica ainda mais claro que o desenvolvimentismo
latino-americano sempre teve um parentesco maior com o keynesianismo e
com “economia do desenvolvimento” anglo-saxônica, do que com o
nacionalismo econômico e o anti-imperialismo, que são a mola mestra do
desenvolvimento asiático. E que, além disto, os desenvolvimentistas
latino-americanos sempre compartilharam com os liberais, a concepção
econômica do estado do paradigma comum da economia política clássica,
marxista e neo-clássica. Este paradoxo explica – aliás – a facilidade
teórica com que se pode passar de um lado para o outro, dentro do
paradigma líbero-desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do
mesmo lugar...
*José Luis Fiori -Sociólogo,Mestre em Economia e Doutor em Ciências
Políticas. Coordena o programa de pós-graduação do Núcleo de Estudos
Internacionais da UFRJ, entre outras atividades. Foi ganhador do prêmio
Jabuti de Economia, em 1998, com o livro "Poder e Dinheiro. Uma economia
Política da Globalização", organizado com a professora M.C.Tavares.
Possui ainda outras obras publicadas.