Quinta, 10 de janeiro de 2013
Sandra Starling
Consigo, finalmente, encontrar coragem para fazer uma volta ao
passado e me arrepender do que fiz. Sou levada a isso por um antigo
companheiro, que me indagou, diante de meu artigo sobre José Dirceu, se a
esquerda seria capaz de rever seus erros. Não sei responder essa
pergunta genérica. Sei que eu posso e que posso também apontar o erro
principal da maioria em meu antigo partido. Ano Novo é para isso mesmo:
momento de reflexão sobre o que foi feito e sobre o que se deve fazer.
No livro do africano José Eduardo Aqualusa “Teoria Geral do
Esquecimento”, sobre a luta pela libertação e pela construção do
socialismo em Angola, há um personagem, o Pequeno Soba, cuja descrição
me instigou: “possuía mais alento do que talento para as tramas da
política”. Viajei na maionese vendo Lula na minha frente. Só que esse,
ao contrário, possui de sobra alento e talento para as tramas da
política.
O PT nasceu da confluência das comunidades eclesiais de base com as
organizações clandestinas de esquerda – leninistas e trotskistas,
intelectuais e sindicalistas. Nas quatro vertentes, como acontece em
todo lugar, convivem oportunistas, pessoas bem-intencionadas, canalhas e
ingênuos. As CEBs sempre endeusaram as classes populares e se
maravilharam com Lula, porque ele era um autêntico representante do povo
brasileiro. A esquerda – na qual me incluía – vivia, equivocadamente,
vendo em um operário – por ser operário – a encarnação do sujeito
histórico da revolução.
“INTELECTUAIS”
Os intelectuais adoraram ter um líder não iniciado na militância de
esquerda e, portanto, vacinado contra os males do stalinismo.
Oportunistas, canalhas e mal-intencionados viram nele a “galinha dos
ovos de ouro” há muito esperada. Os ingênuos, afinal, enxergaram alguém
em quem poderiam confiar.
Julgo que esse endeusamento de Lula cegou-nos a todos para não vermos
desde o início suas grandes virtudes, mas também seus enormes defeitos.
Não vou me estender sobre as qualidades. Vou falar dos defeitos. Seu
ego imenso, a fuga das “bolas divididas”, os “queridinhos da vez”
(Osmarzinho, depois, Jacó Bittar, Olívio Dutra e Guschiken, Weffort,
Frei Betto). E seus “escolhidos da vez” ou “descartados da vez”: dentre
os primeiros, Dilma Rousseff, agora, Haddad. Dentre os segundos, por
exemplo, Humberto Costa, na aventura da Prefeitura de Recife agora, em
2010.
De José Dirceu, ele nunca gostou, tenho certeza. Mas ele pressentia
que nada seria sem o comandante incansável, o principal mantenedor da
ordem no partido, com capacidade de intervenção fora dele. Deu no que
deu. Vencida a fase de consolidação da organização interna, Lula tirou
de vez a máscara e se arvorou em dono do partido, processo iniciado com a
ajuda do próprio José Dirceu quando Wladimir Palmeira foi impedido de
ser candidato ao governo do Rio.
Se José Dirceu for mesmo para a cadeia, e outros problemas não
surgirem, será finalmente possível saber o que Lula fará com um partido
que virou, como se sabe, caricatura de si mesmo.
Fonte: Tribuna da Internet // Jornal O Tempo