Sábado,
9 de março de 2013
Por
Ivan de Carvalho
O polêmico governo da Venezuela anunciou que Hugo Chávez, presidente do país durante 16 anos, até que
a morte o separou do cargo, não será sepultado. Seu corpo será embalsamado e ficará
exposto à visitação pública, enquanto for possível.
Não
são muitos os casos semelhantes conhecidos. Não se pode identificar o caso de
Chávez com os das múmias tradicionais, entre as quais as mais conhecidas e
famosas são as egípcias. Ainda que, no sentido figurado de coisa antiga,
Chávez, quando em vida, podia ser considerado uma múmia, em relação aos seus
mais ostensivos aspectos ideológicos e políticos.
Tinha,
e isto há de lhe ser reconhecido, um forte viés de ajuda aos pobres, mas
forçoso é admitir-se também que disso vinha uma imensa parte de sua força
político-popular. Não era uma doação incondicional, mas uma via de mão dupla,
algo do tipo toma lá, dá cá. Aliás, no Brasil convivemos com um esquema muito
parecido, capitaneado pelo Programa Bolsa Família e completado por alguns
coadjuvantes, como o iniciante e no futuro talvez poderoso Brasil Sem Miséria.
Sei
não, mas tenho uma forte impressão, talvez pelas caras das três principais
pessoas (cada uma com a sua), que na Venezuela havia, pelo menos até a morte de
Chávez (não creio que continue depois), mais sinceridade, mais espontaneidade e
menos esperteza que aqui. Não quero fazer uma afirmação sob risco de erro de
avaliação, mas ao menos confirmo a forte impressão que referi no começo deste
parágrafo.
Bem,
voltando às múmias, elas não eram preparadas para serem expostas, mas para
viverem no mundo dos mortos, em seus túmulos não raro com armadilhas contra os
muito vivos, com tesouros, alimentos, água e às vezes escravos. Lá ficavam
escondidas do mundo e – se eram faraós – ai daqueles que lhes perturbassem o
sono, pois sobre eles a morte viria “com asas ligeiras”, como constatou, para
infelicidade própria, lord Carnavon, chefe da expedição arqueológica que
perturbou o sono de Tutancamon.
Mas que fiquem em seu recato as múmias
antigas, egípcias, hindus, incas e outras, que não hajam sido contra sua
vontade levadas para museus. Ponha-se o foco nas múmias modernas – pela própria
idade não se sabe se tão resistentes ao tempo que as outras – a começar pela
“mãe de todas as múmias contemporâneas”, a de Lenin (desatendido no pedido de
que o enterrassem ao lado da mãe), ainda exposta na Rússia, atração popular e
mesmo turística (por isto o fornecedor da matéria prima não esperava,
certamente), mas com número minguante de visitantes, se comparado ao dos áureos
tempos da União Soviética.
Stalin também
foi mumificado, mas enquanto a múmia de Lenin foi exposta ao público em um
mausoléu, a de Stalin, por uma imperdoável pirraça do irascível Kruchev, foi
confinada a algum lugar no interior do Kremlim. A mesma falta de sorte não teve
Mao Tsé-tung (Mao Zedong), cuja múmia permanece glorificada, em exposição na
Praça da Paz Celestial, em Pequim. Foi nessa praça que o exército chinês matou
pelo menos cinco mil manifestantes (quase todos, estudantes), que pediam
liberdade. A múmia testemunhou tudo.
Essa tara
comunista pela mumificação teve seguimento entusiasta na Choréia do Norte, onde
estão mumificados e expostos diariamente à visitação de silenciosos e não raro
discretamente chorosos visitantes o fundador do regime comunista no país, Kim Il-sung
e seu filho e sucessor, Kim Jong-il. Ainda está vivo o filho de Kim Jong-il, Kim Jong-un, aquela trouxa com uma erupção
de piaçava na cabeça e brandindo numa das mãos um míssil balístico no qual
garante que há uma ogiva nuclear.
Ora, resolveram, no esforço de dar uma sobrevida maior ao
chavismo, fazer grande maldade com o corpo dele. Nicolás Maduro e Diosdado
Cabello não merecem tanto.
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Este artigo foi publicado
originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.