Sábado, 11 de maio de 2013
Por Siro Darlan
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.
A dignidade da pessoa humana é um princípio presente em todas as
Constituições civilizadas do mundo. Não é diferente na nossa. O Brasil é
signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
que define a maioridade aos 18 anos. Esse fato torna imutável o artigo
226 da Constituição do Brasil.
Em 2010 foram assassinados no Brasil 8600 crianças e adolescentes,
fazendo com que o Brasil ocupe a quarta posição com as maiores taxas de
homicídios na faixa etária entre zero e 18 anos no ranking das nações
que mais matam crianças. Não houve qualquer reação a esses números
escandalosos. Bastou que um filho da classe média fosse vítima de
violência praticada por um adolescente para que voltasse às manchetes a
ladainha dos que desejam o aumento da população carcerária.
O que proponho é uma agenda positiva. O Estatuto da Criança e do
Adolescente deveria estar em vigor há 22 anos e não está porque a reação
desses setores da sociedade que clamam pela redução da responsabilidade
penal não é a mesma diante da negação dos direitos das crianças e dos
adolescentes. Crianças respeitadas, bem alimentadas, escolarizadas e bem
tratadas não praticam violência contra o próximo. Que sejam respeitadas
e implementadas as normas do Estatuto da Criança e do adolescente. Que
sejam responsabilizados os administradores que não respeitarem a norma
constitucional que determina que crianças e adolescentes devam ter
precedência de atendimento nas políticas sociais públicas e destinação
privilegiada de recursos públicos.
Atribuir-se maturidade aos jovens em conflito com a lei chega às
raias da irresponsabilidade quando o CNJ apurou que quase 90% desses
jovens abandonaram (ou foram abandonados) pela escola e não completaram o
ensino fundamental. As maiores vítimas de violência no Brasil são as
crianças e adolescentes. Em 2012, segundo relatório do Disque 100 foram
registrados 120 mil casos de violência contra crianças e adolescentes,
enquanto dados do ISP, da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro
apenas 8% dos registros policiais se referem a adolescentes como
protagonistas de violência.
Interessa apenas aos negligentes administradores que não cumprem as
leis que priorizam as crianças o encarceramento precoce desses jovens
porque assim escondem nas masmorras as vergonhas de sua negligência
administrativa.
É falso afirmar-se que os adolescentes não são responsabilizados
pelos atos infracionais que cometem. Segundo o CNJ existem 15 mil
adolescentes cumprindo medidas sócio educativas no Brasil e essas
medidas vão, segundo a gravidade dos atos cometidos de advertência à
internação (prisão), que pode variar em até três anos. Ora, numa fase de
plena energia o enclausuramento de um jovem por um período tão longo
chega a ser mais gravoso do quem a pena máxima de um adulto.
Levando-se em conta que a finalidade da pena deve ser a reabilitação,
a reforma, a correição, visando o retorno à sociedade como um membro
produtivo e reintegrado, o grande infrator, mais uma vez, é o Estado
brasileiro, uma vez que não cumpre as normas legais que impões que as
unidades sócio educativas devam em obediência aos princípios
constitucionais da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento, privá-los da liberdade, obedecida
rigorosa separação por critérios de idade, compleição física, e
gravidade da infração, e nenhuma das unidades de cumprimento de medidas
no Brasil cumprem a lei.
A lei obriga ainda que os jovens em conflito com a lei e em
cumprimento da medida de internação devem permanecer em unidades que
ofereçam instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade,
higiene, salubridade, e segurança, além de propiciar escolarização e
profissionalização, além de atividades culturais, esportivas e de lazer;
preservar a identidade em ambiente de respeito e dignidade, em pequenas
unidades com grupos reduzidos. Nada disso é cumprido por nenhum estado
da federação e, mais grave, o CNJ constatou abusos sexuais de
adolescentes, pelo menos 19 mortes foram registradas nas unidades, 28%
tinham sofrido agressões de funcionários. Em pelo menos 11 estados, as
unidades operam acima da sua capacidade.