Domingo, 5 de maio de 2013
Da Tribuna da Imprensa Lúcio Flávio Pinto ( Yahoo)
No auge da sua valorização, as empresas do grupo X, de Eike Batista, valiam 101 bilhões de reais. Hoje, valem R$ 14,7 bilhões. Que conglomerado empresarial no mundo resiste a uma perda de valor de quase 85% em três anos?
Nesse período, quase R$ 90 bilhões viraram pó, fumaça, cinza, pó,
vento. Ainda assim, continua inflacionado artificialmente o valor real
da corporação daquele que, no ápice desse crescimento, era o homem mais
rico do Brasil e oitavo bilionário do mundo, com pretensões a ser o
primeiro em mais dois anos.
É espantoso como esse “caso” não atrai o interesse em profundidade que merece, permanecendo na superficialidade do dito show-biz.
É um retrato do Brasil dos nossos dias. Eike é o maior– mas não o único
– dos aventureiros de mercado. Cheios de inteligência e argúcia,
impetuosidade e falta de escrúpulos, voracidade sem qualquer freio ético
ou moral, informações privilegiadas e elos secretos com quem pode
produzi-las.
Por seus próprios meios, esses barões não teriam ido tão longe se,
no início da sua caminhada, não tivessem participado, em posição
vantajosa, do programa de desestatização. A venda de ativos do governo à
distância de um efetivo controle da sociedade foi uma realização nociva
do governo Fernando Henrique Cardoso.
COLLOR ABRIU O CAMINHOFHC a herdou da
administração Collor, que apenas abriu o caminho, com a desenvoltura que
então poucos puderam perceber. Sob o tucanato, a venda do patrimônio
público foi ampliada, multiplicada e levada ao extremo da
irresponsabilidade, conforme admitido por um dos seus protagonistas.
O efeito multiplicador exponencial, porém, funcionaria a partir de
2003, com Lula e seus agentes aloprados (mas tão vivos, inteligentes e
inescrupulosos quanto seus parceiros de negócios do outro lado do balcão
estatal). Todas as amarras do controle externo foram liberadas graças
aos programas de transferência de renda e de inclusão social.
Esses programas foram iniciados sob o império de FHC, mas mantidos
em nível discreto pela idiossincrasia tucana pelo povo, cujo cheiro não
recomendava a essas aves de bela plumagem maior aproximação.
Lula é povo e seus cônsules petistas dispunham (e ainda dispõem, já
que permanecem com Dilma no poder) de ferramentas para seduzir,
convencer e amortecer a grande clientela nacional. Um tanto de programas
com um naco de recursos foi o bastante para engordar paquidermicamente a
classe média made by PT, desde que seus integrantes se
acomodem na faixa de rendimentos de até dois salários mínimos. Nada além
de 700 dólares, o que, nos Estados Unidos e outros países de renda
próxima, jamais poderia ser traduzido por classe média.
AS TETAS DO BNDES
Para os ricos, as tetas cada vez mais gordas e úberes do Banco
Nacional do Desenvolvimento e Social. Nunca, na sua história,
parafraseando Lula, agora com plena propriedade, o banco fez tantos
milionários e bilionários. Não é a toa que seu ativo supera o do Banco
Mundial, algo simplesmente inimaginável pouco tempo atrás.
Como a receita própria do BNDES e suas fontes de recursos
tradicionais não lhe permitem dar conta de tanta demanda, o tesouro
nacional afrouxou os controles e sangrou as burras do erário para
fomentar o incremento desejado.
A contabilidade foi devidamente maquilada para esconder as manobras
com os números, embora, como seria de se esperar, não escaparam ao
olhar clínico dos auditores (que provocaram a elevação do custo do
dinheiro que o BNDES for buscar no mercado internacional).
Nem Juscelino Kubitscheck, em seus arroubos de meio século de
desenvolvimento em cinco anos de mandato como presidente da república,
nem Roberto Campos, o ideólogo do modelo anterior, de pronto-socorro
estatal para famintos ESC (Empresários Sem-Capital), sequer sonharam com
tanto nos seus maiores momentos de delírio.
Dos R$ 14,7 bilhões que subsistem como matéria sonante no capital
das empresas de Eike Batista, R$ 10 bilhões são do BNDES, com a
participação coadjuvante da Caixa com 10% desse valor. O quadro é
alarmante. Num país sério, dotado de Banco Central para valer, teria
resultado em liquidação extrajudicial ou, fora do âmbito jurisdicional
específico, seria um caso de polícia, como reage o banco de fomento?
ADEUS ÀS ILUSÕES
O BNDES, que parecia menos preocupado com o destino do dinheiro que
jogou nas letras do bilionário virtual do que em continuar a pintar o
cenário de cor de rosa das multinacionais brasileiras, não conseguiu
mais manter as aparências.
O Estado de S. Paulo, na sua edição do dia 22 do mês
passado, anunciou que o BNDES decidiu abandonar a política de criação
das tais multinacionais brasileiras. O presidente do banco, Luciano
Coutinho, admitiu, em entrevista exclusiva ao jornal, que o número de
setores com potencial de desenvolver líderes globais é “limitado” e que
essa agenda foi concluída. Insistiu em que essa política tinha “méritos”
e chegou “até onde podia ir”, porque o número de setores em que o
Brasil tem potencial para projetar empresas líderes é “limitado”.
Os segmentos com maior potencial eram a petroquímica, celulose,
frigoríficos, siderurgia, suco de laranja e cimento. “Não enxergo outros
com o mesmo potencial”, frisou.
O favorecimento a empresas dessas áreas (as “campeãs nacionais”, na
classificação da imprensa) começou há seis anos, no governo Lula,
quando Coutinho já ocupava o cargo de presidente do BNDES. Com
empréstimos em condições generosas e compras de participação, o banco
injetou quase R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS e Marfrig, na Lácteos
Brasil, na Oi e na Fibria.
Ao fazer um levantamento, o jornal constatou que algumas dessas
empresas estão em situação financeira delicada, como a Lácteos que pediu
recuperação judicial, e o Marfrig. Elas serão reanimadas no pronto
socorro estatal ou baixarão à sepultura em breve, se tiverem que passar a
caminhar com as próprias pernas?
De olho no próprio bolso, o contribuinte brasileiro devia prestar
mais atenção a essa novela. É muito mais apimentada do que as da
televisão. Com um acréscimo próprio: o da interatividade negativa para o
tesouro nacional.