Sexta, 3 de maio de 2013
O partido social-democrata e o dos verdes formavam um governo de
coligação. Ambos os partidos foram varridos do mapa por uma punição
eleitoral que só tem precedentes na derrota dos partidos das direitas
que tinham conduzido ao escândalo bancário – e que agora voltam ao
poder. A direita recupera assim graças à conjugação de dois efeitos: os
governantes insistiam numa adesão à União Europeia que foi vista pela
população como uma ameaça e um risco insuportável e a austeridade
desacreditou os que prometeram um governo para as pessoas. Estes dois
efeitos dão que pensar. São uma lição dura.
Em primeiro lugar, são uma lição para o europeísmo obediente. A União
Europeia assusta e repele, porque é a agência da austeridade e do
desemprego. O caso de Chipre provou, como antes os da Grécia,Irlanda,
Portugal, Espanha e Itália, que a direção europeia é perigosa e
reincidente. Os islandeses tiveram medo desta gente e preferiram a
demagogia dos nacionalistas, mesmo que fossem os nacionalistas da
trafulhice financeira de que todos ainda se lembram.
Em segundo lugar, são uma lição para os que achavam que, na emergência,
o mal menor leva a algum lado. Leva, de facto: leva à recuperação da
direita. Os que há um par de anos, em enfática pose de sentido de
Estado, aconselhavam as esquerdas a seguir o caminho moderado dos
social-democratas e dos verdes, a apoiarem a coligação porque não havia
outra,a juntarem as suas preces para que a austeridade desse certo, não
se enganaram só a si próprios, enganar-se-ão sempre enquanto defenderem
que a austeridade é a melhor solução contra a austeridade.
Ainda me lembro dos artigos pomposos contra o crime de lesa-majestade
do Luís Fazenda, que tinha reunido com o ministro das finanças da
Islândia e concluído sem dificuldade que o governo ia destroçar-se: pois
não é que ele é um sectário, não compreende a dificuldade, não está
disposto ao belo sacrifício, escreveram os conversos da austeridade.
Mais ainda, aquela prometedora aliança devia ser um exemplo para todos, é
assim que se conjugam vontades, escreviam os conversos, hoje remetidos a
um prudente silêncio. Aqui temos a dura lição: a política de direita
abre sempre o caminho à direita.
Mas, em terceiro lugar, o fracasso deste governo suscita uma questão
mais vasta de estratégia. Para a colocar com simplicidade: porque é que a
esquerda possibilista é tão estúpida que acha que repetir sempre o que
falha sempre vai permitir alguma vez um resultado diferente? Falhou na
Itália. Havia um governo de coligação que era o melhor que se conseguia,
diziam. Temos que o apoiar mesmo sabendo que pode ser o nosso suicídio,
acrescentava um teórico. Foi mesmo. Não sobrou nada da esquerda e
Berlusconi ganhou a seguir. Na Islândia era a nova oportunidade e o
mesmo argumento: o governo de coligação era o melhor que se conseguia.
Resultou: a direita ganhou. A lição dura é esta: nunca se ganha quando
se faz tudo para perder. Aceitar a austeridade contra o trabalho é
merecer perder sempre.
Por isso, a lição de todas as lições serve para Portugal. O problema de
Portugal não é imitar a Itália ou a Islândia e as suas coligações que
são sempre apresentadas como o menor dos males e a única alternativa.
António José Seguro, que assegura que cumprirá os “compromissos” porque
“a austeridade é diferente da política de austeridade”, assume uma
posição que é o seguro de vida da direita, pois qualquer governo que
prossiga este programa só pode devolver o poder à direita – se é que não
é logo uma coligação com a direita.
Por isso, aos que cultivam a beleza do suicídio literário como uma
afirmação de política, aos que acham que o irrealismo de apoiar a
austeridade é um dever de consciência justificado pela falta de vontade
de lutar por alternativas, respondo simplesmente: aprendamos com a
Islândia.
O que determina a força e a coerência de um governo não é a cor de quem
pode vir a estar nele, é simplesmente o que vai fazer, o compromisso
que tem com o seu povo, a sua capacidade de rejeitar o memorando e a
austeridade e de impor uma economia para os bens comuns da democracia. O
que faz a política é a política. Uma coligação miserável de cedências
financeiras e de políticas de desemprego nunca será um governo de
esquerda. Será, como na Islândia, uma antecâmara da direita. Mas, para
isso, não se atrevam a falar-nos de esquerda e de caminhos realistas
quando é preciso esquerda e caminhos realistas.
*Francisco Louçã
Dirigente do Bloco de Esquerda, professor universitário.