Sábado, 13
de junho de 2015
Da Tribuna
da Internet
João
Batista Damasceno
Este é o juiz Damasceno, que será perseguido até se aposentar
Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso
dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria
exploração de prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o
sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente
suas atribuições.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me
perguntar sobre bolso nas togas.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha
incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado
pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar
minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada
dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo que
confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder
porque — apesar de ter sempre lutado pela liberdade — o fascismo bate à nossa
porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata
livremente.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser
lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os
direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia,
transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores
que poderiam reforçar os laços sociais.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser
confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de
racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança mesquinha e
rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser
lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos
cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se cometem em
nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras de linguagem para
justificar atos abomináveis.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de
um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos
caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho
vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar
com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas
formal.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a
garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da
justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada
passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada
despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em
direção a ela é que me põe em movimento.
Acredito na humanidade e na sua capacidade de se
reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de
testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver
crescer a iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos
inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha
de ser honesto.
Tenho vergonha de ser juiz em razão das minhas fraquezas
diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de
ver plena. Mas, eles passarão!
João Batista Damasceno é doutor
em Ciência Política e juiz do Tribunal de Justiça do RJ, membro da Associação
Juízes para a Democracia.