Terça, 5 de abril de 2016
O Poder
Adriano Benayon *
2.
O nome de Maquiavel ficou, para muitos, associado à crua violência e à
falta de escrúpulos que ele descreve, ao avaliar o jogo político. Dizem e
repetem que, para ele, os fins justificam os meios, e isso parece ser
uma condenação definitiva.
3.
Antes de apreciar se essa condenação é bem fundada, e o que está por
trás dela, lembro que Maquiavel foi reverenciado por Spinoza, grande
gênio da filosofia do Século XVII, quando, a meu ver, a filosofia
atingiu seu cume.
4. Pode ter havido filósofos (não muitos) de valor intelectual comparável a Spinoza, mas nenhum de seu porte ético, o que é interessante em relação ao conceito que ele teve de Maquiavel.
5.
Não há como ignorar ou desprezar os fatos. Eles recaem sobre as
pessoas. Os povos e as nações têm sido vítimas de exploração,
manipulações e violências inimagináveis, por parte de oligarquias e
tiranos. Não é fácil conceber que se possam liberar de tais afrontas a
suas vidas e à sua dignidade, sem recurso aos meios que viabilizam
dispor de poder.
6. Na lição do próprio Maquiavel, esses meios são o ouro e as armas. No caso, entenda-se a palavra ouro
representando a finança, incluindo os patrimônios transformáveis em
dinheiro, e o controle dos meios físicos de produção, ou seja, o poder
econômico, em seu todo.
7.
Não admira que as oligarquias cuidem ciosamente de concentrar esse
poder, bem como de manter todo tipo de armas sob seu comando e controle.
8.
Diferenciemos os termos oligarquia e elite. Isso é, não só importante,
como, amiúde, deixado de lado. A oligarquia é um grupo de pessoas ou
famílias que usam seu poder dominando e subjugando os povos e as nações.
9.
Elite tem dois sentidos. Um, genérico, abrange também a oligarquia e
também qualquer grupo que se destaque por seu valor, incluindo dotes
como liderança, coragem, inteligência, know-how.
10.
Este é a elite, propriamente dita, grupo dotado de valor, que tem por
meta exercer o poder, assentado no consentimento e na participação da
maioria do povo, que precisa fortalecer, educar e preparar, até para
enfrentar a oligarquia.
11.
Cabe, pois, à verdadeira elite, à qual devem ter acesso oriundos de
estratos populares, ligar-se à respectiva nação e liderá-la na
formulação de seus projetos de desenvolvimento econômico e social.
12.
Maquiavel propugnava, para a Itália de seu tempo (transição do Século
XIV para o XV), o comando de um príncipe capaz de unificar a nação,
dividida em numerosos Estados e tendo regiões ocupadas por forças
militares de potências estrangeiras. Para ele, os príncipes assentariam
seu poder, tornando o povo contente.
13.
Evidentemente, não havia como alcançar tais objetivos a não ser pelos
meios que secularmente sustentam o poder: ouro e armas.
14.
Nos tempos atuais, é o império angloamericano que recorre a esses meios
em doses colossais, aos quais agrega mais recursos, derivados desses
dois: manipulação da informação, pela grande mídia – que dispõe de
recursos visuais e acústicos eletrônicos, técnicas de psicologia social
aplicada etc. - e por institutos, entidades, universidades e outros
centros formadores de opinião.
15.
Ao mesmo tempo, concentra poder econômico, aumentando-o principalmente
por meio da finança, controlada pela oligarquia banqueira, e faz na
indústria de armamentos o grosso dos investimentos materiais.
16.
Às nações é oferecido – para se iludirem, imaginando participar do
poder – o simulacro de eleições, cada vez mais manipuladas. Grana
distribuindo recursos para as campanhas eleitorais e dominando a grande
mídia, principalmente a televisiva, de maior impacto.
17.
Isso não tem bastado para assegurar, de modo completo, o aprofundamento
da penetração imperial. Daí as “revoluções coloridas”, movidas por
serviços secretos das potências imperiais e entidades a elas ligadas,
ONGs etc., as quais promovem manifestações de rua, atentados etc..
18.
Assim, realizam golpes institucionais, combinando a pretensa vontade de
manifestantes com a infiltração em poderes do Estado, inclusive polícia
federal e Ministério Público.
*
- Adriano Benayon é doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo,
Alemanha; autor de Globalização versus Desenvolvimento.
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A presente crise
Adriano Benayon *
Muitos correspondentes perguntam como o Brasil poderia livrar-se da crise econômica e política.
2. Trata-se, como em toda crise, de sintomas agudos das perdas e da deterioração do organismo (no caso o País).
3.
Iludem-se os que cogitam de que ela provém somente da tentativa
keynesiana, na gestão de Mantega na Fazenda, de elevar o financiamento
público para investimentos produtivos de grandes empresas.
4.
A crise foi agravada com o término dessa política anticíclica, ao
iniciar-se, em 2012, o segundo mandato da presidente da República, e ser
adotada a brutal elevação dos juros, bem como cortes orçamentários,
ambos danosos à economia e ao social, a pretexto de sanar o
desequilíbrio financeiro.
5.
De fato, as duas coisas convergem para deprimir ainda mais a economia e
o emprego. E são contraditórias em relação ao pretenso objetivo, pois a
elevação dos juros - na dimensão que teve, e incidindo sobre estoque de
dívida interna de R$ 4 trilhões - causa aumento da despesa pública
muito superior ao corte de gastos.
6.
Os efeitos não poderiam ser mais perversos. Significam violento ataque
sobre um organismo fraco, e que já sofreu, ao longo dos anos, crises
devidas ao crescimento errado e a sucessivas tentativas de correção, com
danos adicionais ainda mais pesados.
7.
Por que o organismo ficou fraco? Devido a causas estruturais, que
acarretam as crises. A causa fundamental é desnacionalização, que conduz
à desindustrialização e à concentração. As três coisas não cessaram de aumentar nestes 62 anos.
8.
As doenças socioeconômicas têm sido exponenciadas pela deterioração das
instituições políticas e pela profunda penetração política e cultural
(anticultural) dos carteis transnacionais e de entidades internacionais e
de potências estrangeiras.
9.
Essas instâncias intervêm no País, não só através de pressões
financeiras, atribuídas ao “mercado financeiro”, mas de pressões
políticas, intensificando as causas estruturais da insanidade.
10. A cada momento, surgem mais sintomas desse quadro patológico. O Estadão noticia, em 28 do corrente:
“Só em São Paulo, 4.451 indústrias de transformação fecharam as portas em 2015, número 24% superior ao de 2014.”
“Muitos
trabalhadores demitidos não receberam salários e rescisões. De acordo
com o IBGE, entre novembro e janeiro, a indústria brasileira fechou
1,131 milhão de vagas, recorde para um trimestre.”
11. Não são só pequenas empresas. Em Guarulhos, há pouco, as metalúrgicas Eaton, Maxion e Randon encerraram suas atividades.
12.
Nos implementos rodoviários houve retração de 50%. A têxtil Polyenka,
de Americana (SP), que já tivera 2.000 empregados, deixou de produzir.
13.
A MABE, linha branca, também com 2.000 empregados, pediu falência em
fevereiro e fechou as fábricas de geladeiras Continental em Hortolândia e
de fogões Dako em Campinas.
14.
A grande empresa de autopeças Delphi fechou duas fábricas em 2015, em
Mococa (SP) e Itabirito (MG), e este ano completa a transferência da
unidade de Cotia para Piracicaba (SP). 1,7 mil trabalhadores perderam os
empregos.
15.
Antes da queda de 8,7%, em 12 meses até janeiro de 2016 (dado do IBGE),
a indústria caíra de 35% (anos 80) de participação no PIB, para menos
de 10%.
16.
O País regride, em condições piores que as do início do Século XX, à
condição de exportador de bens primários. Avultam desastres terríveis,
como a lama tóxica da mina de ferro da SAMARCO (Vale desnacionalizada e a
transnacional Billiton), que devasta grandes áreas e o Rio Doce, e até o
mar. Há tragédias potenciais desse tipo.
17.
Na agropecuária, desastre permanente de enormes dimensões, determinado
pela subordinação da estrutura econômica e da infraestrutura às
conveniências dos “mercados” importadores.
18. Veja-se: “O Brasil consome 20% dos agrotóxicos”.
De longe, o maior do mundo no uso desses venenos. Ademais, usa 14
agrotóxicos proibidos em outros países. Ora, a incidência de câncer é
três vezes superior à média em áreas contaminadas por agrotóxicos.
19.
Em função do agronegócio, cujo objetivo é produzir para países
industrializados, metade da área utilizada pela agricultura no Brasil é
para a soja, quase toda transgênica.
20.
Ademais, o cartel transnacional das sementes transgênicas e
fertilizantes e pesticidas químicos impingiu a aceitação desses
flagelos, que estragam solos, subsolos e águas, e intoxicam agricultores
e consumidores.
21.
Grande número de brasileiros come alimentos cozinhados com óleo de soja
transgênica, sem informação para procurar nos rótulos o microscópico
T, nem dinheiro para opções de oferta limitada.
22.
O poder combinado das transnacionais e dos ruralistas, grandes doadores
de recursos de campanha, explica o apoio oficial a grandes projetos
mineradores e às fazendas industrializadas.
23.
Os ruralistas têm quase a quase metade dos 594 parlamentares e
tornaram inócuas as leis proibitivas de plantas geneticamente
modificadas.
24.
Respondendo à pergunta inicial: com a permanência da presidente ou sua
derrubada, o cenário é péssimo, nada havendo a esperar de honesto nem de
salvador por parte dos pretendentes. O moralismo, manchado pela
seletividade, tem servido para intensificar a desnacionalização e a
desindustrialização, queda da produção e o desmonte da Petrobrás e
empresas de engenharia.
25. Não há saída sob o atual regime. Tampouco, sob um calcado nos governos de 1964 a 1984.
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- Adriano Benayon é doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo,
Alemanha; autor de Globalização versus Desenvolvimento.