Domingo, 6 de agosto de 2017
“A ausência de posicionamento revela de um lado um descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro”.
Da CNBB
Dom Luiz Demétrio Valentini,
bispo-emérito de Jales (SP), esteve em Brasília-DF, dias 31 de julho e
1º de agosto, para o encontro dos bispos da área social e os que
integram a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Natural de São
Valentim (RS), o religioso, que presidiu a Cáritas Brasileira por dois mandatos, concedeu entrevista ao Portal da CNBB
sobre a crise brasileira. Para ele, o silêncio das ruas não é uma
concordância tácita com o que está acontecendo, como alguns querem fazer
acreditar. Pelo contrário, “é um sintoma preocupante de que não temos
mais esperanças e sinais concretos para recuperar o rumo da caminhada
histórica do Brasil”.
De acordo com o bispo-emérito, o
poder Judiciário e o Congresso Nacional estão instrumentalizados para
salvar os seus próprios privilégios. “Não se pode permitir que ministros
do Supremo Tribunal Federal façam do seu cargo uma opção política
partidária a ser defendida publicamente. Isto diminui a legitimidade, a
confiança e é perigoso para uma nação”, disse. Dom Demétrio
disse que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos
agora serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não
são publicados.
Segundo o bispo, “o trecho do cântico
de Jeremias (Cântico Jr 14,17-21): “Até o profeta e o sacerdote
perambulam pela terra sem saber o que se passa”, é uma descrição
simbólica do que estamos vivendo no país. O religioso afirma que torna-se
necessário ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e
destino históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir
todas estas realidades para que a cidadania brasileira reencontre os
rumos do país. Leia abaixo a íntegra da entrevista que ele concedeu ao Portal da CNBB.
Portal CNBB – Como avalia a crise política brasileira?
Dom Demétrio –
Certamente, estamos vivendo um momento difícil, todos reconhecem, no
qual há uma perca da identidade do povo brasileiro. Se torna necessário
ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e destino
históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir todas
estas realidades para recuperarmos um projeto de Nação. Estamos
esquecendo nosso projeto de nação. Estamos sentindo novamente a
necessidade de fazer, por exemplo, uma nova semana social brasileira
para que a Igreja possa cumprir esta tarefa importante que tem de
identificar e saber o que está acontecendo. Como diz o cântico de
Jeremias: “Até o sacerdote e o profeta perambulam pela rua sem saber o
que acontece”. É um pouco a descrição simbólica da realidade que estamos
vivendo agora. A ausência de posicionamento revela de um lado um
descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as
estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro. De tal modo
que há um descrédito generalizado. Não é uma concordância tácita não,
como alguns pretendem instrumentalizar este silêncio das ruas. É um
sintoma preocupante de que não temos mais esperanças, sinais concretos
de referências práticas para recuperar o rumo da nossa caminhada
histórica do Brasil. Estamos vivendo um momento difícil que se
caracteriza, sobretudo, pelo descrédito das instituições e por sua
incapacidade em recuperar e superar a pecha sempre crescente da sua
falta de legitimidade perante o povo brasileiro. Estamos vivendo um
momento muito difícil no Brasil e precisamos nos rearticular, enquanto
Pastorais Sociais da CNBB como um todo, e retomar nossa missão profética
de questionar os equívocos que estão acontecendo, os erros praticados e
projetar para frente um novo projeto de Brasil que queremos.
Portal CNBB – Como avalia os passos do Michel Temer depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff?
Dom Demétrio – Se há dificuldades de convergências em torno de um projeto de país por outro se criou uma convergência que assusta. Interesses que estão se consolidando e convergindo para que se instrumentalizem o Congresso Nacional e o poder judiciário para salvar os próprios privilégios. Há uma espécie de trama que está sendo orquestrada para que isto se torne invisível e leve o Congresso a retrocessos políticos como, por exemplo, o que estamos assistindo com a nova lei trabalhista aprovada e a nova a lei da previdência social que estão propondo. Existe um interesse do liberalismo econômico que está voltando com força, como se a solução do Brasil fosse voltarmos aos tempos da revolução industrial em que se confrontavam os pequenos contra os poderosos, sempre com desvantagem evidente para os pequenos. Agora estamos assistindo esta realidade em que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados, mas que aos poucos precisamos identificar para nos posicionar diante da crise política que estamos vivendo.
Dom Demétrio – Se há dificuldades de convergências em torno de um projeto de país por outro se criou uma convergência que assusta. Interesses que estão se consolidando e convergindo para que se instrumentalizem o Congresso Nacional e o poder judiciário para salvar os próprios privilégios. Há uma espécie de trama que está sendo orquestrada para que isto se torne invisível e leve o Congresso a retrocessos políticos como, por exemplo, o que estamos assistindo com a nova lei trabalhista aprovada e a nova a lei da previdência social que estão propondo. Existe um interesse do liberalismo econômico que está voltando com força, como se a solução do Brasil fosse voltarmos aos tempos da revolução industrial em que se confrontavam os pequenos contra os poderosos, sempre com desvantagem evidente para os pequenos. Agora estamos assistindo esta realidade em que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados, mas que aos poucos precisamos identificar para nos posicionar diante da crise política que estamos vivendo.
Portal CNBB – Como avalia o papel que o judiciário está desempenhando neste contexto de crise?
Dom Demétrio –
Infelizmente ele também padece de credibilidade. Poucos têm segurança em
pensar no Supremo Tribunal Federal e em outras instâncias da Justiça
Brasileira. Existe uma insegurança e uma mescla de ações e atitudes que
são claramente partidárias. Por exemplo, não se pode permitir que
ministros do Supremo Tribunal Federal façam do seu cargo uma opção
política partidária a ser defendida publicamente. Isto diminui a
legitimidade, a confiança e é perigoso para uma nação. Quando se perde a
confiança no judiciário estamos no limite da credibilidade fundamental
que é preciso que exista, minimamente, para se levar em frente um
projeto de país. Então o próprio Judiciário precisaria se questionar e
deixar de ter posicionamento partidário e voltar a cumprir sua missão de
ser a instância capaz de discernir e fazer as ponderações necessárias e
avaliar bem para tomar decisões com legitimidade. A falta de
credibilidade do judiciário é mais um sintoma da crise que estamos
vivendo.
Portal CNBB – Neste contexto de crise das instituições e da própria democracia no Brasil, qual deve ser o papel da Igreja?
Dom Demétrio – Precisamos retomar a intuição de uma Constituinte para de novo repropor um projeto de país. Neste sentido, a Igreja se sente próxima ao povo, e deve se tornar mais próxima ainda, para poder recolher e ajudar a articular. Falta articulação no país agora, falta uma mediação e não existem instâncias que têm credibilidade para fazer esta mediação. Penso que a Igreja pode propor e se apresentar, não como aquela que tem a solução, mas com quem estimula a cidadania brasileira a reencontrar os rumos do país. Penso que a Igreja não pode fechar os olhos e não se omitir, precisa enfrentar o desafio de compreender a realidade e perceber quais são os interesses que estão em jogo e não se deixar instrumentalizar. Existe um desafio bem concreto para a Igreja de voltar a assumir a causa do país para que a cidadania possa retomar a sua vigência, sua ação concreta e sua articulação em benefício de toda a nação brasileira.
Dom Demétrio – Precisamos retomar a intuição de uma Constituinte para de novo repropor um projeto de país. Neste sentido, a Igreja se sente próxima ao povo, e deve se tornar mais próxima ainda, para poder recolher e ajudar a articular. Falta articulação no país agora, falta uma mediação e não existem instâncias que têm credibilidade para fazer esta mediação. Penso que a Igreja pode propor e se apresentar, não como aquela que tem a solução, mas com quem estimula a cidadania brasileira a reencontrar os rumos do país. Penso que a Igreja não pode fechar os olhos e não se omitir, precisa enfrentar o desafio de compreender a realidade e perceber quais são os interesses que estão em jogo e não se deixar instrumentalizar. Existe um desafio bem concreto para a Igreja de voltar a assumir a causa do país para que a cidadania possa retomar a sua vigência, sua ação concreta e sua articulação em benefício de toda a nação brasileira.
“A ausência de posicionamento revela de um lado um descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro”.