Terça, 8 de agosto de 2017
do MPF
Políticos são acusados de gastar cerca R$ 8,5 milhões em bilhetes destinados a terceiros
Imagem ilustrativa: Pixabay
O Ministério Público Federal (MPF/DF) ratificou parcialmente, nesta terça-feira (8), 28 denúncias contra 72 ex-deputados
federais pelo crime de peculato. Eles são acusados de usar recursos
públicos a que tinham direito em função do cargo para emitir passagens
aéreas em nome de terceiros. O episódio ficou conhecido como “farra das
passagens” e se tornou público em 2009, com a publicação de reportagens
jornalísticas. Em novembro do ano passado, o caso chegou à Justiça por
meio de ações penais apresentadas pela Procuradoria Regional da
República na 1ª Região (PRR1) contra 443 políticos. No entanto, os
inquéritos policiais foram desmembrados e as investigações referentes a
cerca de 380 pessoas - que perderam a prerrogativa de foro por função -
foram retomadas na Procuradoria da República no Distrito Federal
(PR/DF). Em parte dos casos, o MPF entendeu que os crimes já estão
prescritos e, por isso, se manifestou pela extinção da punibilidade. As investigações continuam em relação a cerca de 50 ex-congressistas.
Ao
ratificar de forma parcial os pedidos para que ex-parlamentares
respondam por peculato, a autora das manifestações frisou que a medida
se restringe à esfera criminal não possuindo qualquer “influência sobre
eventuais providências na seara da responsabilização civil”. É que os
fatos são objeto de um inquérito civil, também em andamento na PR/DF. É
neste âmbito - o cível - que podem ser propostas tanto as ações por
improbidade administrativa quanto as de ressarcimento do Erário, caso
sejam comprovados prejuízos financeiros aos cofres públicos. Em relação a
essa vertente da investigação, também constam do procedimento políticos
que ainda exercem mandatos eletivos. Isso ocorre porque não se aplica a
prerrogativa de foro por função em relação ao aspecto cível das
investigações.
Ao todo, foram enviados à primeira instância, 47 inquéritos
policiais nos quais a PPR1 havia apresentado denúncias com o propósito
de buscar a responsabilização penal dos políticos. Como, na época, a
norma interna que regulamentava o serviço não trazia de forma expressa
os casos em que o recurso público poderia ser usado, o norteador do
processo de apuração foi o atendimento à finalidade “interesse público”.
Como frisou o MPF nos documentos enviados à Justiça, para definir em que casos deveria ser ratificado o pedido de
instauração de processo contra os acusados, todos os inquéritos foram
reavaliados. Um dos pontos considerados durante esta etapa do trabalho
foi a possibilidade de parte deles estar prescrita em função do decurso do tempo e da idade dos envolvidos.
Já
na análise individual dos casos, na PR/DF, foram verificados aspectos
como a quantidade de bilhetes emitidos, o valor gasto pela Câmara e os
destinos dessas viagens. Somados 13.877 bilhetes vinculados aos 72 ex-parlamentares denunciados neste momento, custaram aos cofres da Câmara R$ 8.369.967,69. Em
relação à quantidade, a variação é grande. Há casos de ex-deputados em
relação a quem aparece apenas um bilhete e outros que ultrapassam os
400. Entre os denunciados, o recordista é Henrique Afonso Soares Lima,
que teve 434 bilhetes emitidos em nome de terceiros vinculados a sua
cota. O total desembolsado pela Câmara foi de R$ 245,3 mil. Outro agravante no caso dele foi o fato de parte dessas passagens ser para destinos internacionais. De acordo com os documentos incluídos no inquérito, 43 ex-parlamentares tiveram mais de 200 bilhetes emitidos em nome de terceiros durante o período investigado.
Quanto
à análise feita em relação aos locais para onde viajaram as pessoas
beneficiadas pelos bilhetes pagos pela Câmara dos Deputados, o recorte
mais importante foi separar os destinos nacionais dos internacionais. É
que, na avaliação do MPF, o desrespeito ao interesse público e o dolo
dos envolvidos ficam mais evidentes nos casos em que a cota das
passagens foi usada em viagens ao exterior, sobretudo por familiares.
Entre os documentos reunidos durante a fase de investigação preliminar,
estão informações fornecidas por agências e companhias aéreas, segundo
os quais foram feitas viagens para cidades como Miami (EUA), Paris
(França) e Buenos Aires (Argentina). Atualmente, o serviço de transporte
aéreo da
Câmara permite apenas viagens nacionais. Além disso, há um limite de
quatro trechos mensais destinadas a cada deputado. E o uso da cota para
viagens de assessores está condicionada à autorização da Mesa Diretora.
Por que nem todos foram denunciados?
Dada
a distância temporal entre os atos praticados pelos ex-deputados -
entre 2007 e 2009, segundo as apurações - e a apresentação das
denúncias, o MPF optou por
realizar uma espécie de pente fino em todos os processos antes de
definir pela ratificação ou não das denúncias. Além de avaliar os
elementos que pudessem comprovar o envolvimento do ex-parlamentar no
crime de peculato, a medida serviu para definir em que casos o Estado já
não poderia pedir a responsabilização dos culpados pela prescrição da pretensão punitiva.
O
ponto de partida para a análise de prescrição é a pena prevista para o
crime que, no caso de peculato, varia entre 2 e 12 anos de reclusão. A
contagem do prazo começa a partir da data da prática criminosa. Em
relação à “farra das passagens aéreas”, foi considerada a última
aquisição dos bilhetes em cada caso. A
partir daí, os ex-parlamentares foram separados em três grupos: o dos
que tinham mais de 70 anos e que, por lei, têm o prazo prescricional
reduzido pela metade, o dos que efetivamente deveriam responder na
esfera criminal pelos atos e o dos que não poderiam ser denunciados, em
decorrência da ausência de interesse para a continuidade da persecução
penal e que, por isso receberam indicação de arquivamento.
Esse entendimento foi aplicado nos casos
em que o total gasto pela Câmara foi de no máximo R$ 100 mil, os
destinos das viagens foram prioritariamente nacionais e nos quais não
foram encontrados indícios de que os envolvidos comercializaram créditos
das passagens e nem atuavam em organização criminosa. Também foi
considerado nas situações em que o número de bilhetes foi inferior a
132, o equivalente a um por semana entre 2007 e 2009. Nesses casos, como
não foram reunidos elementos
de convicção suficientes para a elucidação completa dos fatos, o
entendimento do MPF foi que não haveria utilidade manter a investigação,
uma vez que - em hipótese de condenação - a pena a ser aplicada não
afastaria a ocorrência de prescrição. “A
persecução penal, por ser uma atividade realizada pela Administração
Pública, deve atender ao comando constitucional da eficiência, não sendo
minimamente racional que se mantenha a tramitação de um procedimento
custoso ao Estado e à sociedade que, se sabe de antemão, não terá
resultado prático em razão da prescrição”, reforça um dos trechos do
documento.
Entre
os investigados com mais de 70 anos, aparecem Rubens Moreira Mendes
Filho, que adquiriu 160 bilhetes aéreos em favor de terceiros, e
Ernandes Santos Amorim, com 217 bilhetes. Nos dois casos, a última
compra aconteceu no início de 2009, ou seja, o Estado tinha, no máximo, oito anos
(metade do prazo prescricional calculado para a pena máxima prevista
para o crime de peculato) para oficializar a abertura de ações contra
eles. Ao todo, 77 investigados
foram enquadrados nessa hipótese e receberam do MPF um parecer pela
extinção da punibilidade. O posicionamento se repetiu no caso de um
ex-parlamentar já falecido.
Inquérito Civil
Na
esfera civil, o uso de verbas públicas para pagar bilhetes aéreos
destinados a terceiros é objeto de um inquérito em andamento no mesmo
ofício da PR/DF responsável pela ratificação parcial das denúncias. Os
envolvidos poderão ser processados com base na Lei 8.429/92 que
trata de infrações que configuram enriquecimento ilícito, dano ao
erário e violação aos princípios da Administração Pública. Neste caso,
dependendo do que ficar comprovado, os acusados estão sujeitos a penas
como o ressarcimento integral do dano e o pagamento de multa que pode
chegar a três vezes o valor do prejuízo, além da perda da função
pública, suspensão de direitos políticos e proibição de fazer contratos com
o poder público. Ao todo, cotas de 560 políticos – entre antigos e
atuais parlamentares – são investigadas. O número é maior que o
verificado nas ações penais por dois motivos: primeiro porque incluem
políticos com prerrogativa de foro e porque na esfera civil, o prazo
prescricional é diferente, ou seja, pessoas que não responderão na
esfera criminal poderão ser incluídos em eventuais ações por improbidade
e de ressarcimento.
Como um
dos principais objetivos nesta esfera é assegurar o ressarcimento dos
cofres públicos, neste momento, a área técnica do MPF trabalha na
produção de um levantamento completo dos valores gastos apela Câmara dos
Deputados para a aquisição de passagens usadas por terceiros. O estudo
inclui o valor total pago pelos bilhetes e também pelas taxas de
embarque e deverá ser atualizado até julho de 2017. Outra informação
importante é saber em quais casos os parlamentares ou ex-parlamentares
já devolveram – ainda que de forma parcial – o dinheiro usado na
aquisição de passagens para viagens sem vínculos com o exercício da
atividade parlamentar. No inquérito consta apenas uma relação enviada
pela Câmara dos Deputados segundo a qual, ao longo do ano de 2009, 41
investigados recolheram aos cofres públicos R$ 220.309,48.