Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Rui Martins: "Réquiem para Lula"

Quinta, 25 de janeiro de 2018
Do Blogue Náufrago da Utopia

Por
Rui Martins
Era de se esperar a condenação unânime de Lula. Só não viu chegar quem não quis, este o grande erro dos petistas – o de não querer ver e tentar promover a cegueira geral, insistindo nas frases que não dizem mais nada, numa cegueira obsessiva, como os roedores lêmingues que, muitas vezes desnorteados, avançam sem ver os perigos e caem de penhascos ou se afogam nos rios como se cometessem suicídio coletivo. 

Eu me lembro sempre do chanceler alemão Helmut Kohl, quando procuro um exemplo de queda parecida com a do Lula. Helmut era um super-poderoso político quando foi alvo da denúncia de fraude no financiamento de sua campanha eleitoral. 

A comparação não vai mais longe porque não havia corrupção e nem enriquecimento pessoal e, principalmente, porque Helmut encerrou voluntariamente sua carreira quando a Justiça alemã reconheceu ter havido fraude, sem tentar desmoralizar os juízes e sem querer abalar o funcionamento da democracia alemã.

Como se costuma dizer, pegou seu chapéu e foi embora, E, com isto, evitou ser massacrado. Errar todo mundo erra, mas em certos países o erro é corrigido e punido. E com isso se evita a propagação da infeção ou a metástase. Os democratas-cristãos alemães sofreram um choque mas logo substituíram Helmut por Angela Merkel e o trauma foi esquecido e o partido voltou ao poder. 

O PT não tem essa largueza de espírito. Apanhado com a boca na botija em 2005 com omensalão, Lula jurou inocência e conseguiu ficar no poder; em lugar de levar a sério a advertência, prosseguiu no mesmo caminho, julgando-se intocável e invencível.

"Helmut Kohl pegou seu chapéu e foi embora"

Isso tem um nome, é uma palavra de origem grega – húbris – usada para designar aqueles que se embriagam com o poder, quando o poder lhes sobe à cabeça, donde decorre também a afirmativa de que o poder corrompe. 

Efetivamente, muitos detentores do poder sofrem de húbris e perdem a noção da realidade, situação agravada pelos que os envolvem e estimulam essa húbris. Lula sofre de húbris, outros tantos políticos já contraíram esta deformação psíquica e cometeram atos ilícitos (que julgavam permissíveis para eles por serem poderosos).

A história teria sido outra, se Lula tivesse optado pela aposentadoria e se o PT, em lugar de continuar culpando a Justiça, houvesse enfiado a carapuça, feito sua mea culpa, expulsado os envolvidos em tramoias e colocado no lugar gente decente, tipo Tarso Genro ou Valter Pomar. Em vez de ficar martirizando nossa democracia com a ladainha do foi golpe. 

A insistência petista lembra doentes que rejeitam as receitas e conselhos médicos, bem como enfisemados que não abrem mão de tragar seus cigarros. Não fosse essa cegueira fanática, visível nas redes sociais, hoje o PT já teria seu candidato provável à presidência, ao qual Lula, do seu sítio, poderia dar apoio. Mas não, os solertes conselheiros do PT levaram o partido para o suicídio, cometendo uma espécie de masoquismo público voluntário, num gesto nada marxista mas sim pietista. É a húbris que fez Lula pensar num levante popular contra sua condenação e provável prisão.

"Muitos detentores do poder sofrem de húbris"

O problema é que o PT se dizia de esquerda e o estrago feito vai atingir toda esquerda. Não sou só eu e o Celso Lungaretti que afirmamos isso, mas ainda hoje podemos citar reações de Cesar Benjamin e Fernando Gabeira, gente muito mais competente que nós em análise política e de esquerda.

O que chorar, ao ouvir a missa do réquiem de Lula? Principalmente a nossa tristeza por termos embarcado como tantos outros numa canoa furada, pois num piscar de olhos a herança de Lula-Dilma, que não tinha consistência, era um mero populismo de esquerda, já foi dilapidada e o Brasil retornou rapidamente às desigualdades de sempre.