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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Pesquisa da Defensoria indica automatização das condenações por tráfico no Rio

Sexta, 23 de fevereiro de 2018
Vinícius Lisboa - Repórter da Agência Brasil
A maior parte dos réus processados com base na Lei de Drogas no estado do Rio de Janeiro é presa em flagrante, não tinha antecedentes criminais nem condenações anteriores e tem o agente de segurança que o prendeu como a única testemunha do processo. Os dados foram levantados pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que verificou 2.591 processos contra 3.745 réus.

Para a coordenadora da pesquisa, Carolina Haber, os números indicam a falta de investigação e a criminalização de territórios na região metropolitana do Rio de Janeiro, enquanto o sistema automatiza as formas de condenação.

“A pessoa é presa sozinha, muitas vezes, e não há uma investigação mais profunda para entender se ela fazia parte de uma organização criminosa ou do crime organizado. É um flagrante, e muitas vezes ela está com pouca quantidade de droga, mas acaba sendo associada ao tráfico por estar em um local que é considerado comandado pelo tráfico, sem nenhuma prova dessa associação, que é necessária pela lei”.

A pesquisa mostra que 91% desses réus é homem, 77,36% não tinham antecedentes criminais e 57% foram presos em flagrante, durante operações regulares da polícia. Em 50,39% dos processos, o réu foi abordado pelos agentes de segurança quando estava sozinho.

Em 48,04% dos casos, os réus estavam com apenas uma droga ilícita. Quando essa droga é a cocaína, os réus tinham até 10 gramas em 47,25% dos casos. Quando se trata da maconha, o percentual dos que traziam até 100 gramas é de 49,52%.

Automatização do sistema
No decorrer do processo, o agente de segurança é a única testemunha em 62,33% dos casos e, em 53,79% dos processos, o testemunho desse agente foi a principal prova para que o juiz chegasse à conclusão da sentença. Em 42,41% dos processos, os agentes de segurança identificaram o lugar da prisão como ponto de venda de drogas e, segundo Carolina, essa informação muitas vezes corrobora uma condenação por associação com o tráfico, que eleva as penas a serem aplicadas. Em 42,70% dos casos, o réu não é processado apenas por tráfico, mas também por associação.

“Não estou falando que o policial não tenha que ser ouvido, ele tem a experiência dele. Mas ele também está fazendo parte dessa engrenagem de automatização desse sistema, e os juízes também, quando pensam que esse depoimento vale por si só”, disse ela, que defendeu mais investigação para que outros tipos de provas possam ser produzidas.

As decisões condenam os réus nos termos da denúncia apresentada pelo Ministério Público em 60,43% dos casos. Para 19,54% dos réus, as sentenças foram parcialmente condenatórias, e 20,03% das sentenças absolveram integralmente os réus.

Ministro do Supremo
O lançamento da pesquisa contou com a presença do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Barroso defendeu que a maconha seja legalizada e tratada como o cigarro - comercializada por empresas privadas, com proibição de venda para menores, proibição de publicidade, regulação e cobrança de impostos. A medida, no segundo o ministro, seria uma forma de enfraquecer o poder do crime organizado e de conter o encarceramento por tráfico, que já corresponde a cerca de 30% dos detentos do Brasil. Esse contingente contribui para que o país esteja na terceira posição no ranking de população carcerária, atrás de Estados Unidos e China.

“A luta armada contra o tráfico não tem sido vitoriosa. A finalidade de uma política de drogas, a meu ver, deve ser quebrar o poder do tráfico. E como o poder do tráfico vem da ilegalidade, é preciso colocar na mesa, como uma das opções, legalizar”, disse ele. Barroso propôs primeiro a legalização da maconha e, se houver resultado, cogitar o mesmo para a da cocaína. “O que quebra esse equilíbrio é o crack, que é uma droga devastadora e elimina a autonomia da pessoa. Porém, só existe o crack porque a cocaína é ilegal e cara, e aí se precisa criar um subproduto mais barato”.

O ministro defendeu que o sistema penal é mais duro com as pessoas mais pobres e citou obstáculos para a condenação de crimes de colarinho branco, como a corrupção e a sonegação.

“O sistema é feito para prender menino pobre e incapaz de punir a tempo os ricos delinquentes que existem no Brasil”, disse o ministro, que afirmou que o país é vítima de um pacto oligárquico de saque do Estado: “Como há muitos incentivos para a delinquência de ricos e poucos riscos, a gente criou uma legião de ricos delinquentes e pessoas que fazem negócios desonestos com a naturalidade de quem está vivendo uma vida normal”.

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