Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Intervenção militar e História

Sábado, 24 de fevereiro de 2018
Por
Aderson Sussinger


Na noite de 30 de janeiro de 1933, acorreu na Alemanha  uma grande passeata promovida pelo partido nazista (nacional-socialista)  para celebrar a ascensão de seu líder máximo, o ex-cabo do Exército Adolf Hitler, ao cargo de Chanceler. Marcharam pelas ruas de Berlim portando tochas  de Fogo e com discursos exaltando a lei e a ordem, o ódio aos judeus e também contra  a  esquerda. Muitos até não se preocuparam tanto, pois a nomeação do novo Chanceler foi legal, nos termos da ordem jurídica então vigente, como de fato  vivia-se naquele país um Estado de Direito, (com avançadas conquistas sociais e culturais).

Mas o que veio de terrível  após isto todos  já sabem, (não preciso me esforçar muito para relembrar), pois em nome da “ordem”, imposição de novas normas restritivas, decretos, intervenções militares, chegou-se rapidamente ao plano de execução do extermínio de milhões de seres  humanos (“solução final”), primeiramente os judeus, ciganos, comunistas, sindicalistas, os que se opunham ao nazismo, ou que pensassem diferente.

Resolvi falar de história, hoje, deste terrível fato (que muitos eu sei dirão que estou exagerando) para chamar atenção para o processo de intervenção militar no Rio de Janeiro, (decreto inconstitucional n. 9.288) promovido pelo corrupto e degenerado Governo Temer, (que embora não seja nazista)  seus métodos “de guerra”  nas favelas, de áreas, revista de menores, fichamentos extraordinários, intimidação com máscaras e pesado armamento, são, entretanto,  práticas (e sinais) - ainda que sob o discurso da legalidade -  de ditaduras, regimes militares como aconteceu aqui no Brasil em 1964 e no Chile e Argentina, na década de 70, todos a incluir comportamentos inspirados (confessando-se ou não) em práticas de controle nazista de populações.
Os “fichamentos” ilegais já tiveram início em Vila Kennedy e Nova Aliança, na zona Oeste, e não vai me espantar se, em breve, o Maracanã for requisitado para servir como campo de concentração. Evidentemente que será um confinamento de pobres, negros, favelados! Faz-se necessário que todos aqueles que defendem minimamente os direitos civis e as liberdades democráticas (digo minimamente) reflitam seriamente para o que está ocorrendo no Brasil, onde através desta abominável intervenção politico-militar no Rio de Janeiro está se violando direitos fundamentais da pessoa humana, sob o pretexto da “guerra ao trafico”, “guerra às drogas”, que não passam de guerra ao povo pobre.

O famoso e luxuoso Edifício Venâncio V, no bairro rico do Leblon, todos sabem, está repleto de indicados pela polícia federal e não se faz nenhum “fichamento” de seus ilustres e aquinhoados moradores somente por naquele prédio residirem! Mas, ao contrário, com os pobres das favelas o Exército exige “mandado de prisão coletivo”  e cadastram ilegalmente seus moradores, fotografam, para além  do registro cartorário  civil. Não se questiona que se deve coibir combater  o crime (aquele assim previsto no Código Penal), processar e condenar na forma  da lei, mas isto não pode ser feito através da prática de novos crimes, dentre estes, o abuso de autoridade, a violação da privacidade, da dignidade humana! Qual afinal o conceito de cidadão da Intervenção? Quem são os “cidadãos” “do bem” que dizem pretender proteger com tanta violência que, ao final, sabemos, acaba também servindo de pretexto para a violência do tráfico?

Pois na comunidade da Maré, consumiram milhões em operações militares na recente ocupação e o resultado prático em termos de segurança e pífio! Em verdade, a repressão da Intervenção militar e seletiva, menospreza os direitos mais elementares  quando o Exército e Fuzileiros Navais invadem as favelas, aprofundando a “barbárie fardada” que já tradicionalmente faz a PM nestas áreas contra os “naturalmente perigosos”; Não se esqueçam de Amarildo! Por incompetência investigatória dos crimes, incapacidade de buscarem a raiz do problema essencialmente social, optaram por ampliar a repressão no Estado do Rio de janeiro, para o regozijo dos verdadeiros donos da indústria das Drogas e dos armamentos, instalados confortavelmente em suas seguras mansões  ou (seus prepostos)  em alguns prédios públicos  de Brasília.

Felizmente diversas entidades democráticas do país estão questionando a intervenção, tendo a OAB-RJ se insurgido  contra os ilegais mandados de prisão coletivos e agora denunciando os “fichamentos”. O IAB concluiu também um corajoso parecer contra a ocupação militar. E a Procuradoria da República, através da Nota Técnica n. 01/2018, de 20/02/18, já questionou a “natureza militar” do decreto de intervenção, sua inconstitucionalidade sob diversos aspectos, bem como a suspeita declaração do General Interventor  de que “aos militares deveria ser dado à garantia de agir sem o risco de uma nova Comissão da Verdade”. O que significa agir para este Comandante?   Repetir as ações militares do póstumo regime de 64?

Encerro estas linhas - de alerta e reflexão - dizendo que faz-se necessário, além de auxiliar e apoiar as vítimas preferenciais desta intervenção militar - os moradores das favelas - formar  uma frente de todos e todas, homens e mulheres, jovens, entidades sindicais, religiosas, estudantis, democráticas, para nos opormos a esta intervenção, para que a história das intervenções militares não nos cobre no futuro jamais o custo da omissão. Os pobres já são vítimas de arbitrariedades há mais de 500 anos no Brasil e a denominada “classe média” deve entender que a história já provou que “saídas autoritárias”, intervenções militares, não irão jamais lhes trazer a desejada  paz onde não há justiça social.

* Aderson Bussinger, advogado, conselheiro da OAB-RJ, integra o MAIS - Movimento Por Uma Alternativa Independente Socialista. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais/UFF, colaborador do site TRIBUNA DA IMPRENSA Sindical, Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, membro Efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros-IAB.

Fonte: Tribuna da Imprensa Sindical