Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 8 de novembro de 2020

Por que devemos votar em mulheres?

 Domingo, 8 de novembro de 2020

Por











Professora Fátima Sousa*

Nessas eleições municipais e sempre, precisamos ampliar a participação das mulheres na política. Ainda que reconhecendo os avanços nas nossas lutas para ocuparmos os espaços de poder na vida municipal, estadual e nacional, é preciso registrar a lentidão no que diz respeito à igualdade entre os gêneros. Pois lentos são os passos dados em relação à participação de mulheres na vida pública, quando ocupam cargos de menor peso nas grandes decisões políticas e de menor prestígio no mercado de trabalho. 

É fato que as posições de poder ainda são ocupadas em sua maioria por homens de uma histórica elite burguesa, que teimam em querer reproduzir o pensamento ultraconservador, misógino, homofóbico e que prejulgam nossas capacidades, inclusive, se achando no direito de nos dizer o que fazer, mesmo quando não sabem o que fazem. Pior, nos ‘reservando’ os piores espaços do mundo privado e/ou apontando que caminhos devemos seguir na estrutura do poder político. Esquecem que as vitórias em curso não têm volta. Somos maioria na base da organização de movimentos sociais, mas ainda são minoria nos cargos políticos e também na direção dos partidos políticos. 

Nos espaços de direção de empresas privadas e de organizações como sindicatos e associações de classe, o mesmo quadro é verificado. Essas desigualdades se acentuam quando investigamos a interseccionalidade da dimensão de gênero com classe, raça, etnia, orientação sexual, geração e assim cresce a relação de desigualdades. Frente a diversos tipos de preconceito e discriminação, as mulheres negras têm ainda menos acesso aos espaços de poder e decisão que as mulheres brancas, por exemplo.

A participação ativa das mulheres é indispensável à construção da democracia e da cidadania e assume um caráter crítico e propositivo na construção das plataformas feministas dirigidas ao poder público. Essa atuação contribui para a elaboração de leis e para a administração pública, e para as candidaturas político-partidárias, no sentido de sensibilização e estabelecimento de compromissos das candidatas. 

Muitas de suas ações têm produzido desdobramentos concretos em termos de inovações e conquistas legislativas e de políticas públicas. Mas ainda é limitado. Essa limitação é mapeada pela ONU Mulheres[i] quando mostra que 48 países têm 30% ou mais de mulheres em seus Congressos ou Parlamentos, mais do que os 46 países do ano passado e dos 42 de 2013. A média global chegou a 22% de mulheres nos Parlamentos. A região das Américas, por sua vez, registra o maior índice, com média de 26,4%, sendo a Bolívia, o segundo país no mundo da lista, com 53,1% de seu Congresso formado por mulheres. Do lado oposto, está a região do Pacífico, com as menores taxas.

Ainda assim, segundo o Inter-Parliamentary Union[ii], organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos, o Brasil é um dos piores países em termos de representatividade feminina na política, ocupando o terceiro lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres. A nossa taxa é de aproximadamente 10 pontos percentuais a menos que a média global e está praticamente estabilizada desde a década de 1940. Os números indicam que, além de estarmos atrás de muitos países em relação à representatividade feminina, poucos avanços têm sido conquistados nas últimas décadas.

Isso porque após os resultados das eleições de 2018, a primeira em que houve repasse de 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas de mulheres, houve um aumento na representatividade feminina, ou seja, de 10%, as mulheres passaram a ocupar 15% das cadeiras nas duas Casas Legislativas (Câmara e Senado). 

Dos 513 deputados só 77 são mulheres; dos 11 cargos da Mesa Diretora (incluindo os suplentes) as deputadas ocupam apenas dois; e das 25 comissões permanentes somente 4 são presididas por mulheres. Vale recordar que, mesmo nessa condição, a maior participação das mulheres nos cargos de poder não é uma concessão, mas uma conquista – consequência da competência delas em sua atuação no congresso e de um acúmulo de lutas desde a Constituinte, com a chamada ‘Bancada do Batom’.

É visível a diferença que faz nossa presença nos espaços de poder para seguirmos ampliando o debate político, e a forma de enfrentamento das questões estruturais acerca da saúde, educação, combate à violência, ao assédio, proteção a maternidade segura, ao emprego, renda, trabalho, carreira, entre tantas outras questões. Exemplos exitosos não nos faltam em listas que, a cada dia se avolumam. Citarei dois exemplos, entre tantos. A deputada federal Luiza Erundina, que teve um mandato de sucesso quando foi a primeira mulher eleita como prefeita da maior cidade da América Latina (1989-1992); a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, reeleita recentemente e que foi capaz de lidar com a pandemia do coronavírus, fazendo com que seu país ficasse livre da doença.

Assim, nessas eleições municipais, vote nelas, com a certeza que as mulheres serão fortes referências no Brasil e no mundo, para uma nova maneira de se governar, com afeto, amorosidade e capacidade de edificar cidades e territórios saudáveis, justos e solidários.



Vale uma nota de rodapé:

A Emenda Constitucional nº 97/2017[iii] estabeleceu o fim das coligações partidárias nas eleições para cargos proporcionais a partir do pleito municipal de 2020. Com a medida, a luta para garantir mais espaço às mulheres na política ganhou um novo alento. Se antes o cumprimento da cota de gênero de 30% para as candidaturas se aplicava à coligação como um todo, agora ela se aplica a cada partido, individualmente. Com o fim das coligações, o TSE espera reduzir ocorrência das chamadas ‘candidaturas laranja’, fraude que ocorre quando mulheres são indicadas como candidatas pelos partidos políticos apenas para cumprir a cota, sem receber, de fato, os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) a que têm direito e sem fazer campanha ou mesmo obter votos.

[i] http://www.onumulheres.org.br/mapa-de-mulheres-na-politica-reflete-progresso-lento-em-igualdade-de-genero/

[ii] http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm

[iii] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc97.htm

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*Fátima Sousa
Paraibana, 57 anos de vida, 40 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.